De Atenas a Berlim, propostas gregas dividem a Europa
Eurogrupo discute este sábado a possibilidade de um terceiro resgate à Grécia. Com muitas questões por resolver, opiniões divergentes por toda a Europa e muito pouco tempo para discutir, um acordo ainda não parece fácil.
O documento enviado na quinta-feira pelo Governo grego a Bruxelas inclui mais medidas de austeridade do que aquelas que tinham agora sido aceites por Atenas e aproxima-se da última versão defendida pela troika e que foi chumbada no referendo do passado domingo. Em duas áreas – IVA e pensões – essas cedências são particularmente claras, havendo do lado grego a expectativa que tal seja suficiente para os parceiros europeus, não só garantirem o financiamento do país durante os próximos três anos, como também abrirem a porta à tão desejada reestruturação da dívida.
Havia por isso muita expectativa, no dia a seguir à apresentação da proposta, em relação a qual seria a reacção em Atenas e nas outras capitais da zona euro. Tsipras conseguiu segurar um apoio dentro do seu próprio partido e até da oposição, mas o nível de aceitação na zona euro é ainda pouco claro, com declarações muito divergentes.
Em Atenas o dia foi passado numa maratona de discussões no Parlamento com o primeiro-ministro, Alexis Tsipras, a tentar convencer o Governo e o seu partido a aceitarem as suas propostas para um terceiro resgate. “Conseguimos um mandato para um acordo melhor do que o ultimato que o Eurogrupo nos deu, mas não tivemos certamente um mandato para tirar a Grécia do euro”, declarou, perante uma esperada revolta dos deputados da ala mais à esquerda do Syriza.
Esta revolta , no entanto, não se concretizou e o plano de Tsipras foi aprovada já de madrugada no Parlamento, com 251 votos a favor em 300 possíveis.
O ministro das Finanças, Euclides Tsakalotos, pediu aos deputados para avaliarem o novo programa como um todo. Até agora, os gregos têm-se fixado no facto de que o acordo vai ser ainda pior do que o que estava em cima da mesa antes do referendo, e muitos questionam-se que propósito teve a votação. Analistas dizem que, paradoxalmente, pode ter sido a única maneira de Tspiras ganhar poder e convencer os deputados da ala radical do seu partido.
Uma manifestação defendendo a recusa das propostas ainda saiu à rua em Syntagma, mas foi um protesto pequeno, organizado por partidos como o Comunista ou o radical de esquerda Antarsya e marcado por palavras de ordem gritadas a megafone, sem qualquer semelhança com as manifestações da semana anterior.
Enquanto isso, o ex-ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, que se demitiu na segunda-feira na sequência da vitória do ‘não’ no referendo à proposta dos credores para “facilitar as negociações”, continuava a dominar as atenções. Depois de rumores de que iria votar ‘não’, Varoufakis postou no Twitter uma carta enviada à presidente do Parlamento, Zoi Konstantopoulou, dizendo – em grego, ao contrário do que vinha a ser habitual nos seus tweets: “Amanhã, Euclides merece o apoio de todos os nós. O meu apoio é total. Depois avaliaremos o efeito.”
O antigo ministro ausentou-se do debate invocando razões pessoais, mas continuou a chamar a atenção, especialmente a acusação que fez, num artigo do diário britânico The Guardian, ao ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble. Para Varoufakis, Schäuble quer a Grécia fora do euro para que haja um caso de castigo exemplar de um país que não cumpriu regras e assim “encher os franceses de medo e fazê-los aceitar o seu modelo de uma zona euro de disciplina”.
Europa dividida?
Na Europa, a tarefa de Tsipras de obter um acordo parece para já mais complexo. Aquilo que se ouviu, foram declarações muito diferentes, consoante o país de onde vinham e, no caso da Alemanha, dependendo de qual o partido da coligação governamental que se pronunciava.
Os mais elogiosos da proposta grega e mais favoráveis a um esforço europeu para atingir um acordo foram os responsáveis políticos franceses. O presidente François Hollande classificou as propostas gregas de “sérias e credíveis”, enquanto o ministro da Economia Emmanuel Macron falou de “avanços significativos”, dizendo estar “razoavelmente optimista em relação a um acordo”.
Na Alemanha, Merkel e Schäuble não falaram, tendo-se ouvido figuras de proa dos dois partidos da coligação governamental. No SPD, um discurso igual à França, com apelos à aceitação de um acordo, na CDU muita desconfiança em relação à Grécia. “Qual é a diferença entre Domingo e hoje? No domingo os gregos votaram contra estas medidas”, afirmou Michael Fuchs, vice-líder da bancada do partido de Angela Merkel no parlamento.
Ainda mais dúvidas manifestaram alguns líderes dos países bálticos. "Será muito difícil para mim persuadir o parlamento e, para o parlamento, será muito difícil votar favoravelmente, porque a pensão média na Letónia e bastante mais baixa do que na Grécia", disse o primeiro ministro letão, Laimdota Straujuma.
