“Sí, se puede”: o 15M está prestes a tomar os parlamentos
O primeiro protesto nas Portas do Sol aconteceu sete dias antes das eleições municipais e regionais de 2011. Quatro anos depois, os líderes dos indignados são candidatos e o mapa político do país vai mudar para sempre.
“Eles não nos representam”, disseram centenas de milhares. São “corruptos”, são obscuros, partidos com líderes que saltam dos governos para a banca e da banca para os governos. “Transparência”, pedia-se. “Auditorias”, também. Novos mecanismos que transformassem a democracia, que a abrissem aos cidadãos de uma forma mais directa, que a devolvessem às pessoas.
Depois, puseram as tendas nas mochilas e foram para casa. Alguns sentenciaram a sua morte. Mas eles continuaram vivos, criaram ou recriaram redes de solidariedade nos bairros, obrigaram a um debate sobre uma crise que não era natural, pararam milhares de despejos, juntaram-se em movimentos de defesa da educação e da saúde conhecidos como “marés”. Agora, estão por todo o lado.
Nas eleições do próximo domingo, em todos os municípios do país e nas 13 regiões onde os governos vão a votos, “os líderes do 15M estão em todos os lugares possíveis, são candidatos, são cabeças de lista, são directores de campanha”, diz Antoni Gutiérrez-Rubí, assessor de comunicação, colunista habitual do El País e autor de livros como Tecnopolítica ou La política em tiempos de WhatsApp.
Gutiérrez-Rubí não tem dúvidas. Apesar de vivo, e de jovem, o 15M deixou uma herança que já mudou para sempre a política em Espanha. Uma herança que é a principal marca transversal a todas as eleições que se realizam no domingo, das Astúrias a Valência, em 8000 municípios. Ainda não se sabe qual será o resultado, mas não há dúvida de que “passámos das hipóteses à realidade” e que a mudança é imparável. “Estamos num momento bom, o que aconteceu é muito bonito, eles passaram mesmo das praças às redes e das redes vão chegar aos governos. Disseram ‘sí, se puede’ e era verdade, puderam, podem.”
Regeneração democrática
A legislatura que agora termina já foi a legislatura do 15M, ainda fora da política partidária e executiva. “A agenda política mudou, o 15M provocou uma repolitização da agenda em redor da regeneração democrática, é uma das suas grandes contribuições. Quando surgiu, o bipartidarismo e a opinião pública e publicada estavam congeladas na sua zona de conforto. Agora, vivemos um ambiente geral de protagonismo político da cidadania, a política já não é exclusiva dos políticos e dos partidos tradicionais”, diz Gutiérrez-Rubí.
Há quem defina o 15M como um “estado de ânimo”, “um espírito”, mais do que um movimento. Gutiérrez-Rubí fala num “fertilizador democrático”, graças ao qual apareceram novos meios de comunicação, novas práticas de vigilância política e, claro, novos partidos, do Podemos ao Ciudadanos, o partido que nasceu na Catalunha há nove anos para combater o nacionalismo e que agora surge a disputar eleições por todo o país com um discurso de regeneração política e democrática, apostando numa “mudança tranquila” por oposição à “ruptura” ou “revolução” que diz ser o objectivo do partido de Pablo Iglesias.
Menos relevante do ponto de vista do resultado das eleições legislativas, previstas para o Outono, mas mais fundamental ainda se olharmos para o mapa do país, o 15M deu origem a plataformas de cidadãos que vão eleger candidatos em quase todos os municípios do país, novas opções políticas com formas de funcionamento e de organização diferentes. “Os jovens saíram à rua e subitamente todos os partidos envelheceram”, sentenciou na altura o cartoonista e designer El Roto (Andrés Rábago García).
Plataformas e o Podemos
Muitas destas coligações que nasceram do 15M surgiram antes do Podemos, partido fundado no início de 2014, três meses antes das eleições europeias de Maio do ano passado, quando elegeram cinco deputados para o Parlamento Europeu. Em Dezembro, irrompiam como primeira força nas sondagens nacionais — lugar que, entretanto, já deixaram de ocupar, descendo para terceiro ou quarto, dependendo dos inquéritos, muito flutuantes desde que Partido Popular, Partido Socialista, Podemos e Ciudadanos surgiram todos em empate técnico no início do ano.
Mas o Podemos é o herdeiro directo do movimento e não deixou de se aliar a estas plataformas de cidadãos, apoiando-as. A nível regional, para os governos das comunidades, o partido liderado por Iglesias apresentou os seus próprios candidatos, as suas listas.
Para as cidades, emprestou o seu peso às coligações já existentes, algumas mais próximas do partido, como a Barcelona en Común, que quer conquistar a câmara da capital catalã com a candidata Alda Colau, ex-porta-voz da Plataforma Antidespejos. Outras mais distantes, como é o caso da Ahora Madrid, encabeçada pela ex-juíza Manuela Carmona, que não é membro nem militante do Podemos e que preferia que o partido não existisse, que “fosse um movimento social que pudesse dar lugar a candidaturas cidadãs”, como a sua.
