Passos admite, mas minimiza, problemas nas declarações de IRS

As dívidas à Segurança Social ficaram para trás no discurso desta terça-feira. O primeiro-ministro preferiu preparar o terreno para eventuais problemas futuros, confirmando que a sua relação com o fisco nem sempre foi perfeita.

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Passos Coelho antecipou esta terça-feira, publicamente, parte da resposta a uma pergunta que lhe foi dirigida pelo PÚBLICO, por escrito, na véspera. Enric Vives-Rubio

Confirma ou desmente que entre 2002 e 2007 foi alvo de pelo menos cinco processos de contraordenação e de execução fiscal motivados pelo incumprimento das suas obrigações fiscais? Esta foi, em síntese, a pergunta enviada ao gabinete do primeiro-ministro esta segunda-feira. 

Falando no fecho das jornadas parlamentares do PSD, no Porto, o primeiro-ministro entendeu preparar os deputados social-democratas para eventuais revelações sobre o seu cadastro fiscal que possam vir a mostrar-se incómodas para o partido em ano eleitoral. Até ao final desta terça-feira a pergunta do PÚBLICO de segunda-feira, e outras que lhe foram enviadas esta terça-feira, continuava, porém, sem resposta.

“Quem quiser remexer na minha vida para encontrar episódios desses não precisa de tanto trabalho, nem de quebrar deveres de sigilo. Pode ter a certeza de que eu, muitas vezes na minha vida, ou me atrasei, ou entreguei na altura em que o Estado me exigiu aquilo que me era exigido.” Esta foi uma das primeiras frases de um trecho de quase dez minutos da sua intervenção em que falou sobre esta questão. “Ninguém com certeza esperará que eu seja um cidadão perfeito”, afirmou, antes de informar os deputados de que teve conhecimento, segunda-feira, de que “há pelo menos um jornal” que quer divulgar aspectos da sua vida fiscal, “comuns de resto a muitos milhares de portugueses, apenas com o propósito de querer sugerir que somos todos iguais”.

Passos Coelho relacionou depois a pergunta do jornal, que não identificou, com os processos disciplinares recentemente instaurados a “gente” da administração tributária que, afirmou, “pretendeu conhecer detalhes” da sua carreira fiscal fora do âmbito das suas obrigações profissionais. O primeiro-ministro prosseguiu, no meio de aplausos dos deputados, lendo parte da pergunta do PÚBLICO. No entanto, restringiu a leitura e os seus comentários ao aspecto da apresentação de declarações fiscais fora de prazo e à frequência com que esse tipo de infracção é praticada pelos portugueses.

A pergunta do PÚBLICO, que foi logo a seguir à sua intervenção desdobrada e concretizada em cinco novas interrogações enviadas para os seus assessores, ia porém mais longe e referia-se não apenas a processos de contraordenação, mas igualmente a processos de execução fiscal. Estes processos, pelos valores que envolvem, não podem ter origem apenas em atrasos na entrega das declarações. As situações objecto das perguntas referem-se aos anos de 2003, 2004 (duas), 2006 e 2007 e já foram alvo de referências públicas, nunca esclarecidas, em 2011, antes das últimas eleições legislativas.

Ao longo da tarde e ao princípio da noite desta terça-feira, o PÚBLICO insistiu repetidamente com o gabinete do primeiro-ministro, com o objectivo de obter resposta às perguntas feitas, mas apenas recebeu a confirmação de que elas tinham sido recebidas.

Na sua intervenção, Passos Coelho não se referiu ao caso das dívidas que acumulou junto da Segurança Social entre 1999 e 2004 e não prestou qualquer esclarecimento sobre os novos dados, ontem avançados pelo PÚBLICO, acerca do facto de a dívida por ele paga no mês passado (2880 euros) corresponder a pouco mais de metade da dívida que acumulou (5016 euros).

Vídeo do Congresso do PSD
Nesta terça-feira à tarde circulou nas redes sociais um vídeo do Congresso do PSD de Fevereiro de 2014 em que Passos Coelho afirma: “Há muitos que deviam pagar os seus impostos e não pagam. Porquê? Porque não declaram as suas actividades. Ora nós temos obrigação de corrigir estas injustiças. Não há nada mais social-democrata do que isso, porque aquilo que devia orientar um princípio de social-democracia é a igualdade de oportunidades. Não é o privilégio, mesmo o pequeno privilégio. Se há quem se ponha de fora das suas obrigações para com a sociedade, sendo muito ou pouco, esse alguém está a ser um ónus importante para todos os outros que têm um fardo maior.”

No seu discurso no encerramento das jornadas parlamentares, Passos Coelho atribui as notícias sobre a sua dívida à Segurança Social ao “desespero” em “certas áreas políticas” daqueles que estão a gora a perceber que as legislativas, afinal, “podem não ser um passeio”. O presidente do PSD defendeu-se do que considera ser “chicana política” e garantiu que nunca teve um tratamento diferenciado face aos restantes cidadãos.

“Afinal as sondagens não estão a revelar o que se esperava e as eleições podem não ser um passeio. E à medida que isso se torna mais claro verificamos que a discussão se vai descentrando do foco político para o foco pessoal”, começou por afirmar Passos Coelho, frisando que ele e a família estão “preparados” para enfrentar “todo esse debate político” do ano eleitoral. 

“Quero dizer não sou um cidadão perfeito, tenho as minhas imperfeições. Em consciência cumpri sempre aquelas que achei que eram as minhas obrigações. Mas se algum dia me chamaram a atenção para elas corrigi imediatamente”, acrescentou.

“Não tenho nenhuma dívida ao fisco”, sublinhou o chefe de Governo, acrescentando não retirar qualquer benefício pessoal do cargo que ocupa. “Não encontrarão alguém que tenha usado o lugar para enriquecer, prestar favores ou viver fora das minhas possibilidades”, afirmou. “Quando eu sair de primeiro-ministro, quando os portugueses entenderem, voltarei à minha vida normal, pagando os empréstimos ao banco, a tratar da família, a viver das minhas posses que não são muito diferentes, para não dizer menores do que aquelas que tinha quando iniciei funções”.

Num discurso muito pontuado por palmas e com algumas exclamações — “muito bem” — da plateia, Passos Coelho garantiu que não beneficiou, com as suas decisões, grupos maiores ou mais pequenos, nem andou a “traficar influências” nem a “pressionar jornalistas para que certas notícias apareçam ou não apareçam”.

Assumindo que preferia centrar o debate na política, o líder social-democrata justificou “alguma chicana política” com o “pouco” que os seus “adversários têm para oferecer”. E garantiu que não vai ceder a pressões: “Não será sob pressão nem ameaças dessa natureza que deixarei de fazer aquilo que o meu dever de consciência mandar”.

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