De volta à origem

Oracular Spectacular é o lastro visionário deixado pelo desenho de 12 artistas portugueses. É o mundo de regresso às origens de uma inteligência mágica e divinatória.

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Rui Chafes, António Poppe, Daniel Barroca, Alexandre Conefrey, Mattia Denisse, Otelo Fabião, Jorge Feijão, Rui Moreira, Pedro A. H. Paixão, Gonçalo Pena, Paulo Serra e Thierry Simões: o comissário fala numa exposição “mais de sombras do que de luz” Vasco Célio
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Rui Chafes, António Poppe, Daniel Barroca, Alexandre Conefrey, Mattia Denisse, Otelo Fabião, Jorge Feijão, Rui Moreira, Pedro A. H. Paixão, Gonçalo Pena, Paulo Serra e Thierry Simões: o comissário fala numa exposição “mais de sombras do que de luz” Vasco Célio
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Rui Chafes, António Poppe, Daniel Barroca, Alexandre Conefrey, Mattia Denisse, Otelo Fabião, Jorge Feijão, Rui Moreira, Pedro A. H. Paixão, Gonçalo Pena, Paulo Serra e Thierry Simões: o comissário fala numa exposição “mais de sombras do que de luz” Vasco Célio
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Rui Chafes, António Poppe, Daniel Barroca, Alexandre Conefrey, Mattia Denisse, Otelo Fabião, Jorge Feijão, Rui Moreira, Pedro A. H. Paixão, Gonçalo Pena, Paulo Serra e Thierry Simões: o comissário fala numa exposição “mais de sombras do que de luz” Vasco Célio

“O desenho é complexo porque abre espaços e tempos por vezes longínquos e desconexos fazendo-os conviver”, escreveu Nuno Faria num dos textos do catálogo de Para Além da História, continuando: “O desenho articula, vai em profundidade, desvela e revela aquilo que é subterrâneo, que está fora da esfera do visível ou descreve em pormenor cirúrgico a realidade, desrealizando-a.”

Deste ponto de vista, conclui o curador, o desenho deverá ser encarado como uma linguagem ou prática realizada fora dos domínios da temporalidade quotidiana regular. Será, como ele diz, qualquer coisa que “não tem tempo”. Porque, precisamente, é, em si, “demanda pela origem do tempo, o começo”.

São palavras que não se afastam das que escreveu agora para Oracular Spectacular. A começar pelas articuladas neste sedutor e misterioso título roubado ao álbum homónimo dos MGMT – uma tentativa de aproximação ao carácter divinatório do desenho, “tributário, por um lado, da rapidez, leveza e intuição, e, por outro lado, da minúcia, qualidade de pormenorização e de ordenação”.    

Havia um desafio auto-imposto: “Revelar o modo particular como, num conjunto amplo de universos autorais, se formula o momento antes de mostrar, antes de fixar a forma ou a figura.” Neste sentido, tratava-se de fazer o público aceder “ao círculo que delimita o território interdito do ritual, o espaço do sagrado e do segredo do fazer artístico do qual o desenho participa”, diz Nuno Faria.

Aparições, fantasmas, esconjurações, ocultações, corpos sem forma e formas sem corpo, cantos orações e meditações, o ar e a terra, entidades humanas, vegetais e animais, tudo em contínuo, num mesmo plano de significação, com distintas camadas temporais e semânticas a encontrarem-se, a justaporem-se e fundirem-se – a linguagem de Oracular Spectacular é a da metafísica, do mito. Com o desenho a surgir como uma espécie de manifestação presciente das energias mais irracionais e arcaicas do mundo.

“Arcaicas”. Que é como quem diz próximas da arché. Ou seja, próximas da origem, do começo, do princípio.

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Oracular Spectacular é uma tentativa de aproximação ao carácter divinatório do desenho, tributário tanto da leveza e da intuição como da minúcia e da ordenação Vasco Célio

Primevo
Segundo muitas cosmogonias antigas, no princípio era o caos – o caos foi a a condição primordial da qual tudo o resto nasceu. E é com a sugestão desse negro – um negro pulsante, porque prenho de formas por vir – que nos confrontamos em muitas das obras que compõem esta exposição.

