Salgado passou "da fuga para a frente para a ilegalidade"

Faria de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Bancos, foi ouvido na Comissão de Inquérito Parlamentar ao colapso do GES/BES.

Foto
Faria de Oliveira Miguel Manso

Num depoimento de quatro horas sobre os acontecimentos que levaram a intervenção estatal no que foi o segundo maior banco português, o ex-presidente da CGD revelou que o sector só soube da decisão de resolução do BES a 2 de Agosto numa reunião com o governador do BdP, Carlos Costa. E que não foi dada qualquer possibilidade à APB de poder intervir no processo de salvamento do BES dando sugestões, pois a decisão estava tomada: o fundo resolução foi-lhe apresentado como "um facto consumado".  

Faria de Oliveira avançou que o encontro com Carlos Costa decorreu a pedido da APB, e depois de terem saído várias notícias na comunicação social dando conta de uma possível intervenção no BES. Referiu ainda que na presença dos representantes da CGD, do BCP e do BPI, bem como do próprio Faria de Oliveira, o governador do BdP explicou que o BES perdera o estatuto de contraparte do BCE e estava sem liquidez, logo insolvente.

O presidente da APB admite que a medida de resolução permitiu assegurar a estabilidade do sector financeiro e evitar o efeito sistémico, ainda que seja injusta para o resto do sector que terá de suportar os custos da intervenção no BES. E defende que o colapso do BES afectou a credibilidade e a imagem do sistema financeiro português.

"O dr. Ricardo Salgado era um líder forte e considerado", explicou Faria de Oliveira, para quem o ex-banqueiro era uma voz "respeitada nacional e internacionalmente" e o rosto de uma instituição credível com um modelo de negócio eficiente.

O presidente da APB revelou que o primeiro choque com Ricardo Salgado surgiu "a propósito da liberalidade" que este recebeu do construtor José Guilherme.

Inquirido pela deputada do PP Teresa Anjinho sobre se o tema da liberalidade não era suficiente para o BdP retirar a idoneidade ao ex-banqueiro, Faria disse: "Só o BdP pode avaliar" o que se passou. O mesmo argumento foi usado para responder à pergunta seguinte da mesma deputada: E tem a mesma opinião "sabendo que o BdP já tinha conhecimento da ocultação do passivo (6000 milhões)" da ESI?  

Faria observou que desde Abril de 2014 deixou de ter contactos regulares com Ricardo Salgado, pois este passou a fazer-se representar nas reuniões da APB pelo ex-administrador António Souto. Mas que gostaria de saber como foi possível a "fuga para a frente" até a falência.

"A impensável e deplorável crise do BES teve efeitos imediatos que se traduziram em danos de imagem e de reputação para o sector e para o país",  considerou ainda Faria de Oliveira. Ainda assim "é necessário separar o trigo do joio", acrescentou.

Para o presidente da APB, teria sido preferível salvar o BES com recurso à linha estatal de recapitalização da banca, como fizeram "com sucesso" o BCP, o BPI e o Banif. E conta o que a 2 de Agosto ouviu de Carlos Costa: "Foi-nos dito que o recurso à recapitalização tinha que cumprir alguns pontos. E que não era uma decisão apenas do Banco de Portugal."  

Faria de Oliveira evocou que na reunião do dia 2 de Agosto, no BdP, Carlos Costa informou que o BES não tinha pedido o acesso à linha pública de recapitalização, até por não estarem reunidos todos os critérios. E observou que a decisão de autorizar o recurso aos fundos da troika também não dependia apenas do supervisor. Na sequência, o ex-presidente da CGD relatou que, nesse mesmo dia, véspera da intervenção no BES, os representantes da APB pediram para serem recebidos pela ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque. E que a ministra explicou as razões que levaram o Governo a não equacionar salvar o BES via linha da troika e a intervir através do Fundo de Resolução. 

Faria de Oliveira reconhece que a decisão de mobilizar o Fundo de Resolução acabou por garantir a estabilidade do sector. Os casos BES, BPN e BPP, "sobretudo em dois deles", podem ter tido "causas na crise financeira", mas não deixam de ter por base a "má gestão", questões do foro "ético" e "comportamentos pessoais" que afectaram a credibilidade do sistema financeiro. Faria de Oliveira defende que a "idoneidade, a ética e a honra" devem orientar a acção de um banqueiro.

Faria acrescentou que Ricardo Salgado "foi dando saltos para a frente até entrar no domínio da ilegalidade", na expectativa de que podia resolver os problemas.

Sugerir correcção
Comentar