A identificação biométrica: ficção e realidade
Num futuro bem mais próximo do que se julga, a identificação biométrica será rotineiramente utilizada.
Mecanismos desse tipo, menos sofisticados, como o recurso a impressões digitais, podem ser observados em certas portarias de edifícios de habitação, e, muito mais sofisticados, como sejam os feitos através da íris ocular, são já de uso corrente em certos aeroportos internacionais, nomeadamente o de Amã, na Jordânia, a fim de que a polícia possa reconhecer passageiros indesejáveis, sejam ou não delinquentes, e ainda que esses passageiros recorram ao uso de disfarces, tais como máscaras, perucas ou cirurgias plásticas, em poucos segundos são identificados pelas autoridades.
A identificação biométrica está a ser cada vez mais utilizada pelas empresas como um meio tecnológico que visa substituir ou reforçar a segurança dos meios tradicionais de verificação de entradas e saídas, sendo ainda de extrema utilidade quando se pretende – por razões de segurança ou de segredo –, restringir acessos a locais cuja entrada é apenas permitida a quem neles trabalha, principalmente para controlo da assiduidade e registo do tempo laboral, levando a que o Código do Trabalho dedicasse a esta matéria um preceito próprio. Esse artigo condensa o princípio da proporcionalidade lato sensu e adota expressamente vários princípios e condutas constantes da Lei da Proteção de Dados Pessoais (Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro), que procedeu à transposição da Diretiva n.º 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995.
A introdução, pelo empregador, destes sistemas no âmbito da relação de trabalho impõe, previamente, uma notificação à Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), acompanhada de um parecer da comissão de trabalhadores. Na falta desse parecer, compete à CNPD legitimar o tratamento dos dados biométricos, desde que, evidentemente, se apresente como o meio adequado para assegurar uma «finalidade legítima» – o controlo do horário de trabalho –, e autorizar o tratamento com essa finalidade. Não cabe à CNPD, em circunstância alguma, pronunciar-se sobre os procedimentos e o dever de cooperação em tudo o que seja necessário à captação das características biométricas. Por conseguinte, o dever de cooperação só se pode concretizar quando a entidade responsável pelo tratamento assegurar, junto do trabalhador, um efetivo dever de informação prévio em relação às finalidades determinantes da recolha, destinatários e condições de utilização daqueles dados, bem como o esclarecimento de dúvidas e receios que esta nova tecnologia possa eventualmente suscitar.
A operação de controlo do horário de trabalho, com recurso a impressões digitais ou a leituras da geometria facial, da íris ou da retina, não envolve, de per se, uma violação da integridade física do trabalhador, do seu direito à privacidade ou da sua intimidade.
Os direitos pessoais, tal como os direitos à imagem, os direitos à reserva da intimidade ou os direitos à vida privada, concorrem com outros igualmente considerados merecedores de proteção, designadamente aqueles de que é titular a entidade empregadora. Efetivamente é a própria Constituição que consagra, além do mais, o direito à iniciativa económica privada e o direito à liberdade de iniciativa e de organização empresarial. A proteção jurídica reside na compatibilização dos direitos que possam encontrar-se em colisão.
Não são os dados biométricos, em si, que podem afetar o direito à privacidade do indivíduo, mas sim as finalidades que a esses mesmos dados possam ser dadas. É inegável, inútil escondê-lo, que há riscos envolvidos, designadamente riscos de descriminação ou de cruzamento com outros sistemas, cujas consequências, em caso de falsificação ou usurpação dos ditos dados, terão sempre, forçosamente, repercussões na esfera da vida pessoal.
Seja como for, num futuro bem mais próximo do que se julga, a identificação biométrica será rotineiramente utilizada pelas instituições financeiras em relações bancárias, desde as mais simples, como, por exemplo, o levantamento de uns poucos de euros numa caixa automática multibanco de rua, até às mais complicadas operações, como seja uma transferência de milhões por SMS. Isto, claro, já se encontra em estado bastante adiantado um novo sistema de gestão de fronteiras na União Europeia, visando melhorar a mobilidade e a segurança entre os países que a integram. E esse sistema mais não é do que, no seu espaço – o espaço Schengen – a saída e entrada de indivíduos passar a ser feita com recurso à recolha de informação fornecida através dos dedos ou através da íris, numa onda imparável em que a ficção de ontem claramente se transformou na realidade de hoje.
Advogado, sócio-partner da Dantas Rodrigues & Associados