Cuidados de saúde com mais queixas de discriminação em VIH
Um dos casos reportados ao Centro Anti-Discriminação foi no Hospital de Viseu onde um médico do serviço de urgência se recusou a administrar medicação de prevenção após exposição ao vírus VIH, que deve ser dada no prazo de 72 horas.
Não são muitas as queixas recebidas ao longo de quatro anos, de 2010 a 2014: foram um total de 147, 42 apenas durante este ano. Pedro Silvério Marques acredita que a razão para que as pessoas reclamem pouco tem a ver com o medo de que, com a queixa, fiquem mais expostas e que o seu estado de saúde seja ainda mais divulgado. Ao mesmo tempo, diz que a maior parte das pessoas acredita que reclamar não traz consequências, já que não existem órgãos específicos que tenham poder para agir nesta área, ao contrário do que acontece, por exemplo, com queixas de discriminação em função da raça ou etnia e do género.
O Centro Anti-Discriminação VIH/SIDA foi criado em Janeiro de 2010, por duas organizações não-governamentais nacionais, a SER+ e o GAT (Grupo Português de Activistas sobre Tratamentos de VIH/SIDA), sendo co-financiado pela Direcção Geral de Saúde.
Pedro Silvério Marques nota que é nos serviços de saúde (25,85% do total de casos) que existem mais situações porque é onde a seropositividade acaba por ser conhecida, “é onde têm de dizer que são seropositivos,” e onde o sigilo profissional, que é obrigatório para funcionários de saúde (como os médicos e enfermeiros), muitas vezes é rodeado de pouco cuidado, alerta. No caso da doente do Hospital de Vila Franca seguia uma informação para o pessoal a cozinha a dizer que aquela era uma doente seropositiva que precisava de ser servida com pratos e talheres de plástico. “Era uma recomendação completamente despropositada e estava a revelar o estado serológico da pessoa ao pessoal da cozinha”.
O caso reporta a Agosto de 2011, altura em que Maria João Braz, 38 anos, foi internada naquela unidade hospitalar depois de ter sido operada no Hospital de S. José (Lisboa), na sequência de um grave acidente de viação. Durante o mês e meio em que esteve hospitalizada, as refeições foram-lhe servidas sempre em pratos e talheres de plástico. A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) deu razão à doente e ordenou a revisão das suas práticas.
Noutra situação que foi reportada ao centro, no Hospital de Viseu, um médico do serviço de urgência recusou-se a administrar medicação profiláctica pós-exposição a um utente. Trata-se de dar medicamentos a uma pessoa que possa ter entrado em contacto com o vírus recentemente mas, para ser eficaz, deve ser dada no prazo máximo de 72 horas após a exposição ao VIH. A IGAS interveio e, na sequência deste caso, a administração acabou por fazer uma formação específica nesta área aos chefes de equipa e emitiu recomendações sobre a administração da medicação. Foi uma situação em que a queixa levou à mudança de práticas, sublinha o responsável. “Felizmente a pessoa não se infectou”.
Logo a seguir à área dos cuidados de saúde, surgem casos na área do emprego (20,4%) e devassa da vida privada (15,6%). Outra das áreas onde continua a haver problema é a dos seguros (136% das situações reportadas), refere, nomeadamente para a obtenção de empréstimos para a aquisição de casa. “Há uma recusa liminar [em dar seguros de vida]. Não analisam sequer o risco, nem sequer propõem o agravamento do risco, mesmo que a pessoa faça o tratamento e esteja controlada”. O banco exige seguro de vida assim que se pede mais do que 10 mil euros, diz. Para contornar esta limitação, o que algumas pessoas seropositivas têm feito é pedir várias apólices de seguros para cada fatia de 10 mil euros de empréstimo. A quebra de confidencialidade, o ensino, o apoio social, a justiça e o crédito são outras das áreas em que o Centro Anti-Discriminação VIH/SIDA recebeu queixas. Tem uma linha telefónica de apoio jurídico e informativo 707240240 e as queixas podem ser enviadas por via electrónica para pedro.silverio.marques@sermais.pt.