Justiça dos EUA conclui que as práticas da polícia de Ferguson são racistas

Os negros constituem 67% da população da cidade do Missouri onde o adolescente Michael Brown foi morto, mas são 93% de todos os detidos.

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Manifestação em Webster Grove, outra cidade do Missouri Jim Young/Reuters

A investigação envolveu centenas de entrevistas e a revisão de mais de 35 mil documentos e relatórios da polícia. E-mails escritos por agentes e por responsáveis de tribunais municipais fazem parte dos documentos revistos: num e-mail pode ler-se que Barack Obama não será Presidente por muito tempo porque “nenhum negro aguenta um trabalho estável durante quatro anos”.

O relatório não vai identificar quem enviou ou recebeu este outros e-mails — as piadas racistas são aparentemente comuns nestas mensagens trocadas entre os responsáveis desta cidade de maioria negra e governo e polícia maioritariamente brancos.

Ferguson tem 67% de negros, mas estes representam 93% de todas as detenções realizadas entre 2012 e 2014. Em 88% dos casos em que a polícia usou violência excessiva, uma prática frequente, o alvo foram negros, que têm 68% menos probabilidades do que um branco de verem os seus casos arquivados por um juiz municipal. Entre Outubro de 2012 e Outubro de 2014, 96% das pessoas detidas durante operações stop eram afro-americanas.

Os números continuam. Entre Abril e Setembro do ano passado, 95% das pessoas detidas na cadeia municipal eram negras e são estas os alvos da “esmagadora” maioria das acusações por delitos menores: 95% dos acusados por “forma de andar na rua”; 94% dos acusados por “incumprimento de ordens” e 92% das pessoas citadas por “acusações de perturbação da paz”.

Discriminação e lucro
A investigação conclui que o comportamento da polícia e as práticas dos tribunais violam constantemente a Constituição e a lei federal. Para além da discriminação racial, isto acontece porque as políticas em vigor se focam em gerar lucro.

Enquanto o relatório não é oficialmente divulgado, o Departamento da Justiça e o Departamento da Polícia de Ferguson estão a negociar um acordo para que as práticas dos agentes na cidade sofram alterações profundas. Se não for alcançado um acordo, o Departamento da Justiça pode decidir processar esta polícia municipal, como já aconteceu no passado com outras polícias.

Nos últimos cinco anos, o Departamento abriu 20 investigações a polícias, mais do dobro do que aconteceu nos cinco anos anteriores; em 15 casos chegou-se a um entendimento.

Neste processo, os investigadores passaram 100 dias em Ferguson, observando as práticas da polícia e dos tribunais, analisando dados sobre as operações de trânsito, as buscas e detenções, e entrevistando tanto os chefes da polícia como responsáveis do município e associações de vizinhança.

Protestos nacionais
Os protestos populares que se seguiram à morte de Michael Brown, de 18 anos, regressaram em Novembro, quando um júri decidiu não indiciar o polícia que o baleou. Darren Wilson, o agente de 28 anos que matou Brown, demitiu-se logo depois desta decisão.

Os resultados da investigação aberta no início de Setembro vão ser divulgados em breve — segundo o jornal Washington Post, podem ser publicados já nesta quarta-feira. O attorney-general (equivalente a ministro da Justiça) Eric Holder prometeu que as conclusões do inquérito seriam divulgadas antes de deixar o cargo, o que deverá acontecer nas próximas duas semanas.

A morte de Michael Brown, desarmado, provocou uma indignação nacional contra o comportamento da polícia e houve manifestações, marchas e vigílias em ruas e praças de muitas cidades norte-americanas, incluindo Nova Iorque e Washington. Muitos protestos foram pacíficos mas alguns terminaram com violência, incluindo vários em Ferguson, onde houve confrontos com a polícia e pilhagens.

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