EUA: o racismo está em toda a parte
O Supremo Tribunal debruçou-se sobre as matrículas automóveis.
No mundo da lei, esse racismo pode constatar-se facilmente na violência policial em relação aos cidadãos negros ou nas brutais percentagens de negros presos, nomeadamente jovens, numa política de encarceração maciça que ultrapassa tudo o que para nós é concebível.
Curiosamente, no passado dia 18, no caso Walker v. Texas Sons of Confederate Veterans, o Supremo Tribunal norte-americano debruçou-se sobre uma questão que ganhou enorme actualidade com os homicídios de Charleston: o uso oficial da bandeira dos Estados Confederados da América, isto é, dos estados secessionistas que defendiam a escravidão e a inferioridade dos negros na Guerra Civil norte-americana (1861-1865).
O Supremo Tribunal teve de decidir se era constitucional ou não, a recusa da criação de matrículas de automóveis com a bandeira confederada. No Texas, desde que haja trezentos proponentes, o Estado passa a vender, depois de aprovar, matrículas com mensagens especiais, seja em texto ou imagem, que vão desde a promoção de áreas turísticas ao amor a cães e gatos.
Uma associação de designados filhos dos veteranos da Confederação, tinha proposto a criação de uma matrícula com a bandeira confederada mas o departamento responsável pela emissão das matrículas recusou o pedido, o que levou o assunto para os tribunais. Na primeira instância, foi dada razão ao departamento em causa mas o tribunal de recurso, decidiu que a proibição era inconstitucional porque violava a liberdade de expressão dos cidadãos que queriam exibir matrículas com aquela mensagem. O caso foi, assim, parar ao Supremo Tribunal.
A questão de fundo era a de se saber se as matrículas constituíam um fórum público onde a liberdade de expressão é matricial e nesse caso o Estado não podia proibir determinadas opiniões, isto é, não podia censurar conteúdos ou se as matrículas eram da responsabilidade do Governo, isto é, se a mensagens aí transmitidas ainda correspondiam a uma actividade expressiva governamental e, nesse caso, o Governo podia só transmitir o que entendesse não estando obrigado a respeitar a liberdade de expressão dos cidadãos no sentido de ter de aceitar todo o tipo de conteúdos.
Para além do enquadramento jurídico de fundo, a discussão oral no Supremo do caso teve momentos reveladores como o facto de, em dado momento, um dos juízes ter perguntado ao advogado da associação dos filhos dos veteranos se o Estado estava obrigado a autorizar, fabricar e vender uma matrícula com a cruz suástica, tendo o advogado respondido que sim e, de seguida, a pergunta colocada foi mais actual e, eventualmente para a sociedade norte-americana, mais contundente: e se trezentos cidadãos propusessem colocar a expressão “Jihad” na matrícula, teria o Estado de autorizar, mandar fabricar e vender essa matrícula? O advogado, coerentemente, disse que sim. Muito provavelmente, essa hipótese terá sido considerada preocupante...
Certo é que decisão do Supremo Tribunal foi muito dividida: cinco juízes consideraram que o Estado do Texas podia constitucionalmente não autorizar as matrículas em causa. As matrículas dos automóveis, na opinião vencedora, ainda eram linguagem do governo e o Estado não podia ser obrigado a transmitir mensagens que não queria – tinha o direito, quando falava, a defender a sua política e a transmitir a sua opinião e não a de terceiros. O precedente invocado foi o caso Pleasant Grove City v. Summum de 2009, em que o Supremo Tribunal considerou que as autoridades de Pleasant Grove City tinham o direito de recusar a colocação de um monumento produzido pela organização religiosa Summun num jardim público – embora já tivessem aceite outros monumentos privados – já que a mensagem transmitida por esse monumento seria entendida como a da autarquia proprietária do jardim.
Os quatro juízes vencidos defenderam, pelo seu lado, que as matrículas constituíam um fórum público em que a liberdade de expressão dos cidadãos não podia ser restringida. Para estes juízes, era evidente que qualquer pessoa que visse uma matrícula automóvel com uma mensagem do tipo “Preferia estar a jogar golfe”, já existente no Texas, nunca pensaria que essa era uma opinião do governo do Texas e o mesmo raciocínio se aplicava quanto à utilização da bandeira confederada.
Parece-me que as matrículas dos automóveis são uma linguagem híbrida – parte governamental e parte privada – pelo que faz sentido que o Estado não se queira associar e promover uma mensagem de que discorda.