Orson Welles, charutos e outras catástrofes na abertura do Festival de Veneza

Um filme catástrofe a abrir o festival: Everest, de Baltasar Kormakur. As catástrofes de Orson Welles e as suas caixas de charutos na pré-abertura. Eis Veneza, 72ª edição, com a escalada de João Salaviza - a adolescência - na Semana da Crítica: Montanha .

Fotogaleria
Orson Welles como Shylock em The Merchant of Venice, um filme na pré-abertura de Veneza
Fotogaleria
Everest; filme catástrofe a abrir o festival
Fotogaleria
Eddie Redmayne como Einar Wegener, nascido homem e uma das primeiras pessoas a submeter-se, nos inícios da década de 30, a cirurgia experimental transgender: The Danish Girl
Fotogaleria
Carrie, de Brian de Palma: o cineasta é objecto de um documentário sobre a sua obra e vai receber o Jaeger-LeCoultre Glory to the Filmmaker Award, dedicado a personalidades que contribuíram de forma original para o cinema
Fotogaleria
Heart of a Dod, de Laurie Anderson

Mas Veneza 72º tem hoje, terça-feira à noite, uma pré-abertura, dedicada ao centenário do nascimento de Orson Welles, com a exibição de duas das suas obras “venezianas” e “shakespeareanas” que foram restauradas: The Merchant of Venice (1969) e Otello (1951). O que é uma forma de estar no centro da proeza e da catástrofe, wellesianas, bem entendido, de rodagens erráticas, versões e fragmentos vários, financiamentos interrompidos por disputas com produtores e até roubo das cópias de trabalho, o que deixou, por exemplo, The Merchant of Venice, que Welles filmara para a CBS, sem som.

A versão agora apresentada foi reconstruída e restaurada a partir de material encontrado, e a partir das indicações do argumento original que também foi localizado, e será acompanhada ao vivo pela Orchestra Classica di Alessandria, que tocará a partitura original de Angelo Francesco Lavagnino, nunca antes apresentada ao vivo.

Já Otello corresponde à versão italiana do flme, que Welles retirou da competição de Veneza em 1951 por considerar que não estava completa (a versão em inglês, mais curta, seria apresentada em Cannes em 1952, onde receberia o Grande Prémio).

Mas há mais Welles: a exposição Shakespeare & Cigars mostrará 12 estudos para personagens shakespeareanas, Macbeth, Othello, Falstaff, Shylock..., que Welles pintou em caixas de madeira dos seus charutos favoritos.

Depois começa a competição, 21 títulos: Frenzy, do turco Emin Alper; Heart Of A Dog, de Laurie Anderson – a sua voz a desencadear um fluxo de imagens que, diz quem viu, é como uma versão cinematográfica dos seus espectáculos ao vivo, aventura por histórias, sonhos e perdas (Lou Reed e o cão, Lolabelle), ou os italianos Sangue Del Mio Sangue, de Marco Bellocchio, Per Amor Vostro, de Giuseppe M. Gaudino, L’Attesa, de Piero Messina e A Bigger Splash, de Luca Guadagnino (que aqui se "mete" com A Piscina, de Jacques Deray, de que será um remake).

Ainda em concurso, Looking For Grace, de Sue Brooks; Equals, de Drake Doremus, Remember, de Atom Egoyan; Beasts Of No Nation, de Cary Fukunaga, adaptação do livro de Uzodinma Iweala, e um drama sobre as experiências de uma criança-soldado na guerra-civil num país africano, é dos títulos que mais dará que falar este ano, juntamente com The Danish Girl, de Tom Hooper – o actor Eddie Redmayne (Óscar por The Theory of Everything - A Teoria de Tudo) interpreta Einar Wegener, nascido homem e uma das primeiras pessoas a submeter-se, nos inícios da década de 30, a cirurgia experimental transgender.



Concorrem ainda ao Leão de Ouro, Marguerite, de Xavier Giannoli; Rabin, The Last Day, de Amos Gitai, sobre o assassinato do primeiro-ministro Yitzhak Rabin; The Endless River, de Oliver Hermanus; Anomalisa, de Charlie Kaufman, filme de animação, a técnica stop motion11 Minutes, de Jerzy Skolimowski (11 minutos nas vidas de várias personagens); Francofonia, de Aleksandr Sokurov (o seu Fausto foi o Leão de Ouro em 2011); El Clan, de Pablo Trapero; Desde Alla, de Lorenzo Vigas; L’Hermine, de Christian Vincent e Behemoth, de Liang Zhao.

O documentário apresenta-se com autoridade fora de competição: In Jackson Heights, de Frederick Wiseman, sobre um dos bairros mais étnica e culturalmente diverso dos EUA; Janis, de Amy Berg (sobre Janis Joplin), The Event, de Sergei Loznitsa, Afternoon, de Tsai Ming-liang, o Grande Prémio do Júri do ano passado com Stray Dogs, ou De Palma, de Noah Baumbach e Jake Paltrow, que resulta de conversas com o realizador de Carrie, mantidas nos últimos 10 anos, sobre a sua obra e o seu método. 

O documentário vai ser apresentado no âmbito de uma homenagem a DePalma: vai receber o Jaeger-LeCoultre Glory to the Filmmaker Award, dedicado a personalidades que contribuíram de forma original para o cinema – eis alguém, diz a declaração de Alberto Barbera, o director do festival, salientando a energia lúdica deste cinema, que “experimentou soluções técnicas novas, rejeitou as regras clássicas da linguagem, abandonou-se ao virtuosismo estético e celebrou os seus autores favoritos”.

Ainda fora de competição, e depois do cancelamento, por razões técnicas que impedem o filme de chegar a tempo, da exibição de The Audition, de Martin Scorsese (com Robert de Niro, Leonardo diCaprio e o próprio Scorsese, é uma curta promocional de dois novos casinos na Ásia), serão apresentados Spotlight, de Thomas McCarthy, com Michael Keaton (sobre a mais antiga equipa de investigação jornalística nos EUA, a do Boston Globe), Black Mass, de Scott Cooper, com Johnny Depp a interpretar o gangster James “Whitey” Bulger, que se tornou informador do FBI e dessa forma continuou a eliminar a “competição” ao longo de três décadas, ou La calle de la amargura, do mexicano Arturo Ripstein, cineasta que vai ser homenageado com um prémio à carreira.

João Salaviza, na secção Semana da Crítica, estará acompanhado por The Family, um primeiro filme, 4 horas e 40 minutos, de Liu Shumin, cineasta de origem chinesa naturalizado australiano (uma viagem à descoberta da China, é o coup de foudre dos programadores desta secção); Banat de Adriano Valerio, também um realizador distinguido como Salaviza - mas com menção especial - no concurso de curtas de Cannes; Light Years de Esther May Campbell; Motherland, da turca Senem Tuzen; Tanna, do duo australiano Martin Butler e Bentley Dean, incursão de dois documentaristas na ficção; The Return de Green Zeng (Singapura) e The Black Hen, a estreia na longa de um cineasta nepalês, Min Bahadur Bham, a primeira longa do Nepal alguma vez exibida no Festival de Veneza.

Sugerir correcção
Comentar