Dezenas de mortos em ataques terroristas em três continentes
Dias depois de os jihadistas terem prometido ao mundo um mês "sangrento", acontecem ataques em França, Tunísia e Kuwait. Coincidência ou acção concertada?
Três atentados em três continentes, quase em simultâneo. Para os especialistas em contraterrorismo, é demasiada coincidência; alguns estão convencidos de que se tratou de uma acção global coordenada. "Parece ter havido um esforço para lançar ataques nos três continentes e, a ser assim, trata-se de uma reminiscência dos ataques múltiplos e simultâneos da Al-Qaeda no passado", disse ao jornal The New York Times Bruce O. Riedel, antigo membro da CIA e especialista em contraterrorismo da Brookings Institution, em Washington.
O mesmo jornal ouviu outras fontes e noticia que os serviços secretos e de contraterrorismo dos Estados Unidos estão a cruzar informação para apurar se as três operações terroristas foram dirigidas, coordenadas ou inspiradas pelo autoproclamado Estado Islâmico (EI). Para já, só um dos atentados, o do Kuwait, foi reivindicado por este grupo radical islamista sunita.
Na base da convicção da CIA e de Bruce O. Riedel está o apelo à guerra feito há dias pelo EI, que prometeu ao mundo um mês "sangrento". "Muçulmanos, apressem-se a embarcar em direcção à jihad", disse o porta-voz do Estado Islâmico, Abu Mohammed al-Adnani, numa mensagem áudio. "Mujahedeen [combatentes islâmico], onde quer que estejam, apressem-se a fazer do Ramadão um mês de calamidade para os infiéis".
O Ramadão é uma data com uma simbologia especial para o Estado Islâmico, que há um ano, no primeiro dia deste mês que para a maioria dos muçulanos é um tempo de oração e entreajuda, declarou o "califado" nos territórios que controla no Iraque e na Sìria. Nesse dia, Adnani disse que nascera "uma nova era da jihad internacional".
Patrão decapitado
No ataque em Saint-Quentin-Fallavier, nos arredores de Lyon, contra uma fábrica de gás propriedade de uma empresa americana, morreu uma pessoa — foi decapitada. Porém, o objectivo dos atacantes, que era fazer explodir todo o complexo, não foi conseguido. A rápida intervenção dos bombeiros e da polícia impediu que houvesse mais mortos e maior destruição.
Na manhã desta sexta-feira, pouco passava das 9h30, um homem chocou o carro em que seguia contra o portão da fábrica. Um suspeito, Yassin Sahli, de 35 anos, estava "em contacto com um grupo salafista" (ligado à jihad), anunciou o ministro do Interior francês, Bernard Cazeneuve. A polícia acrescentou que Sahli esteve referênciado na polícia e foi-lhe atribuída a senha "S", dada a suspeitos passíveis de se radicalizarem. Porém, por não ter actividades suspeitas, foi retirado da lista em 2008.
Foi Sahli (que foi preso, juntamente com mais três pessoas) que matou a única vítima do atentado. No interior da fábrica, decapitou um homem que, mais tarde, foi identificado como o seu próprio patrão — tinha 45 anos e era dono de uma empresa local de transportes que estava a fazer uma entrega na fábrica.
Logo de manhã, a polícia anunciou que o ataque estava a ser investigado como um crime de terrorismo. Os sinais apontavam para isso. Além da decapitação, havia a bandeira com "escritos árabes" que foi deixada junto ao corpo.
Segundo o jornal local Le Dauphiné Liberé, era uma bandeira do Estado Islâmico. Porém, o ministro do Interior não o confirmou, disse apenas que a bandeira iria "ser estudada" e que as suas inscrições seriam "traduzidas".
A decapitação tem sido uma das imagens do terror do EI. Mas não foi a primeira vez que um suspeito de ter ligações ao jihadismo decapita uma pessoa na Europa. Em 2013, um militar britânico foi decapitado numa rua junto ao seu quartel nos arredores de Londres. "Juramos por Alá todo poderoso que vamos combater-vos para sempre. Fizémos isto porque os muçulmanos estão a morrer, todos os dias. Matar um soldado britânico é aplicar o ‘olho por olho, dente por dente", disse o terrorista antes de ser apanhado pela polícia.
No momento do ataque, o Presidente francês, François Hollande, estava em Bruxelas, no Conselho Europeu, que abandonou para dirigir, em Paris, uma reunião de emergência de segurança e defesa. Ainda em Bruxelas, disse: "Temos de garantir que os franceses estão em segurança e erradicar os grupos e os indivíduos responsáveis por estes actos".
