Os elefantes começam a sair da sala. Ou a entrar
A doutrina Obama é liderar com o apoio dos aliados e privilegiar a diplomacia.
Uma sondagem encomendada pelo Washington Post revela que os cubanos gostam mais de Obama e do Papa Francisco do que de Raúl Castro ou mesmo Fidel. Não havia sondagens antes do início do fim da inimizade entre Cuba e os EUA, conseguida pelo Presidente americano em finais do ano passado. É um gesto de enorme simbolismo, que vai permitir aos Estados Unidos encontrar um lugar muito mais confortável na cimeira das Américas que hoje começa no Panamá e na qual Cuba vai participar pela primeira vez. A reconciliação cubana não tem o alcance estratégico do acordo obtido em Lausanne sobre o programa nuclear iraniano. Mas vai mudar muitas coisas. O embargo dos EUA era um resíduo tóxico da Guerra Fria, que acabou por funcionar a favor do regime castrista e servir a retórica populista de vários governos latino-americanos. Agora, seja qual for o caminho para o restabelecimento de relações entre os dois países, os cubanos acreditam que vão chegar melhores tempos. O elefante estava na sala mesmo sem estar presente.
O longo aperto de mão de Obama a Raúl Castro na cerimónia de despedida de Mandela, em Joanesburgo, causou a maior das perplexidades. A explicação acabou por surgir quando os dois Presidentes anunciaram publicamente que estavam dispostos a virar a página. Obama prometeu estender a mão aos inimigos. “Na base do interesse mútuo e do respeito mútuo”. O método utilizado para Havana ou para Teerão foi o mesmo. Garantir secretamente que a outra parte estava interessada num entendimento e aplicar a “diplomacia do telefonema”. Tomou a iniciativa de telefonar a Castro para uma longa conversa. Quando Hassan Rohani, o moderado Presidente iraniano, foi eleito no Verão de 2013, outro telefonema, igualmente inédito, abriu as portas à negociação. Depois dos anos de George W. Bush e do “momento unipolar da América”, o seu sucessor deu garantias suficientes aos seus inimigos de que o seu objectivo não era o “regime change”. As guerras no Iraque e no Afeganistão foram um exemplo de que o poderio militar está longe de resolver tudo. A doutrina Obama é liderar com o apoio dos aliados e privilegiar a diplomacia.
Quando chegou à Casa Branca, Obama tinha duas guerras para acabar, mas tinha, em primeiro lugar, de fazer frente à crise económica brutal que sucedeu ao crash de Wall Street e levou à maior recessão desde a Grande Depressão dos anos 30. Hoje, a economia americana volta a aquecer os motores. De novo, a liderança científica e tecnológica consegue restituir algum brilho à maior economia do mundo.
Foi um erro de cálculo de amigos e de inimigos acreditar que o declínio americano era inevitável. As grandes economias emergentes que acreditaram que tinha chegado a sua hora, voltam as fazer as contas. O Brasil descobriu que o crescimento económico assente no preço das “commodities” não é sustentável. O preço baixou e o modelo de desenvolvimento de Dilma, apoiado no intervencionismo do Estado e no consumo interno, fracassou. Há pouco mais de um ano a Presidente brasileira cancelou uma visita oficial a Washington em protesto contra as escutas da NSA. Percebeu depressa que não tinha sido uma boa ideia e passou os últimos meses a tentar remarcar a visita. Os tempos em que o Brasil de Lula se considerava no topo do mundo já passaram. Sem a presença de Cuba, cabia a Hugo Chávez o papel de acusador-mor dos Estados Unidos, tarefa que desempenhava na perfeição. O estado da economia venezuelana vai obrigar Nicolás Maduro a moderar o discurso e a perder protagonismo. Raul Castro estará presente para compartilhar a ribalta com Obama.
Muitas das críticas feitas à falta de atenção do Presidente aos seus parceiros do hemisfério ocidentais são justas. A América Latina é um continente em paz, em forte contrastes com o resto do mundo, mas tem pela frente o enorme desafio de combater um nível de desigualdade sem paralelo, que só o crescimento permitirá. Hoje, em todos os continentes, as virtualidades do modelo americano são desafiadas pela crescente presença chinesa. A batalha económica é igualmente importante.
Quanto ao Irão, também houve um elefante que teve de sair da sala. O Presidente americano não se deixou ficar refém da retórica israelita sobre o dever americano de garantir a sua segurança segundo os ditames de Telavive. Akiva Eldar, um dos mais reputados analistas israelitas, escrevia no site do Al-Monitor uma análise demolidora para Netanyahu: “Se a declaração conjunta de Lausanne vier a ser um acordo permanente entre as grandes potências e o Irão, temos de tirar o chapéu a Benjamin Netanyahu.” Imagine-se, diz o analista, se o primeiro-ministro israelita tivesse considerado o acordo uma grande vitória para Israel. Hoje no Panamá ficará também provado que o soft power americano, que Bush quase destruiu, ainda tem valor estratégico. Qualquer sondagem aos iranianos demonstra persistentemente a sua admiração pela sociedade americana.