FCT foi avaliada e Nuno Crato diz que resultados apoiam as suas políticas
Quatro investigadores estrangeiros vêem com bons olhos as reformas postas em prática pela fundação que gere os fundos públicos para a ciência. Críticos dizem que este relatório é uma “pseudo-avaliação” que não passa de “campanha eleitoral”.
O painel apoia “muito fortemente que as reformas foram necessárias, valiosas e vão na direcção certa”, disse Christoph Kratky, químico e antigo presidente da Fundação de Ciência da Áustria, numa conferência de imprensa terça-feira ao final do dia no MEC, em Lisboa. O cientista é o líder do painel internacional que avaliou a FCT. Para isso, o painel consultou documentos da FCT e entrevistou dezenas de pessoas com relevância no sistema científico português, desde políticos até cientistas.
“É absolutamente claro que estas reformas devem continuar e não devem ser revertidas”, insistiu Christoph Kratky ao lado de Nuno Crato, ministro da Educação e Ciência, que na conferência disse que o painel “endossa” um conjunto de linhas estratégicas da FCT.
A avaliação pretendia “obter recomendações que permitam aperfeiçoar o funcionamento da FCT, verificar a adequação dos seus procedimentos com as políticas nacionais de ciência e tecnologia e averiguar o seu alinhamento com as melhores práticas internacionais”, dizia um comunicado de Junho de 2014, quando se anunciou esta avaliação.
Mas o resultado da avaliação está a ser criticado. “Em quatro anos, só houve recuos na ciência: no investimento público e privado, nos projectos e nas bolsas, nas infra-estruturas e equipamentos, na ligação à economia e na cultura científica”, diz Carlos Fiolhais, físico da Universidade de Coimbra e uma das principais vozes críticas da política científica do ministério de Nuno Crato no blogue De Rerum Natura. “Sobre alguns destes pontos, o relatório é completamente omisso”, comenta ao PÚBLICO, acrescentando que “esta pseudo-avaliação da FCT não passa de campanha eleitoral de um Governo em final de mandato”.
O matemático Luís Magalhães, o primeiro presidente da FCT, entre 1997 e 2002, quando José Mariano Gago era ministro da Ciência e Tecnologia num governo socialista, foi uma das personalidades ouvidas pelo painel. E também considera a avaliação desequilibrada: “O relatório peca por ser uma apreciação distorcida dos últimos quatro anos, ao considerar que as alterações neste período foram positivas e ao não identificar problemas imensos e sérios”, frisa Luís Magalhães, cuja opinião é partilhada por Manuel Heitor, antigo secretário de Estado da Ciência de Mariano Gago.
“Mudou-se de uma política baseada no desenvolvimento e numa ampla base de capacidade de investigação para uma política de identificação de ‘estrelas ascendentes’, que é contrária à sustentabilidade e desenvolvimento do sistema”, acrescenta Luís Magalhães.
Uma avaliação “generosa”
Apesar de o painel não ter sido incumbido de olhar para a avaliação que a FCT fez aos centros de investigação portugueses, que desde Julho de 2014 tem originado críticas da comunidade científica, acabou por se ver obrigado a analisar o processo. Essa avaliação aos centros de investigação serviu para definir o seu orçamento entre 2015 e 2020, no total de 71 milhões de euros anuais. Dos 322 centros que se candidataram à avaliação, 154 (cerca de 48%) tiveram uma nota insuficiente para passarem à segunda parte do processo, que dava acesso à maioria do dinheiro, ficando assim com a vida dificultada.
Houve vários problemas no processo. Ao todo, a FCT mudou as regras do jogo pelo menos sete vezes durante a avaliação. Além disso, no contrato entre a FCT e a European Science Foundation (ESF) — à qual foi encomendada a avaliação — descobriu-se que estava definido à partida que só 50% dos centros passariam à segunda fase. Para as vozes críticas, a FCT tinha condenado a priori metade do sistema científico português.
Mas o painel de Christoph Kratky desvalorizou estas questões. “As mudanças nas regras do concurso foram benéficas para os que concorreram e respeitaram as condições iniciais [do processo]”, defendeu na conferência. Em relação à quota de 50%, o avaliador respondeu que a FCT e a ESF voltaram a negar que esta tenha sido uma condição. “Teria sido difícil gerar esse número, isso quereria dizer que todos os painéis de avaliação teriam trabalhado em conjunto”, argumentou Christoph Kratky.
“Mas mesmo que estivesse definido que passavam 50% das unidades na primeira fase, esse valor seria bastante generoso”, adiantou. “O número de unidades de investigação que acabou por ser financiado não é muito baixo. Na nossa opinião, é até demasiado alto.” E concluiu: “Se toda a gente fosse financiada, então esse não seria um processo competitivo.”
