A lição de Francisco nas vésperas de Natal
O discurso do Papa no Vaticano foi de uma dureza inédita contra os “pecados” da hierarquia católica.
O que durante anos foram cerimónias de algum conforto, sobretudo na época natalícia, foram este ano transformadas pelo Papa Francisco num severo alerta. Bispos e cardeais da Cúria ouviram-no apontar 15 doenças à Igreja que ele próprio dirige, e sentiram-se de algum modo alvo desta sua vigorosa chamada de atenção. Que, embora misturada com tiradas de bom humor e palavras de incentivo, foi ainda assim de uma dureza inédita no Vaticano. E o que criticou Francisco, no ambiente que o rodeia há 21 meses, desde a sua eleição? O “Alzheimer espiritual” dos que, afastando-se de Deus, “vivem dependentes das suas paixões, caprichos ou obsessões”; os que se tornaram “vítimas do carreirismo e do oportunismo”; os que “tentam preencher o seu vazio existencial arrebanhando bens materiais”; os que, presos à burocracia, “se esquecem que o mais importante é sentar-se aos pés de Jesus”; os que praticam “o terrorismo da má-língua”, tornando-se assim “assassinos a sangue-frio” da reputação dos seus irmãos. Em suma: disse que a Igreja de hoje padece de “infidelidades” ao evangelho e está ameaçada por doenças que é urgente “tratar”, convidando os cardeais a fazerem um “verdadeiro exame de consciência” e a pedirem perdão a Deus. A par deste discurso – que terminou com a habitual saudação, um por um, aos presentes, desejando-lhes Feliz Natal –, o Papa dirigiu-se com informalidade aos funcionários do Vaticano e familiares, elogiando os homens e mulheres “invisíveis” que garantem o funcionamento e administração da cidade. Um claro contraste: enquanto à hierarquia foram pedidas contas, renovação e um novo espírito, ao “exército” comum que assegura a máquina foi agradecida e elogiada a sua actuação. Isto quer dizer que o Papa, na senda do que tem sido a sua actuação pública, continua empenhado em abalar antigos alicerces para daí erguer algo de novo. Veremos aonde conduzirá esta sua “cruzada”.