A Europa e o reconhecimento do Estado da Palestina
A aproximação da União Europeia aos países do Médio Oriente é fundamental para a construção de uma nova ordem jurídica e para a paz regional.
As conversações entre israelitas e palestinianos, mediante os bons ofícios dos EUA, acerca da criação do Estado da Palestina, arrastam-se há demasiado tempo, justificando um empenhamento mais assertivo da União Europeia (UE), de acordo com um dos objectivos do Tratado de Lisboa: “Nas relações com o resto do mundo, a UE afirma os seus valores, contribui para paz, a segurança, a solidariedade e respeito mútuo entre os povos e protecção dos direitos do homem, bem como para a rigorosa observância e desenvolvimento do direito internacional.” (Art. 3.º)
A civilização europeia, fruto do legado greco-romano, que por sua vez recebeu influências das civilizações do Mediterrâneo Oriental, onde nasceram as culturas judaica, cristã e islâmica, simbolizadas por Jerusalém (de ieru, do grego “ieros”+salem, do hebraico “shalom”=paz), poderá contribuir decididamente para a paz na região. Está suficientemente demonstrado que uma solução militar para o conflito não trará paz, nem garantirá segurança às partes envolvidas. A política dos sucessivos governos de Israel tem sido contrária às intenções de importantes sionistas que estiveram na origem do Estado de Israel (vg. Theodor Herzl, Nahum Goldmann, Martim Buber) e muitas outras figuras do judaísmo que se opuseram ao terror e à guerra e defendiam a colaboração entre judeus e árabes. Recorde-se que judeus e muçulmanos conviveram muito bem ao longo dos séculos, como, por exemplo, em Espanha, em Istambul e nos Balcãs. O profundo antagonismo existe apenas desde o séc. XX e nada tem a ver com a religião, mas sim com o conflito israelo-palestiniano. A relação entre judeus e muçulmanos não poderá melhorar sem se resolver este conflito.
A opção política dos EUA, desde que Israel se tornou um Estado, tem sido a de que as suas fronteiras devem coincidir com as que prevaleceram desde 1949 até 1967, o que ficou especificado na Resolução 242 da ONU, unanimemente aprovada, e na qual se determina a retirada de Israel dos territórios ocupados. Mas todos os esforços dos EUA fracassaram, o que justifica uma premente atenção por parte da União Europeia sobre esse conflito. De acordo com a opinião de Jimmy Carter, ex-Presidente dos EUA, “não haverá uma paz substantiva e permanente para nenhum povo nesta região tão perturbada enquanto Israel continuar a violar as resoluções da ONU, a contrariar a política oficial americana e o Roteiro internacional para Paz, ocupando terra que pertence aos árabes e oprimindo os palestinianos” (cf. Palestina – Paz, sim. Apartheid, não).
A aproximação da União Europeia aos países do Médio Oriente é fundamental para a construção de uma nova ordem jurídica e para a paz regional. Afigura-se claro que se há país que, culturalmente, merece a integração europeia é sem dúvida Israel, impedido certamente pelo circunstancialismo do conflito israelo-palestiniano. Acrescente-se que, sendo Israel um país de vocação essencialmente europeia, a Palestina deverá merecer de igual modo a atenção da Europa por razões políticas, estratégicas e de solidariedade, num espaço crescente de integração económica, de coordenação política, de harmonização cívica, de tolerância religiosa, de liberdade e simbiose cultural, dentro duma matriz a que podemos chamar “abraâmica” e que resultaria da conciliação espontânea ou intencional das três grandes religiões simbolizadas por Jerusalém.
Como se referiu acima, de acordo com o Tratado de Lisboa, um dos objectivos da UE é “contribuir para a rigorosa observância e desenvolvimento do direito internacional”. Ora, o direito internacional já definiu, territorialmente, os limites do Estado de Israel e do palestiniano (v.g. resoluções 242, 338, 465 do Conselho de Segurança da ONU e acordos de Camp David, de 1978), pelo que estão reunidos os requisitos essenciais para que a União Europeia vá mais além do que o simples reconhecimento formal do Estado da Palestina, como nação independente e soberana. Por isso, a UE deve assumir as suas responsabilidades e tornar-se um interveniente, de modo a viabilizar o processo de paz no Médio Oriente.
Juiz desembargador jubilado (narciso.machado@gmail.com)