Mito do colesterol - O que já se sabe e o que ainda é incerto
Há uma associação entre os níveis de colesterol e o risco de morte cardiovascular.
A aterosclerose é uma doença inflamatória crónica, sistémica e progressiva, que atinge as artérias de grande e médio calibre, associada a morte ou invalidez prematuras. Afecta preferencialmente as circulações coronária, cerebral e arterial periférica.
Um conjunto de factores de risco como a hipertensão arterial, dislipidemia, diabetes, tabagismo, facilitam/favorecem e precipitam o desenvolvimento da aterosclerose. A progressão e emergência clínica da aterosclerose resulta habitualmente, de um longo caminho percorrido desde o início do processo aterosclerótico (ainda na adolescência) até à ocorrência de eventos clínicos (a partir da 4ª, 5ª décadas).
A doença cardiovascular devido à aterosclerose é a principal causa de morbi- mortalidade nos países industrializados e Portugal não foge à regra. As principais expressões clínicas são o acidente vascular cerebral (AVC) isquémico e a cardiopatia isquémica (enfarte do miocárdio).
Neste contexto diversas sociedades científicas (EAS/Sociedade Europeia de Aterosclerose, ESC/Sociedade Europeia de Cardiologia, ESGP/FM/Wonca Sociedade Euroepeia de Medicina Geral e Familiar, EASD/Associação Europeia para o Estudo da Diabetes, NLA/National Lipid Association, International Atherosclerosis Society, SPA/Sociedade Portuguesa de Aterosclerose, SPC/Sociedade Portuguesa de Cardiologia), reconhecem a importância do tratamento da dislipidemia a que não é alheio o uso das estatinas, na redução da morbi-mortalidade da doença aterosclerótica cardiovascular nas últimas décadas.
Com efeito, as dislipidemias que são alterações nos níveis de lípidos e/ou lipoproteínas no sangue e extremamente comuns na população geral, e consideradas um factor de risco altamente modificável para doenças cardiovasculares devido à influência do colesterol, uma das substâncias lipídicas clinicamente mais relevantes na aterosclerose, têm um papel chave na doença cardiovascular. De facto, a redução das lipoproteínas de baixa densidade (LDL) pelas estatinas, reduz os eventos cardiovasculares como está largamente documentado em estudos clínicos e é suportado pela prática clínica.
A decisão médica é determinada pelo cálculo do risco do risco cardiovascular e respectiva estratificação do risco, com a integração de toda a informação disponível sobre os diferentes factores de risco. Se nalguns casos é suficiente a implementação de modificações do estilo de vida como sejam o controlo ponderal, a cessação tabágica, a redução da ingestão de sal, noutros casos estas medidas terão de ser complementadas com tratamento farmacológico, nomeadamente com estatinas - fármacos de” primeira linha” no tratamento das dislipidemias como está expresso nas “guidelines” internacionais e nas Normas de Orientação Clínica da Direção-Geral da Saúde.
As estatinas são fármacos com indicações terapêuticas aprovadas por entidades reguladoras de saúde nacionais e internacionais, para o “tratamento da hipercolesterolemia primária ou dislipidemia mista, como adjuvante da dieta, sempre que seja inadequada a resposta à dieta e a outros tratamentos não farmacológicos quer em prevenção primária para uma redução da mortalidade e morbilidade cardiovascular em doentes com hipercolesterolemia moderada ou severa e em risco elevado de um primeiro acontecimento cardiovascular ou em prevenção secundária, para uma redução da mortalidade e morbilidade cardiovascular em doentes com história de enfarte do miocárdio ou angina pectoris instável e com níveis de colesterol normais ou elevados”.
Em resumo, o que é CERTO:
- há uma associação entre os níveis de colesterol e o risco de morte cardiovascular
- a redução dos níveis do colesterol diminui o risco de eventos e mortalidade cardiovasculares
- o benefício absoluto dependo do risco
- o uso de estatinas está associado a um aumento do risco de diabetes, mas este risco absoluto é baixo e não se sobrepõe aos benefícios de uma indiscutível redução de eventos coronários. Será necessário tratar 255 doentes durante 4 anos com estatinas, para resultar num caso extra de diabetes (Lancet 2010; 375:735-742), risco que é acrescido nos doentes que já têm risco aumentado de desenvolverem diabetes quando iniciam o tratamento com estatinas.
- não deve ser alterada a prática clínica nos doentes de risco cardiovascular moderado ou elevado, no que se refere à administração de estatinas, isto é, nos que doentes que já tiveram eventos cardiovasculares ou uma associação de riscos cardiovasculares, não deve ser suspensa a toma das estatinas já prescritas.
A avaliação do risco para o desenvolvimento de manifestações clínicas da doença aterosclerótica cardiovascular, assenta em recomendações clínicas com diferentes níveis de evidência/graus de recomendação. Servem para ajudar o clínico a tomar uma decisão informada, tendo em conta os potenciais benefícios/ riscos com as opções disponíveis e face à melhor informação científica disponível. Estas recomendações informam e não substituem o julgamento clínico “centrado” em cada doente, caso a caso, com a sua participação activa, em diálogo, na decisão da melhor estratégia terapêutica, de forma a aumentar o envolvimento para uma adesão terapêutica a longo prazo, importante em doenças crónicas como a aterosclerose.
O artigo de opinião do Dr. Manuel Pinto Coelho não cumpriu este desiderato.
Mito - Coisa só possível por hipótese; quimera – in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013.
O que ainda é incerto, é o nosso completo conhecimento do papel da inflamação na aterosclerose ou até que valores podemos e devemos “descer” os valores do colesterol-LDL com segurança e com ganhos em saúde.
Até lá e reforçando o artigo de opinião também publicado no Público a 02 de Agosto pelo coordenador do Grupo de Estudo do Risco Cardiovascular da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, Prof. Dr. Roberto Palma dos Reis, a Sociedade Portuguesa de Aterosclerose, “aconselha os doentes vasculares e/ou hipercolesterolémicos a continuarem as terapêuticas prescritas pelos médicos que os assistem”. E deixemos o “mito", de férias!
Presidente da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose, assistente Graduado Sénior de Medicina Interna, professor Auxiliar Convidado de Medicina da Faculdade Ciências Médicas/Universidade Nova de Lisboa