Acusados de rebelião, activistas estão em isolamento em cadeias fora de Luanda

"É injusto e desumano o que Eduardo dos Santos está a fazer", diz sem medo o activista Adolfo Campos. "Não podemos esconder a realidade. Não temos como fugir desta situação. Vamos lutar até libertarmos os nossos irmãos, acusados de uma mentira. Não temos liberdade. Não somos livres de pensar."

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"Estamos no chão. Este é um país sem liberdade", diz o activista Adolfo Campos Miguel Madeira

São 15 pessoas, à espera de julgamento, acusadas de tentativa de golpe de Estado e de rebelião – puníveis com penas entre três e 12 anos de prisão. A perseguição a outros activistas, entretanto, continua em Luanda. E em Cabinda, também o activista Manuel Mavungo está preso, acusado de rebelião, por ter organizado uma manifestação pacífica, que não se realizou, contra o governo local, no dia 14 de Março, quando foi detido – três meses e meio passaram.

“Por existirem fortes indícios de actos preparatórios de crime de rebelião e atentado contra o Presidente da República [...] e por existir receio de fuga ou continuação de acção criminosa [...], o Ministério Público entende por bem não conceder liberdade provisória aos arguidos”, lê-se no despacho sobre as detenções em Luanda que remete os autos para o Serviço de Investigação Criminal (SIC) para outras investigações. Alguns destes activistas, com ligações ao movimento revolucionário, que contesta a permanência de José Eduardo dos Santos (desde 1979) no poder, já antes tinham estado presos.

As razões desconhecidas da recente visita do Presidente à China alimentaram rumores de que Angola estaria a receber dinheiro para, em troca, favorecer interesses chineses, como a concessão de terras para a agricultura. Essa foi apenas uma das razões na origem da mais recente contestação ao Governo.

“Estamos cansados. Não podemos aceitar isto. A comunidade internacional tem que saber que nós estamos a lutar contra um ditador”, diz por telefone o activista Adolfo Campos.

As 15 detenções e o clima de perseguição estão agora a reavivar medos, mas sobretudo a revolta perante a repressão dos últimos anos e a eliminação de activistas detidos na preparação de manifestações em 2012 e 2013: Manuel Ganga, Alves Kamulingue e Isaías Cassule.

Além de não lhes ser concedida a liberdade provisória, os 15 detidos de Luanda ficam em isolamento dez dias, a contar do último dia dos interrogatórios, na passada sexta-feira. O isolamento “está previsto para delinquentes altamente perigosos”, explicou Walter Tondela, que esteve presente no interrogatório de quatro dos arguidos, tendo-lhe sido garantido que os restantes tiveram um defensor oficioso. Para o advogado, nada justifica a prisão preventiva, nestas condições, nem as acusações. “Não foi respeitada a presunção de inocência dos arguidos contra os quais não existe matéria criminal”, contesta.

“Acontecimentos sérios”
Depois de terem estado na cadeia central de Luanda, a maioria foi levada agora para prisões fora da província de Luanda, no Bengo, a província a norte da capital. Mas ao certo pouco se sabe. “Não nos dão informações e a perseguição continua a outros membros do Movimento Revolucionário dos Jovens Angolanos. Não temos liberdade, nem somos livre de pensar”, acrescenta Adolfo Campos. “Mesmo sendo visados, como eu, não vamos fugir do país. Este é o nosso país. Vamos lutar até libertarmos os nossos irmãos, acusados de uma mentira pura. Acusados e privados de estarem com os seus filhos, com os seus pais.” 

Os detidos são o músico Luaty Beirão (conhecido por Ikonoklasta), Domingos da Cruz, Nito Alves (que adoptou o nome de um líderes da contestação ao Presidente Agostinho Neto brutalmente reprimida em Maio de 1977 e que em 2013, com 17 anos, esteve preso dois meses ), Afonso Matias “Mbanza Hamza”, José Hata, Samussuko, Inocêncio Brito “Drux”, Sedrick de Carvalho, Albano Bingo, Fernando Tomás “Nicola”, Nelson Dibango, Arante Kivuvu, Nuno Álvaro Dala, Benedito Jeremias e Osvaldo Caholo.

Este último foi levado da sua casa quatro dias depois das detenções do fim-de-semana. Eram 7h00 da manhã e estava com a mulher em casa, quando uma pessoa, que se fez passar por um vizinho, ligou pelo intercomunicador. Seis elementos das forças de segurança entraram e levaram-no. Mais tarde voltaram para levar computador e telefones, divulgou o Grupo de Apoio aos Presos Políticos em Angola.

Na passada quinta-feira, quando o procurador-geral da República João Maria de Sousa, o ministro do Interior Ângelo Veiga Tavares e o director do SIC, comissário-chefe Eugénio Pedro Alexandre, estiveram na Assembleia Nacional para explicar as circunstâncias das detenções, o líder parlamentar do MPLA, Virgílio de Fontes Pereira, falou da “seriedade dos acontecimentos”, perante as informações e vídeos apresentados aos líderes das bancadas parlamentares. Na ocasião, Fontes Pereira disse que o “mais importante” era “preservar a paz, a estabilidade política e social” em Angola, lê-se numa notícia publicada no site da Assembleia Nacional, em que os líderes dos partidos da oposição não tomam posição, dizendo apenas esperar que uma “justiça justa” seja feita.

“As autoridades dizem que têm provas concretas da preparação de um golpe de Estado. Dizem que têm um vídeo e que encontraram uma lista de dirigentes para um novo governo. Estão a manipular a informação que passa em todas as rádios”, diz por telefone a activista Rosa Conde. A Rádio Nacional e a Televisão Pública de Angola são os principais veículos destas informações, mas também jornais e rádios que nos últimos anos passaram a estar sob a esfera de interesses do Governo e do MPLA, no poder.

“Repressão em nome da paz”
O jornalista de investigação e activista dos direitos humanos Rafael Marques escreve no seu blogue Maka Angola: “As graves acusações  contra os jovens, de preparação de um golpe de Estado, abrem caminho para que os media – detidos e controlados pelo Estado – e os serviços de informação disseminem um clima de medo que, por sua vez, serve para justificar uma repressão generalizada em nome da manutenção da paz.”

Rafael Marques foi ele próprio condenado recentemente a uma pena susensa de seis meses de prisão, por denúncia caluniosa, pela publicação do livro Diamantes de Sangue (Tinta da China, 2011), no qual acusa generais angolanos, com interesses no sector dos diamantes, de violações dos direitos humanos sobre as populações das Lunda Norte e Lunda Sul. No seu blogue, acrescenta: “Durante os últimos quatro anos, forças de segurança, serviços de segurança, milícias armadas e até os tribunais têm sido mobilizados para silenciar o autodenominado movimento revolucionário, constituído por vários grupos de jovens que têm ousado exigir publicamente a demissão do Presidente.”

 

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