A defesa de Sócrates e o Estado de direito
Ex-primeiro-ministro continua a fazer a sua defesa em público. Falamos de justiça ou espectáculo?
Na noite de 27 de Março de 2013, na longa entrevista à RTP que assinalou o seu regresso à ribalta (e que se chamou sintomaticamente “o fim do silêncio”), José Sócrates disse: “Há políticos que me acusam de tudo, mas acham que não tenho direito a responder”. Passados dois anos e preso há dois meses, podia repetir tal frase com uma ligeira alteração: “Há juízes e magistrados que me acusam de tudo, mas acham que não tenho direito a responder”. Ora num e noutro caso Sócrates tem respondido como muito bem quer. Aos políticos, fê-lo como comentador residente na RTP; aos magistrados, vai respondendo através de entrevistas escritas a vários órgãos de comunicação social.
Enquanto isso, dir-se-á que a justiça estiola. O processo marca passo, enquanto na praça pública se vão cruzando notícias e acusações avulsas de violação do segredo de justiça, sem que isso deixe antever um rumo ou uma data previsível para o desfecho de todo este triste episódio. Porém, tão ou mais triste tem sido a intervenção de figuras públicas que, a pretexto do seu grau de simpatia ou amizade com Sócrates, vão somando frases verdadeiramente espantosas. No início de Janeiro, no programa Falar Claro da Rádio Renascença, Vera Jardim disse que Sócrates estava no direito de defender a sua visão deste processo “mesmo que tivesse de violar algumas normas, regulamentos, seja o que for, porque o interesse que está aqui em causa é mais forte e mais nobre.” Anteontem, num artigo de opinião no Diário de Notícias, também em defesa do ex-primeiro-ministro, Mário Soares sublinhou o “enorme carinho” que “se tem visto em inúmeras visitas” a Évora, acrescentando no final: “E o juiz Carlos Alexandre que se cuide…”
Ora um país onde um ex-ministro da Justiça e um ex-Presidente da República fazem tais declarações vive, de facto, um equívoco. Mas vive em democracia. E é nela, e com as regras do Estado de direito, que acusadores e acusado terão de enfrentar-se. Sem mais.