Discutir a democracia
Quinze de Maio de 2015, quarto aniversário do 15M, as praças de muitas cidades de Espanha voltaram a encher-se de gente, de cartazes e de reivindicações. Em Madrid, não houve partidos nem plataformas cidadãs nas Portas do Sol, onde o movimento chegou às 11h e terminou o dia com uma assembleia e gritos de “Sí, se puede”, passava já das 20h.
Lorena tem 22 anos e passou o último ano a trabalhar como voluntária numa creche em Arcos de Valdevez. De regresso a Madrid, vive com os pais e ainda só encontrou trabalho a tomar conta de uma criança. “Enfim, não é bem trabalho, é uma criança, é melhor do que nada.” Lorena cresceu politicamente com o 15M. “Estava aqui na primeira noite”, recorda, olhos castanho-esverdeados muito brilhantes.
A jovem madrilena vê “mudanças”, principalmente no debate. “Discutimos o que é a democracia — isso antes nem se questionava. Houve algumas mudanças, vemos como agora na Andaluzia os socialistas vão ter de ceder para formar governo [venceram em Março com maioria relativa]. Parece pouco, mas se calhar já é muito”, diz Lorena.
O pior é tudo o que falta e “tão fácil” seria introduzir pequenas mudanças concretas. “Eu, que estudei para ser assistente social, tenho de ouvir a Esperanza Aguirre [candidata do PP ao governo da cidade de Madrid] dizer que é preciso tirar os sem-abrigo da rua para não prejudicar o turismo. Dizer isso agora, no Verão, quando já passou o frio e o pior para estas pessoas. E se isso é um problema, o que é que falta para investir em mais centros e dar emprego a pessoas que estudaram o tema, como eu?”
Lorena ainda não tem o voto completamente decidido — como ela, há 43% de eleitores indecisos na região de Madrid. Para a cidade deverá votar na plataforma dirigida por Manuela Carmona, para a comunidade de Madrid ainda não sabe se vota Podemos ou Esquerda Unida.
Uma inquietação
Juan Subirey, analista de sistemas de informática, de 52 anos, muito activo nas assembleias de bairro nos últimos quatro anos, veio ao Sol festejar um movimento que “foi a base para que surgisse uma nova consciência de carácter social, uma inquietação que ainda cresce, um espírito crítico que abanou uma sociedade que estava demasiado descansada”. Antes do 15M, nota Juan, “a democracia estava muito adormecida, era só funcional”.
“Agora, as bases forçaram o surgimento de políticos novos, mais progressistas”, diz Juan. Mesmo se o Podemos, “que nasceu aqui, nos acampamentos”, já desiludiu este indignado de meia-idade. “Querem ganhar, eu percebo. Afastaram-se de alguns grupos que estiveram na sua formação, para dispararem à caça grossa, eu percebo”, afirma, antes de descrever como, a meio da discussão sobre democracia que ocupou parte da tarde de sexta-feira nas Portas do Sol, “uma senhora apelou ao voto no Podemos e foi apupada”.
Em vários bairros da capital, os círculos da coligação Ahora Madrid procuraram associar-se ao aniversário do 15M, mas foi-lhes dito “que podiam vir como cidadãos individuais, não como listas políticas”. Para Juan, que até deve votar em Manuela Carmona, “que não é Podemos”, mas não no partido de Iglesias para a comunidade de Madrid, “a maior força do 15M continua a ser a dos movimentos associativos, que trabalham para resolver problemas concretos, nos bairros”.
Seja como for, o 15M avisou para o que aí vinha: “Tudo o que dizíamos tornou-se real: os bancos, o resgate aos poderosos, os despejos, as pessoas na rua e as casas vazias, de novo à venda”. E, sim, Juan concorda que as eleições de 24 de Maio devem muito ao 15M. Mesmo que “nada se esgote na ida às urnas”.
Da arrogância à humildade
A legislatura que agora termina já foi, “de certa forma, a legislatura do 15M”, diz Gutiérrez-Rubí. Mesmo tendo sido “a legislatura da arrogância”, protagonizada pelos vencedores das municipais e regionais de 22 de Maio de 2011, mas, principalmente, pela maioria absoluta que Mariano Rajoy conquistou em Novembro desse ano.
“A legislatura que agora vai começar, mesmo com todo o tacticismo que os partidos vão manter entre 24 de Maio e as eleições nacionais, vai ser a da humildade”, resume Gutiérrez-Rubí.
Os resultados mostram que vai ser preciso negociar para governar “e isso vai beneficiar os que estiverem mais preparados para ser humildes, para gerar entendimentos maioritários, os que perceberem que quando um eleitor vota está a escolher alguém para o governar, para mudar a sua vida, não para ficar a fazer oposição e bloqueio”.
Os partidos do arco da governação “não estão preparados” para essa procura de consensos, para “passar do debate ideológico ao programático”. Preparados ou não, quando os votos estiverem contados, o mapa político de Espanha terá mudado para sempre.
Nas 50 províncias em que o país se divide, diz Gutiérrez-Rubí, “há 42 que nunca conheceram eleitos de outros partidos para além do PP e do PSOE, passaram 35 anos [de democracia] e estas foram as duas únicas forças políticas que estas pessoas conheceram”. No dia 25, “em quase todas haverá representantes de quatro ou de cinco partidos” e a Espanha que era não volta a ser.