Clientes estrangeiros pressionam produtores de frutas e legumes a aumentar produção
Portugal depende da importação de alimentos para se abastecer, mas para as empresas a prioridade é o comércio internacional. Em 2015, há quem tenha planos para quintuplicar a área agrícola.
“Este ano queremos aumentar a organização de produtores em área. Neste momento temos 50 hectares e devemos chegar aos 250. O objectivo é ter 300 hectares de produção em 2016, já com novas variedades para responder às necessidades de exportação”, diz Mário Rodrigues, director da Frutalmente, que junta nove produtores e factura 3,5 milhões de euros. Apenas 5% da produção é vendida ao estrangeiro (na maioria figo fresco) e a intenção é captar novos clientes. A Frutalmente está, por isso, a apostar em produtos que conseguem ser colhidos ao longo de todo o ano e variedades selecionadas apenas para exportar, como a uva red globe ou sem grainha.
Os planos do gigante norte-americano Driscoll’s, maior produtor mundial de frutos vermelhos, também são ambiciosos. Tem uma estratégia de expansão para os próximos cinco anos que, nas palavras de Nuno Simões, responsável pelo negócio no Sul da Europa, “vai afirmar o país como uma das principais unidades de negócio”. Cerca de um terço das framboesas produzidas em Espanha, Marrocos e Portugal vêm do território nacional e a intenção é fazer do país “uma das geografias mais relevantes também no mirtilo”.
Assim, a multinacional americana - que detém 25% da Lusomorango, uma organização de produtores de pequenos frutos - quer aumentar a área dedicada a este fruto dos actuais 30 hectares para 60 hectares. O valor do investimento varia, mas pode chegar aos 30 mil euros por hectare. Uma vez mais, a fruta abastece sobretudo o estrangeiro (Norte da Europa). A empresa factura 35 milhões de euros e contribuiu, segundo Nuno Simões, com 50 milhões de euros para as exportações nacionais, valor que inclui não só as vendas da Lusomorango, como as restantes parcerias que a multinacional tem em Portugal.
Outro gigante da agricultura, a Vitacress, tem planos para aumentar em 50% a área agrícola nas ervas aromáticas produzidas em estufa. Luís Mesquitas Dias, director-geral, sublinha que o investimento servirá para responder aos pedidos de clientes estrangeiros já que, em Portugal, o produto sem sido desvalorizado pelos consumidores, habituados a receber de graça salsa e coentros nos mercados tradicionais.
Também para Carlos Ferreira, responsável pela Hortomelão, o maior produtor de melões da Península Ibérica, 2015 será um ano de aumento de área agrícola, entre 5 a 6%. “É para responder a um pedido de um cliente. Temos contratos feitos”, adiantou ao PÚBLICO, durante a Fruit Logistica. A organização, com 40 produtores e uma facturação de 13,5 milhões, exporta 30% do que produz, mas não quer “vender a toda a gente”. “A ideia é crescer na exportação com novos clientes e mercados novos”, sublinha.
Resta saber se os vários investimentos programados terão impacto no número de explorações que existem em Portugal e na área agrícola utilizada. Em 2013, havia 264.419 explorações, menos 4% em comparação com 2007. Já a superfície utilizada para produzir cresceu 5% no mesmo período para 3,6 milhões de hectares, segundo os dados publicados pela Pordata.
Dependência alimentar
Esta semana na Fruit Logistica, em Berlim, onde o mundo se abastece de fruta e legumes, as empresas portuguesas quiseram mostrar que já possuem capacidade de produção para responder aos pedidos de quantidade e qualidade. As atenções viram-se para fora de portas: os portugueses travaram a fundo nos gastos, mesmo em produtos alimentares, e os preços esmagados no retalho tornaram o negócio no mercado interno menos atractivo. Além disso, desta forma, diversifica-se o risco, ganha-se dimensão e há cada vez mais organizações a apostar na produção directa no estrangeiro, para conseguir vender frutas durante o ano inteiro.
Cá dentro, a realidade é outra. Nas prateleiras dos supermercados há produtos frescos de concorrentes europeus e, apesar dos esforços de comunicação e dos cartazes junto das bancas de legumes com a bandeira nacional, os portugueses continuam a queixar-se da abundância de fruta estrangeira.
