Nigéria indecisa entre mais do mesmo e uma novidade arriscada
O antigo militar Muhammadu Buhari, que liderou o país com mão pesada há 30 anos, pode retirar do poder Goodluck Jonathan, acusado de impotência para travar a corrupção e o Boko Haram.
Marcadas inicialmente para 14 de Fevereiro, as eleições presidenciais e legislativas acabaram por ser adiadas para este sábado, e podem ditar uma mudança inédita na jovem democracia do país – pela primeira vez desde 1999, a oposição tem reais hipóteses de tirar do poder o Partido Popular Democrático, do Presidente Goodluck Jonathan.
Para além da pobreza, da corrupção e das constantes falhas de electricidade que minam todo o país, e da barbárie cometida pelos islamistas do Boko Haram na região Nordeste, o receio dos nigerianos, a curto prazo, é serem arrastados para uma nova onda de violência após o anúncio dos resultados. Afinal, foi isso que aconteceu nas últimas eleições, em 2011, quando mais de 800 pessoas morreram em três dias de motins em 12 cidades do Norte do país.
Muitos têm não só medo de que a história se repita como também de que tudo seja ainda mais dramático, por causa da força que a oposição foi conquistando nos últimos meses e da violência verbal da campanha.
Na sexta-feira, o nigeriano Wale Olatunji, de 31 anos, passou horas numa longa fila na capital, Abuja, para levantar o dinheiro que tinha depositado num banco. "Estou a tirar o meu dinheiro porque não sei o que vai acontecer. Se houver violência, não queremos ser apanhados sem dinheiro nas mãos", disse Olatunji à agência Reuters.
Muitos outros habitantes da capital fizeram fila para comprar comida ou para atestar os seus veículos. Em qualquer dos casos, a ideia é aumentar as hipóteses de escaparem a um banho de sangue que quase ninguém deseja, mas que quase todos receiam.
Oposição promete ordem
Se em 2011 o candidato do Partido Popular Democrático (PPD) venceu com 59% dos votos, desta vez há quem aposte tudo na vitória do antigo militar Muhammadu Buhari, que liderou o país no início da década de 1980, pondo fim ao primeiro Governo eleito desde a independência, 20 anos antes.
É esta a escolha que os nigerianos têm pela frente: de um lado, um Presidente em exercício acusado de nada fazer para estancar a corrupção e a violência dos islamistas do Boko Haram; do outro, um candidato que promete pôr fim a esses dois flagelos, mas que ainda é lembrado pelas flagrantes violações dos direitos humanos durante os 18 meses em que esteve no poder, entre 31 de Dezembro de 1983 e 27 de Agosto de 1985.
Numa campanha eleitoral marcada mais pelos traços de personalidade destes dois rivais do que pela discussão de medidas concretas, os nomes dos outros 12 candidatos ficam escondidos em quase todas as notícias e análises, tanto nos media nigerianos como nos estrangeiros – a luta é entre o cristão Goodluck Jonathan e o seu PPD, e o muçulmano Muhammadu Buhari e a sua improvável coligação de três partidos e uma facção que se juntaram pela primeira vez para mudar o cenário político nigeriano dos últimos 16 anos.
E quem é o favorito? Responde Will Ross, o correspondente da BBC em Lagos, a cidade mais populosa da Nigéria: "Num país em que as sondagens são tão fiáveis como a promessa de um político, é difícil, e até ridículo, prever o resultado."
Para além das eleições presidenciais, os nigerianos vão votar ao mesmo tempo nos futuros deputados da Assembleia Nacional – os da Câmara dos Representantes e os do Senado –, e também neste caso o domínio do PPD de Goodluck Jonathan está a ser posto em causa.
Segundo a lei eleitoral da Nigéria, um candidato a Presidente só é considerado vencedor à primeira volta se obtiver o maior número de votos e pelo menos 25% em dois terços dos 36 estados mais o território da capital federal, Abuja. Se ninguém cumprir estes dois requisitos, será marcada uma segunda volta para o próximo fim-de-semana entre os dois mais votados – o vencedor será o que conquistar o maior número de votos.
Mas não é certo que a comissão de eleições nigeriana tenha capacidade para marcar uma segunda volta em tão pouco tempo, depois de ter adiado a primeira volta por seis semanas.
Essa decisão, tomada a apenas uma semana da data inicial (14 de Fevereiro) foi contestada pela oposição mas também pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido, que foram perdendo a paciência com o aparente desinteresse de Goodluck Jonathan em apressar um acto eleitoral que pode valer-lhe uma derrota histórica.
Ofensiva contra o Boko Haram
O principal argumento para o adiamento das eleições foi a instabilidade no Nordeste, de maioria muçulmana, onde os islamistas do Boko Haram lançaram uma guerra sangrenta pela criação de um califado em 2009 – as estimativas mais conservadoras das organizações internacionais apontam para mais de 13.000 mortos nestes seis anos, cerca de 1000 desde Janeiro.
Apesar das recentes conquistas de território ao Boko Haram, que por estes dias controlam apenas duas cidades no Nordeste do país, o Governo de Goodluck Jonathan não escapa à acusação de que passou anos sem fazer nada, ou muito pouco, para travar o banho de sangue de um grupo temido e desprezado pela esmagadora maioria dos nigerianos, sejam cristãos ou muçulmanos – de acordo com um estudo do grupo norte-americano Pew Research Center, 82% dos nigerianos têm "opiniões desfavoráveis" em relação ao Boko Haram e 72% estão "preocupados" com o extremismo islâmico.
Os críticos do actual Presidente dizem que o adiamento das eleições teve como objectivo ganhar tempo para minimizar as hipóteses de uma derrota – por um lado, lançar uma ofensiva sem precedentes contra o Boko Haram e recuperar o apoio perdido entre os muçulmanos do Nordeste; por outro, desgastar a menos eficiente e menos endinheirada máquina partidária da oposição, que assim teve de aguentar mais seis semanas de uma campanha eleitoral no país mais populoso de África.
Os apoiantes do antigo líder militar Muhammadu Buhari vêem nele o homem que pode devolver ordem à sociedade e músculo às Forças Armadas; por outras palavras, o homem mais bem posicionado para aniquilar a corrupção e o Boko Haram de uma só vez, e "em poucos meses", como ele próprio prometeu durante a campanha.
Buhari, que quando esteve no poder mandava chicotear quem não respeitasse uma fila e obrigava os funcionários que chegassem atrasados ao trabalho a fazer agachamentos à frente dos colegas, garante que tem hoje uma visão diferente sobre os direitos humanos e a liberdade de expressão.
Numa tomada de posição sobre as eleições deste sábado na Nigéria, a revista britânica The Economist coçou a cabeça mas acabou por se pôr ao lado da "mudança" prometida por Muhammadu Buhari ("mudança" é mesmo a palavra-chave da sua campanha, que contou com o envolvimento da empresa do norte-americano David Axelrod, o principal conselheiro de Barack Obama nas eleições que o levaram à Casa Branca em 2008).
"Sentimo-nos aliviados por não termos de votar nestas eleições. Mas se tivéssemos de optar, escolheríamos – a muito custo – Buhari. Jonathan arrisca-se a presidir à fragmentação sangrenta da Nigéria. Se Buhari conseguir salvar a Nigéria, a História até poderá vir a ser bondosa com ele."