O bioquímico David Marçal, outra das vozes críticas, que participa no blogue De Rerum Natura, salienta que os avaliadores se limitaram a subscrever as posições da FCT e da ESF e desvalorizaram “as críticas avassaladoras da generalidade da comunidade científica em Portugal, inclusivamente as do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, ignorando que a avaliação é alvo de vários processos judiciais”. Há ainda um problema geral de método na avaliação, diz: “Não foram ouvidos alguns dos principais e mais activos críticos. Não surpreende que o relatório seja essencialmente elogioso.” Ao que Luís Magalhães acrescenta: “Chamaram pessoas para entrevistas, não tiveram contacto com o dia-a-dia das instituições.”
Mas para Nuno Crato, o relatório dá força à avaliação dos centros de investigação: “Este painel substancia no geral o processo de avaliação.” E Christoph Kratky elogiou ainda a escolha da ESF. “A decisão de contratar a ESF foi muito boa”, disse o cientista que, como antigo presidente da Fundação de Ciência da Áustria, entre 2005 e 2013, fez parte do conselho directivo da ESF nesse período.
Além de Christoph Kratky, a comissão de avaliadores da FCT, nomeada em Junho de 2014, é composta por Alan Bernstein (presidente do Instituto Canadiano para a Investigação Avançada), René Schwarzenbach (um dos ex-responsáveis da Fundação Nacional para a Ciência suíça) e Yves Mény (presidente da Escola Superior de Estudos Avançados de Sant’Anna, em Itália). Esta avaliação à FCT, a primeira, está prevista desde 2005, em legislação criada por Mariano Gago, que definia que os peritos seriam escolhidos pela tutela ministerial. Questionado como se poderia confiar numa avaliação cujos peritos tinham sido escolhidos pelo MEC, Christoph Kratky respondeu: “A confiança não pode ser forçada por decreto. Nenhum de nós conhecia as pessoas envolvidas [do MEC].”
Nuno Crato frisou que nem ele nem a secretária de Estado da Ciência, Leonor Parreira, “conheciam” os avaliadores e explicou que se pediu à Direcção-Geral de Investigação da Comissão Europeia para fazer uma lista de “peritos de alto nível” com experiência em fazer avaliações deste tipo. “Escolhemos quatro pessoas das propostas da direcção-geral que nos pareceram qualificadas.”
O fim das bolsas individuais
Um dos principais problemas assinalados pelos avaliadores foi o clima de desconfiança e crítica em relação à FCT, num contexto de austeridade. “Muitos parceiros não acreditam que a FCT seja um agente honesto que lute pelos seus interesses”, lê-se no relatório, no qual se aconselha “fortemente” à FCT envolver a comunidade científica nos processos de decisão. Esta é uma das 23 recomendações no documento, muitas sobre a própria estrutura da FCT.
A diminuição progressiva de bolsas individuais de doutoramentos e pós-doutoramento é outras das recomendações e vem ao encontro das actuais políticas científicas. Os resultados dos concursos de bolsas de 2013, conhecidos em Janeiro de 2014, já anunciaram esta tendência: houve um corte de 40% das bolsas de doutoramento, já contando com as dos novos programas doutorais FCT, e de 65% nos pós-doutoramentos, em relação a 2012.
Em vez deste sistema de bolsas individuais, o relatório defende o modelo dos programas de doutoramento, iniciado pela FCT em 2013, e o financiamento de doutoramentos dentro dos projectos de investigação. Para as bolsas de pós-doutoramento, os avaliadores aconselham um regime semelhante, com o fim dos concursos nacionais.
“É um grave erro de política científica”, critica Luís Magalhães. “É essencial que haja uma componente geral abrangente de todas as áreas do conhecimento e que não fique exclusivamente a cargo de grupos de investigação que tiveram sucesso em projectos.”
Mas também há aspectos positivos da avaliação, segundo Luís Magalhães: “Prevê-se a estabilidade orçamental plurianual [da FCT], com um crescimento anual efectivo de cerca de 5%.” Já David Marçal refere o emprego científico: “Mostra-se preocupação com as bolsas de pós-doutoramento, que deveriam ser substituídas por contratos de trabalho, reconhecendo que é bastante problemático que as gerações de jovens sejam excluídas dos benefícios do sistema de segurança social.”
No final da conferência, Nuno Crato anunciou ainda que uma nova legislação sobre a carreira de investigação científica terá de esperar por depois de Outubro. “É um tema prioritário para o próximo Governo.”