É por isto que um responsável político da zona euro citado pelo The Guardian (mas não identificado) se mostra pouco optimista na obtenção de um acordo. “Há demasiados problemas, muito pouco tempo e demasiadas pessoas que não acreditam que os gregos vão cumprir a sua parte do acordo”, afirma.
Dúvidas por resolver
Esta sexta-feira à noite, esperava-se que as instituições da troika fizessem chegar aos ministros das Finanças da zona euro a sua opinião sobre a proposta grega. Essa avaliação é importante porque servirá de base para a discussão que decorrerá este sábado no Eurogrupo.
Um acordo rápido e favorável à Grécia dos ministros das Finanças poderia até tornar desnecessária a realização da cimeira de líderes da zona euro e do conselho europeu que estão agendados para domingo. Já um desacordo total ou parcial obrigaria os líderes a viajar (mais uma vez) para Bruxelas.
E a verdade é que há muitos obstáculos e dúvidas por esclarecer até que se chegue a um acordo.
Uma das questões que se coloca neste momento é saber de que forma é que as exigências de austeridade da troika vão mudar pelo facto de agora se estar a discutir um pacote de financiamento de 53.500 milhões de euros para três anos, em vez de um empréstimo de 7200 milhões de euros (mais a utilização do dinheiro previsto para a capitalização da banca) para apenas cinco meses. Em declarações feitas esta semana, Angela Merkel já deixou claro que, num programa a três anos, se terá de reforçar aquilo que é exigido. Quanto, é o que se irá ver já este sábado.
Outra questão central em cima da mesa é a de que tipo de reestruturação de dívida estão os outros países da zona euro dispostos a conceder à Grécia.
Na proposta que é conhecida, Atenas não mostra qual é a sua ideia neste capítulo, mas é claro que existe a expectativa do lado grego de que seja possível um compromisso por parte dos parceiros europeus em relação a um alívio da sua dívida. Para Alexis Tsipras isto é essencial para poder “vender” internamente o acordo que venha a obter em Bruxelas.
Nos últimos dias, é verdade que os líderes europeus têm revelado disponibilidade para aceitarem um alívio do peso da dívida, mas existem poucas certezas quanto à dimensão da reestruturação que acham possível. A liderança alemã deixou já claro que um corte do valor da dívida nominal não será aceite, porque tal iria contra os tratados europeus. Estão mais disponíveis contudo para medidas como o alargamento dos prazos de pagamento ou uma redução dos juros, à semelhança do que aconteceu já em 2012, embora digam que o espaço de manobra a este nível é já muito reduzido.
Esta sexta-feira no parlamento, o ministro das Finanças grego, Euclides Tsakalotos, disse estar convicto que irá ficar acordada uma transferência dos títulos de dívida grega na posse do BCE para o Mecanismo Europeu de Estabilidade, uma proposta feita já há várias semanas por Atenas, que aliviaria o calendário de amortização de dívida para os próximos meses.
Mas há ainda outras dúvidas que terão de ser esclarecidas no Eurogrupo. Uma é o facto de, devido aos procedimentos nacionais e comunitários que ainda é preciso percorrer, um acordo poder não significar que o dinheiro chega à Grécia a tempo de se efectuar a 20 de Julho o pagamento de 3500 milhões de euros ao BCE.
Isso pode ser resolvido se os lucros obtidos com a dívida grega pelo Eurosistema e os outros Estados membros forem transferidos imediatamente à Grécia. Em causa estão cerca de 3900 milhões de euros relativos a lucros em 2014 e 2015, que podiam ser libertados sem a necessidade de aprovações parlamentares de cada um dos países. Outra hipótese é a concessão de um empréstimo ponte para os próximos meses, que ofereça ao Estado grego a liquidez de que precisa, até que o novo empréstimo se venha a concretizar. Por fim, há também a passagem dos títulos do BCE para o MEE com um alargamento dos prazos. Em todos os casos, é possível que os credores exijam ainda mais garantias de que a Grécia irá mesmo colocar em prática as medidas prometidas.
Outra questão pendente é saber se os bancos gregos irão precisar, mesmo com um acordo, de ser capitalizados. A Reuters noticiou esta sexta-feira que entre os responsáveis dos principais bancos gregos se calcula que seja necessário injectar entre 10 mil e 14 mil milhões de euros. Isto significa que esta verba poderá ter de estar incluída no programa, aumentando o nível das verbas a disponibilizar pelos credores.
A forma como os bancos irão ser capitalizados será também decisivo para a forma como o BCE irá passar a garantir o seu financiamento e para a velocidade a que serão retirados os controlos de capital actualmente em vigor. O ministro das Finanças grego diz que, em caso de acordo, muito rapidamente deixará de haver restrições aos movimentos dos depósitos, mas vários analistas defendem que esse processo poderá demorar meses ou anos, como aconteceu em Chipre.
O papel a desempenhar pelo FMI é também um factor de incerteza. Uma vez que a Grécia está em falta com um pagamento, o Fundo não pode nesta fase fazer qualquer novo empréstimo, mas é provável que continue a participar na avaliação da execução do plano.