A Colômbia por detrás da Colômbia
A mais importante feira ibérica de arte contemporânea, a Arco, abriu esta terça-feira em Madrid com a Colômbia como país convidado. É um país que “tem muitas coisas feias escondidas” – mas tem também uma cena artística efervescente.
Mais concretamente, estamos nas traseiras do stand da Valenzuela Klenner, uma das dez galerias que compõem a participação especial da Colômbia como país convidado da 34.ª edição da Arco. Edison Quiñones, de 36 anos, é um dos artistas desta galeria. Não foi um dos seleccionados para expor em Madrid, mas decidiu vir: pagou a sua viagem, arranjou cama em casa de conhecidos e infiltrou-se na feira, apresentando-se aqui atrás, nesta terra de ninguém onde se esconde, como ele diz, “tudo o que é feio”.
“Este pátio é feio, mas faz sentido para mim, porque a Colômbia também tem muitas coisas feias escondidas”, diz-nos junto à obra com que decidiu apresentar-se em Espanha: uma sequência de estridentes pendões multicoloridos.
É uma linguagem que vem das ruas: na Colômbia, pendões fluorescentes como estes estão por todo o lado a anunciar a venda de minutos de conversação em redes móveis. Ele alterou-os, fazendo-os agora anunciar os valores de venda de marijuana, cocaína, heroína e basuco, o crack deste país da América Latina.
Quiñones é de Popayán, uma pequena cidade conhecida sobretudo pelas suas celebrações da Semana Santa. Fica a cerca de três horas de Cali, a nova capital das artes colombianas, juntamente com Bogotá e Medellín. Nestas cidades até há pouco temidas por todos os visitantes internacionais devido ao elevadíssimo número de raptos e assassinatos ligados ao narcotráfico começam agora a passear-se rotineiramente coleccionadores e curadores de arte contemporânea de todo o mundo.
“A Colômbia é agora tida como uma sociedade pós-conflito, em processo de legalização das drogas que deram origem a todos os problemas das últimas décadas. Mas o que é que isso vai querer dizer para a população comum?”, questiona o artista. “A minha obra fala daquilo que eu vivo quotidianamente. É a voz da periferia. Acho que não corresponde à imagem da Colômbia que se quer dar aqui, na Arco.”
Que imagem é essa? A de um país que também é real: uma Colômbia onde se vive um boom criativo e de mercado para as artes.
“Chegar aqui foi um grande esforço”, diz-nos Mariana Garcés, a ministra da Cultura colombiana. Garcés refere-se à Arco, na qual o Estado investiu directamente cerca de 700 mil euros – o que pode parecer pouco, mas corresponde a 2 mil milhões de pesos (e houve depois o apoio de câmaras de comércio e privados). Mas Garcés refere-se também ao caminho percorrido pelo país ao longo dos últimos dez anos.
Entre a Arco e as 20 exposições e 50 espectáculos e actividades de vários tipos espalhados por toda a cidade, as iniciativas ligadas à presença da Colômbia como país convidado da feira de arte contemporânea de Madrid compõem a maior mostra dedicada à arte colombiana alguma vez feita no estrangeiro. Para muitas, quando não para a maioria das galerias nacionais com stand na Arco, esta é mesmo a sua primeira apresentação internacional.
“Decidimos apoiar este esforço porque acreditamos que é através dos nossos artistas que podemos começar a apresentar a Colômbia como realidade diferente daquela que tradicionalmente nos é atribuída”, reconhece Garcés. Mas a expectativa face às artes não passa apenas pela gestão da imagem do país: “Os artistas estão muito comprometidos com o processo de paz e nós [no Governo] acreditamos que a Cultura é a oportunidade de reparar o tecido social golpeado pela violência. Acreditamos que ao apostar na Cultura contribuímos para o fim dessa realidade de violência.”
Nas artes plásticas o motor financeiro é, sobretudo, o coleccionismo emergente, não necessariamente correspondente às fortunas tradicionais, mas em crescimento aceleradíssimo, diz-nos a directora da Feira Internacional de Arte Contemporânea de Bogotá, María Paz Gaviria. Filha do ex-presidente César Gaviria Trujillo, María Paz tinha seis anos quando o pai tomou posse em 1990. Hoje tem 31. E desmonta a ideia de que o boom das artes colombianas data dos últimos três a cinco anos. “A Colômbia está, de facto, num momento muito efervescente, em todos os sentidos. Mas é um fenómeno que já tem algum tempo. O que acontece é que este momento é de grande visibilidade internacional.”
E isso, claro, potencia tudo. Na sua última edição a feira de arte contemporânea de Bogotá teve 31 mil visitantes, o que correspondeu a um crescimento de 25% do público face à anterior edição. A feira não divulga o seu volume de negócios, mas, segundo a sua directora, o número de galerias a querer participar é um indicador e “tem crescido exponencialmente”: 66 galerias na última edição mais 14 projectos especiais, com 85% da totalidade a corresponder a presenças internacionais.
A actualidade não repara o passado, ressalva Jaime Cerón, responsável por toda a programação colombiana paralela à Arco. Nesse passado, que data de finais de década de 1990, aconteceu, por exemplo, que instituições como a Fundação Daros, de Zurique, a Tate, de Londres, ou o MoMA, de Nova Iorque, tenham comprado por muito pouco dinheiro algumas das mais importantes obras da arte colombiana dos anos 1970 em diante. “Hoje, não é possível ver no país muitas obras de referência”, diz este historiador de arte, consultor do Governo. Felizmente, ressalva, a adversidade dos contextos nacionais não conseguiu cortar com aquela que aponta como a principal linha de continuidade na arte do seu país: um olhar crítico face aos poderes instituídos. Um olhar muitas vezes orientado para o humor.
Outra característica visível: a preponderância do desenho – a disciplina que se ensinou na primeira escola de artes do país, fundada no século XVIII para formar profissionais para a grande expedição botânica da coroa espanhola às suas colónias. Até aos anos 1980 um aluno de Artes colombiano tinha até 20 horas de aulas de Desenho semanais. “E também é preciso pensar na realidade do terceiro mundo, que é o que é a Colômbia: para o desenho é preciso apenas um lápis e papel”, sublinha Cerón.
Lápis e papel ou um marcador de tinta invisível e uma lanterna de luz ultravioleta. Nas reservas da sua galeria, a Jenny Vilá, apresenta-se Ricardo Léon, um jovem artista colombiano radicado em Paris. E, uma vez mais, o que é feio está escondido: é preciso apontar uma pequena lanterna a folhas de cartolina aparentemente vazias para ver surgir os seus trabalhos de crítica institucional assombrados pelos fantasmas deixados pelos anos de violência na Colômbia: os conservadores de museus e galerias que este artista retrata a empacotar e desempacotar obras de arte surgem vestidos como agentes de brigadas antibombas ou acompanhados pelos cães normalmente utilizados pelas equipas de luta contra o narcotráfico.
A jornalista viajou a convite da TourEspaña