Morreu Clark Terry, músico lendário
Clark Terry, lendário trompetista norte-americano que tocou nas bandas de Duke Ellington e Count Basie, morreu no passado sábado aos 94 anos. Um dos músicos de jazz mais gravados de sempre, compositor e educador, participou em discos de Billie Holiday, Ella Fitzgerald ou Quincy Jones, tendo integrado recentemente a banda do reputado The Tonight Show.
Clark Terry, que morreu neste sábado aos 94 anos, era uma das últimas grandes lendas do jazz. Tornara-se conhecido não apenas pelo seu virtuosismo ou por possuir um tom de trompete puro que muitos apontavam como representando a própria essência do jazz, mas também pela enorme generosidade e alegria que colocava em tudo o que fazia, fosse uma actuação, uma aula ou uma simples conversa.
Tinha uma personalidade luminosa que o tornou um dos músicos de jazz mais requisitados de sempre, tendo participado em mais de 900 sessões de gravação e conquistado inúmeros prémios, entre eles um Grammy pela sua carreira ou a prestigiada distinção de cavaleiro das Artes e Letras, concedida pelo Governo francês.
Numa carreira notável que atravessou sete décadas da história do jazz, destaca-se o papel determinante que teve nas duas orquestras de jazz mais famosas e prestigiadas da história, as de Duke Ellington e Count Basie, e a colaboração com inúmeras outras figuras de topo como Louis Armstrong, Billie Holiday, Ella Fitzgerald, Gerry Mulligan, Quincy Jones, Sonny Rollins, Thelonious Monk, Ornette Coleman, Aretha Franklin, Charles Mingus, Cecil Taylor, Dizzy Gillespie ou Ray Charles. Terry foi ainda um dos principais mentores de outra lenda do trompete, Miles Davis, o qual, cada vez que comprava um novo trompete, o entregava a Terry para fazer afinações das quais dizia serem "mágicas".
Para lá do seu papel como músico, o trompetista tornou-se ao longo dos anos um dos mais influentes educadores no jazz, realizando workshops e masterclasses em muitos dos mais importantes colégios e universidades norte-americanas, e ocupando ainda o lugar de professor adjunto na William Paterson University, em New Jersey.
Em entrevista afirmou que uma das principais motivações para ensinar vinha da sua própria experiência como jovem músico, nomeadamente de ocasiões em que trabalhara com músicos mais velhos que se sentiam ameaçados pelo "jovem talento", ocultando técnicas e métodos de dedilhação e induzindo em erro os jovens que procuravam conselhos técnicos. O trompetista acabaria por ser reconhecido por fazer exactamente o contrário.
"O melhor do mundo"
Nascido em 1920 no Sul dos Estados Unidos, em Saint Louis, Missouri, no seio de uma família numerosa (tinha dez irmãos), Clark Terry começou a tocar ainda jovem. Após uma passagem pela banda da M;arinha, durante a Segunda Grande Guerra, o trompetista progrediu através das orquestras mais populares do seu tempo, incluindo as de Lionel Hampton, Charlie Barnet ou Count Basie, tendo integrado esta última de 1948 a 1951, conquistando uma reputação de virtuosismo, rigor e sofisticação.
Foi então que Duke Ellington ouviu falar de Terry através de Charlie Barnet, para o qual o trompetista era "o melhor do mundo". Incentivado por Barnet e tendo na altura um lugar vago na orquestra, decidiu então "roubar" o jovem Terry a Basie (o trompetista confessaria posteriormente que o seu maior arrependimento na vida fora ter mentido a Basie ao abandonar a orquestra para se juntar a Ellington). E o resto é História.
A orquestra de Ellington era a mais inventiva e sofisticada da altura, e o facto de integrar esta superorganização musical deu a Terry as ferramentas para se tornar um poderoso solista, tendo contribuído muito para os importantes avanços que se deram na técnica do instrumento, particularmente do flugelhorn, um trompete um pouco maior do que o habitual, com um som mais grave e doce. Tornaram-se lendárias as suas actuações com a orquestra em momentos como o Newport Jazz Festival de 1956 ou em gravações como a de Such Sweet Thunder.
O trompetista abandona a orquestra de Ellington em 1959, mantendo uma actividade intensa com os seus próprios projectos e colaborações, e passando a integrar a cadeia NBC como músico de estúdio, o que o levaria mais tarde a ser o primeiro músico negro a ser admitido na banda do The Tonight Show.
No início dos anos 60 reforça conhecimentos como entertainer e adopta um estilo que conquista audiências cada vez maiores. É nessa altura que grava Mumbles, com o trio de Oscar Peterson (Terry refere que Peterson quase caiu do piano de tanto rir), tema que se viria a tornar na sua própria alcunha e um dos ex libris do seu repertório.
Ao falar de Terry e do seu estilo, os estudiosos do jazz referem unanimemente que o principal factor que fez do trompetista uma das grandes vozes do jazz foi a sua versatilidade – o facto de se adaptar tão facilmente a formatos que vão da big band ao pequeno combo, passando por formações com voz, outro dos contextos em que Terry se tornou um músico de excepção. Nos seus próprios projectos, o trompetista revela-se também um líder carismático, entusiástico e inspirador, marcando frequentemente em voz alta o início de cada novo tema com: "One, two, you know what to do."