Os dados disponíveis do INE para o ano completo de 2013 mostram que Portugal agravou a sua dependência alimentar. O saldo da balança comercial de produtos agrícolas e agro-alimentares piorou 39 milhões de euros face a 2012. Já em 2014, entre Janeiro e Novembro – e considerando apenas as frutas e legumes – regista-se uma melhoria, com as importações a somarem pouco mais de mil milhões de euros, uma redução de 3,7% em comparação com 2013. As exportações aumentaram para 996 milhões de euros, o que significa que compramos quase tanto ao exterior como vendemos.
Manuel Évora, presidente da Portugal Fresh, associação que representa o sector, admite que o foco tem sido o mercado externo, dado o contexto de crise e a redução de preços, problema “que ainda não está muito melhor”. Contudo, já lançou o repto ao Governo para estimular o consumo interno, através de campanhas de divulgação dos benefícios da fruta e dos legumes.
Em Riachos, Torres Novas, a Agromais vê na produção de alho e cebola uma oportunidade para equilibrar a balança comercial. No caso do alho, a dependência do exterior é enorme e a organização com 1200 associados e um volume de negócio perto dos 50 milhões de euros, espera aumentar a área de produção na ordem dos 20% este ano.
“A importação de alho é de quase 90% o que significa que a margem de crescimento é gigantesca”, diz Jorge Durão Neves, director-geral. A Agromais – que produz 30% do milho nacional – acredita que ainda demorará tempo até Portugal ter mais alho nacional. O trabalho feito na cebola “demorou anos” e o grau de auto-aprovisionamento é de 35 a 40%, continua o responsável, acrescentando que a estratégia tem sido apostar na qualidade das variedades e conseguir produzir o ano inteiro.
Cogumelos que nascem das árvores
Numa feira por onde passam mais de 60 mil visitantes, a diferenciação é tudo. E os cogumelos que nascem das árvores da Organic Nature não deixaram Ricardo Lopes respirar. O engenheiro florestal que desenhou o plano de negócios e criou a Woodi, marca que quis dar aos shiitake, não teve um minuto de descanso durante os três dias da Fruit Logistica, em Berlim. Foi a primeira vez que esteve presente no certame e, para Portugal, leva dezenas de novos contactos de clientes para reforçar os que já tem em França, Holanda, Reino Unido e Holanda.
Os cogumelos portugueses que são produzidos pelo método tradicional (através da madeira morta, como se faz no Japão, Coreia e China) são a “conclusão de um trabalho de vários anos”. A Organic Nature gere seis mil hectares de floresta e quis explorar os recursos naturais que tinha à mão. Apesar de o shiitake ser o segundo cogumelo mais consumido no mundo, os Woodi são biológicos, nascem de carvalhos e eucaliptos, o que os torna apetecíveis para os restaurantes de luxo europeus. Os preços podem ir de sete a 14 euros o quilo. “Criámos uma rede de 60 produtores para termos capacidade para exportar e dar resposta aos contactos”, diz Ricardo Lopes, que começou a pensar o negócio há seis anos.
Perto da banca da Organic Nature, a Torriba mostrava os seus “tomates berry” e caixas transparentes com amendoins. A organização de produtores é conhecida pelo tomate para a indústria, mas tem vindo a diversificar produtos. Desde 2011, tem uma parceria com a Matutano para a produção deste aperitivo e o ano de 2015 será “a prova de fogo”. “Se tivermos um Verão normal para a variedade conseguir o seu potencial, teremos resultados positivos”, diz Rodrigo Vinagre, director da Torriba.
A organização já chegou a ter 300 hectares dedicados ao amendoim, mas também teve 75 hectares ou 130, como em 2014. “Há um grupo de produtores desde o primeiro ano e com resultados consistentes. As margens são semelhantes às do milho e o investimento é menor que nos hortícolas. Além disso, o produtor sabe o preço que vai receber antes de semear”, sublinha.
O PÚBLICO viajou a convite da Portugal Fresh
Notícia corrigida: A Lusomorango não é subsidiária da Driscoll's como se referiu. A multinacional americana tem 25% de participação nesta organização de produtores.