Rui Chafes, António Poppe, Daniel Barroca, Alexandre Conefrey, Mattia Denisse, Otelo Fabião, Jorge Feijão, Rui Moreira, Pedro A. H. Paixão, Gonçalo Pena, Paulo Serra e Thierry Simões: Nuno Faria fala numa exposição “mais de sombras do que de luz” – são nomes na sua maioria a operarem de forma quase subterrânea, afastados dos circuitos de maior visibilidade. E, apesar das por vezes profundas diferenças autorais que os distinguem, as práticas de todos eles parecem assumir um princípio de fundo: que toda a ordem nasce do caos. Ou, melhor: que a pulsão do caos é o princípio fundador de toda a ordem, permanecendo essencial tanto à manutenção desta como à continuidade do universo.

Dizer isto é assumir que qualquer ordem, na sua essência, será sempre imperfeita, porque limitada e em tensão permanente face à imagem do abismo que é a ameaça da sua implosão. Donde que a ordem, qualquer ordem, viva da constante negociação com a profundidade desse abismo habitado pelas imagens das forças da desordem.

Não por acaso, várias obras se insinuam como altares ou arenas habitadas por oferendas, ex-votos ou figuras semi-totémicas, nem homens, nem deuses, nem plantas, nem animais – talvez guardiões da ligação entre o sagrado e o profano

Nas religiões mais antigas, estas arenas – palcos para a encenação de ligações entre mundos – são designadas terreiros. É nos terreiros que, uma e outra vez, alguns homens – só alguns – ensaiam idas e vindas entre planos, conhecedores e portadores tanto das mensagens mais positivistas dos seus pares quanto das meta-narrativas mais misteriosas do universo.

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Vasco Célio

A esses homens cabe a revelação das coisas como são. São eles que observam e tentam ordenar as imagens transmitidas pelo pulsar do indizível. O tipo de imagens que é convocado em muitos dos trabalhos de Oracular Spectacular.

“Dar a ver, revelar, prever, trazer para o campo do visível as forças do invisível, registar, qual sismógrafo, as variações energéticas e as ínfimas alterações ou intensidades das coisas e dos corpos, projectar aquilo que ainda não existe, parece ter sido desde tempos imemoriais o papel do desenho”, diz Nuno Faria.

Na sua exposição, o desenho é visto não como prática disciplinar em sentido estrito ou como categoria estável. Declina-se em objectos, filmes… É, aliás, num filme e numa escultura que o “lastro visionário” da exposição mais claramente se revela. Evocando Da Memória e da Reminiscência, de Aristóteles, Pedro A. H. Paixão, com quem Nuno Faria vem trabalhando desde há muitos anos, propõe-nos um fluxo de imagens em que passado e presente nos são sugeridos como um só. Ou, antes, em que passado e presente irrompem continuamente de dentro um do outro.

Em 2007 e 2008, Pedro Paixão filmou os caretos de Podence, durante os rituais milenares de transição das festas dos rapazes, em Trás-os-Montes. De fontes como a Biblioteca do Congresso, em Washington, recolheu fotografias etnológicas de vários tipos, por exemplo, de tribos índias norte-americanas. No seu filme, imagem fixa e imagem em movimento cruzam-se continuamente como respiração de uma espécie de contramundo em que a coluna vertebral da História abandona qualquer linearidade, dobrando-se sobre si mesma.

Estamos longe das necessidades ordenadoras do mundo de herança modernista. Ancoramo-nos, aqui, numa lógica não de comunicação visual mas de magia visual. Com a metafísica a surgir como âncora de um mundo situado aquém ou além dos primados da ordem e da transparência de cariz iluminista. 

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VASCO CÉLIO
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VASCO CÉLIO

É nesses domínios que se inscreve a obra de Otelo Fabião. Num dos pisos do museu, o artista tem uma pequena escultura feita de madeira e barro. Um pedaço de barro amassado a servir de base a um pedaço de madeira carcomida e semi-gravada com formas vegetais. Há qualquer coisa de primevo nesta presença, não distante da energia dos milhares de peças de origem africana que compõem a colecção de José de Guimarães no acervo do museu.

Não é uma citação, nem uma cópia ou um revivalismo. É mais uma ressureição de formas. Uma espécie de arqueologia. É, de facto, voltar a deixar reemergir o que temos de mais arcaico.

Arcaico é o que se relaciona com a arché, a origem. E a origem, já sabemos, está presente em todos os momentos de todas as coisas. Até porque todas as coisas são diferenciações de uma mesma coisa e são a mesma coisa. E isto é evidente.

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