Desde os ataques de 11 de Janeiro contra a redacção do jornal satírico Charlie Hebdo e uma mercearia judaica, também por jihadistas (combatentes de uma guerra santa em nome de uma visão radical e distorcida do islão), o Governo francês criou o dispositivo Sentinela que mobilizou dez mil homens para assegurar a protecção de locais considerados sensíveis, a maior parte deles ligados à comunidade judaica. Nesta sexta-feira, os ministérios do Interior e da Energia pediram reforço de vigilância nas zonas industriais consideradas sensíveis.
"Corram, corram"
Na Tunísia, os alvos do terrorismo foram os turistas numa estância turística em El Kantaoui, Sousse. Além de matar 37 pessoas, o atacante feriu 36. Foi identificado como um "estudante" originário do centro do país, da região de Kairouan.
Armado com uma metralhadora Kalashnikov, abriu fogo numa praia usada por dois hotéis, um deles o Imperial Marhaba, de uma cadeia espanhola, eram 11h30 da manhã. Foi morto pela polícia.
Os mortos são sobretudo estrangeiros, avançou o Ministério do Interior tunisino, estando confirmadas as identidades de vítimas belgas, britânicas, alemãs e irlandesas. A irlandesa Elizabeth O’Brien, que estava hospedada no hotel com os dois filhos, disse à estação RTE: "Sinceramente, pensei que era fogo de artifício. Só quando vi as pessoas a correr é que pensei ‘Meu Deus, são tiros’". Os empregados do hotel, contou, gritaram para os hóspedes "corram, corram".
Sousse é um dos principais destinos turísticos da Tunísia, um país que viu este sector entrar em declínio mas não tanto como outros países do Norte de África e Médio Oriente afectado pela instabilidade política e pelo terrorismo desde as chamadas Primaveras Árabes. A Tunísia é considerado o país de sucesso da Primavera Árabe, em que foi derrubado o regime de Zine El Abidine Ben Ali. Porém, há escassos três meses, foi alvo de um primeiro atentado, também contra turistas. No dia 18 de Março, extremistas islâmicos da rede Al-Qaeda mo Magrebe mataram 22 turistas no Museu Bardo de Tunes.
Este atentado, a poucos dias do arranque da época de Verão (a 1 de Julho) num país onde o turismo representa 7% do PIB e emprega directa e indirectamente 400 mil pessoas, vai ter efeitos devastadores na economia do país. Será "uma catástrofe", disse a ministra do Turismo, Selma Elloumi.
EI chega ao Kuwait
O atentado na Tunísia ainda não foi reivindicado. O do Kuwait foi uma operação do Estado Islâmico, que nas redes sociais anunciou este êxito — pela primeira vez, atacou neste país.
Não foi a primeira vez que o EI atacou no Golfo Pérsico. Já fez atentados em mesquitas xiitas na Arábia Saudita, alguns através do grupo filiado Província de Najd — Najd é o nome de uma região da Arábia Saudita que é o bastião do movimento ou seita ultraconservadora salafista. Mas foi a primeira vez que atacou os xiitas do Kuwait, um país onde não ocorria um atentado desde 1983, quando militantes xiitas apoiados pelo Irão, então o maior inimigo do Iraque de Saddam Hussein, mataram, em vários atentados à bomba, 90 pessoas.
Nesta sexta-feira, o EI matou 25 xiitas no Kuwait; há 300 feridos, alguns em estado grave. Os fiéis estavam na oração do meio-dia na mesquita Imam Sadiq, numa zona residencial da Cidade do Kuwait, quando um bombista suicida fez explodir o seu cinto armadilhado. A Iman Sadiq, uma das mais antigas do país, é uma mesquita xiita e os xiitas (minoritários no Kuwait), para o Estados Islâmico, são apóstatas (os que renunciaram à fé).
Ao contrário do que acontece na Arábia Saudita, sunitas e xiitas convivem pacificamente no Kuwait. Nos últimos anos, porém, e à medida que se produziu a ascenção do salafismo, os xiitas começaram a denunciar as pressões por parte dos radicais religiosos. Mas até ao momento não se tinha registado um episódio de violência. A guerra na Síria também está a dividir os kuwaitianos.
"A operação no Kuwait é particularmente perigosa", explicou ao New York Times Riedel, o especialista em contraterrorismo. Porque mostra que o grupo jihadista está à vontade na região onde existem equilíbrios difíceis de manter. "Os outros [países do Golfo] vão ficar muito inquietos".