Paris! Vamos desinvestir nos combustíveis fósseis?
Há cada vez mais pessoas que acreditam que uma economia descarbonizada promove o desenvolvimento e o emprego.
O seu primeiro livro publicado em 1989, The End of Nature, (traduzido para português no Brasil pela Nova Fronteira) é considerado o primeiro de divulgação sobre alterações climáticas e teve um grande sucesso. Em 2008 fundou, juntamente com outros ativistas, a rede 350.org, presente em 188 países, cujo objetivo é reduzir a concentração atmosférica de dióxido de carbono (CO2), dos atuais 400 ppmv (partes por milhão em volume) para 350 ppmv, valor considerado seguro para evitar uma interferência perigosa sobre o sistema climático.
Bill McKibben é um grande amigo de James Hansen, um climatologista norte-americano de grande prestígio mundial, um dos primeiros a alertar os EUA para os perigos do aquecimento global, e que o aconselha sobre a ciência do clima.
Em 2012, McKibben escreveu um artigo na revista Rolling Stones intitulado Global warming’s terrifying new math que rapidamente se tornou viral. A sua principal mensagem é não ser possível consumir a maior parte das reservas conhecidas e economicamente rentáveis de combustíveis fósseis – carvão, petróleo e gás natural – se quisermos manter o aumento da temperatura média global da atmosfera à superfície abaixo de 2oC, relativamente ao período pré-industrial. Uma afirmação profundamente herética e revolucionária nos EUA. Porém os cálculos de McKibben basearam-se no mais robusto conhecimento científico e foram confirmados no último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, publicado em 2014.
Há uma quantidade limite de CO2 que podemos emitir para a atmosfera até 2050 mantendo uma probabilidade elevada de não ultrapassar 2oC de aumento da temperatura, a que se dá o nome de “orçamento de carbono”. Se nos satisfizermos com uma probabilidade de 66%, o orçamento de carbono é cerca de 1000 Gt (mil milhões de toneladas) de CO2 (note-se que há emissões antropogénicas de outros gases com efeito de estufa, pelo que a probabilidade é efetivamente menor do que o valor indicado).
O problema está em que as atuais reservas de combustíveis fósseis de exploração competitiva do ponto de vista económico correspondem a emissões muito superior a 1000 Gt de CO2. Estas reservas totalizam 1,294 x 1012 barris de petróleo, 1,92 x 1014 m3 de gás natural, 728 Gt de carvão e 276 Gt de lenhite. A sua completa utilização conduziria à emissão 2900 Gt de CO2, valor que é cerca do triplo do orçamento de carbono.
Se considerarmos o total dos recursos conhecidos de combustíveis fósseis que se poderão extrair do subsolo recorrendo às atuais ou a futuras tecnologias, mas cuja exploração não é atualmente competitiva do ponto de vista económico, a sua eventual utilização conduziria à emissão de 11.000 Gt de CO2.
Em resumo, se utilizarmos todas as reservas de combustíveis fósseis que, na atualidade, são conhecidas e economicamente viáveis, o aumento da temperatura média global da atmosfera será superior a 2oC, e atingirá 3oC a 4oC. Ao utilizar o total dos recursos fósseis conhecidos, o aumento da temperatura será superior a 4oC. Se o atual crescimento das emissões globais antropogénicas de todos os gases com efeito de estufa (CO2, metano, óxido nitroso e outros) persistir nas próximas décadas, encaminhamo-nos inexoravelmente para aumentos da temperatura de 5oC a 6oC.
Esta mensagem muito clara, divulgada a partir de 2012 por Bill McKibben e, mais tarde pela rede 350.org, está a ter um enorme eco nas Universidades dos EUA e mais recentemente em algumas Universidades da Europa. Nas primeiras gerou-se um movimento académico entre os estudantes para que as suas universidades desinvestissem nas empresas de combustíveis fósseis, ou mais precisamente, vendessem as ações dessas empresas que fazem parte dos respetivos endowment funds (fundo de doações da universidade).
Na Universidade de Harvard, que possui o maior fundo de doações do mundo, avaliado em 32.000 milhões de dólares, os estudantes propuseram ao reitor a venda das ações de empresas de combustíveis fósseis, após terem realizado um referendo em novembro de 2012 com uma participação de 72%. Em 3 de outubro de 2013, o reitor, Drew Faust, veio justificar através de um comunicado as razões pelas quais não cumpria a decisão dos estudantes.
O processo repetiu-se em muitas outras universidades e gerou alguma controvérsia, abordada num texto de Jeffrey Sachs, um conhecido economista, professor da Universidade de Columbia, Nova Iorque, What is a Moral University in the 21st Century, cuja leitura recomendo. A sua principal tese é que o fundo de doações de uma universidade não deve ser apenas um instrumento económico mas também um instrumento político, sujeito a um enquadramento ético.
Entretanto o movimento de desinvestimento propagou-se, cresceu e em março de 2015 estava ativo em 256 universidades norte-americanas. Ao contrário de Harvard, várias universidades dos EUA aderiram ao compromisso de desinvestimento, tais como Stanford, Washington e Havai.
A atual campanha está a ter um crescimento mais rápido do que as anteriores campanhas de desinvestimento que visaram o apartheid na África do Sul e o consumo de tabaco. Na Europa o movimento tem-se manifestado apenas no Norte, onde já aderiram as universidades de Glasgow, Edimburgo e Bedfordshire, no Reino Unido, e a Universidade Chalmers de Tecnologia, na Suécia. No Sul, a prática de criação de fundos de doações universitários é relativamente rara.
O movimento estudantil de desinvestimento nos EUA está a provocar alguma preocupação nos meios do establishment, ou seja na elite social, económica e política dominante. Stanley Kurtz um conhecido jornalista e escritor norte-americano, num artigo publicado na National Review, considera que nos EUA cerca de metade da geração do milénio (aqueles que atualmente têm entre 18 e 30 anos) estão a afastar-se dos valores do capitalismo e que a campanha estudantil de desinvestimento é um ataque à cultura prevalecente, mais perigoso do que o movimento Occupy Wall Street. Apesar disso, é de opinião que ela será incapaz de influenciar a dependência dos EUA nos combustíveis fósseis, tanto agora como no futuro.
Porém, o facto é que a campanha de desinvestimento está a ganhar terreno. A rede 350.org lançou o projeto gofossilfree.org, que mobilizou 180 instituições agregando um valor de 46.000 milhões de euros, incluindo universidades, instituições religiosas, municípios e empresas para o desinvestimento nos combustíveis fósseis.
O compromisso assumido pela instituição ao aderir ao projeto é vender todas as ações e outros produtos financeiros de investimento que possui nas maiores 200 empresas de combustíveis fósseis, no prazo de cinco anos. Um estudo recente da Universidade de Oxford investiga em que medida a campanha de desinvestimento poderá afetar o valor dos ativos em combustíveis fósseis e quais os horizontes temporais. A principal conclusão é que o impacto é irrelevante na atualidade mas pode tornar-se significativo no futuro.
Entretanto em 13 de junho de 2013, Richard Branson do Virgin Group e Jochen Zeitz do grupo Kering lançaram The B Team (bteam.org), formado por líderes de grandes empresas internacionais, com o propósito de, nas suas empresas, promover os negócios de modo a dar prioridade ao bem-estar das pessoas e à proteção do ambiente. Um dos objetivos mais importantes é realizar a transição para uma economia global sem emissões de gases com efeito de estufa em 2050.
É neste contexto que se vai realizar este ano em Paris a 21.ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, de 30 de novembro a 11 de dezembro. Um dos principais objetivos é estabelecer um acordo global de mitigação que permita não ultrapassar o limiar de 2oC.
É praticamente certo que tal não será possível devido às razões indicadas. De acordo com um artigo de McGlade e Ekins, publicado este ano na revista científica Nature, para não ultrapassar 2oC é necessário não utilizar à escala global, no período de 2010 a 2050, um terço das reservas de petróleo, metade das reservas de gás natural e 80% das reservas de carvão (tudo reservas de exploração economicamente viável).
Os decisores políticos ao mais alto nível irão defender interesses contraditórios em Paris. Por um lado defendem a necessidade de reduzir as emissões, ou seja mitigar, e por outro a continuação da exploração dos combustíveis fósseis que possuem no subsolo. Para os governos, a defesa da hegemonia global (como é o caso dos EUA) ou regional e do poder geoestratégico e económico de cada país é muito mais importante do que a problemática das mudanças do clima. Primeiro nós… depois, todos nós. Se nos limitarmos ao objetivo de não ultrapassar 2oC, a Conferência de Paris será um falhanço, mas esta é uma visão redutora e inadequada.
É necessário um esforço muito maior de investimento nas tecnologias e nas fontes de energia não fóssil, sobretudo energias renováveis, especialmente nos países que dependem fortemente do carvão, como a Índia. É vital perseverar nas negociações e conseguir novos acordos à escala nacional, regional e global que permitam começar a diminuir o mais rapidamente possível as emissões globais de gases com efeito de estufa.
Há cada vez mais pessoas que acreditam que uma economia descarbonizada promove o desenvolvimento e o emprego. Entretanto, terão que se pôr em prática planos de adaptação a nível regional, nacional e local. É necessário que os países mais ricos ajudem os mais vulneráveis a adaptar-se às alterações climáticas. Se a Conferência de Paris conseguir acelerar o ritmo destes movimentos coletivos internacionais, será um sucesso.
Filipe Duarte Santos é professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e autor de vários trabalhos sobre alterações climáticas em Portugal e no mundo.
O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico