Uber: o mundo está preparado para esta alternativa ao táxi?

Empresa norte-americana tornou-se multimilionária com a (app) que desenvolveu, mas os entraves legais à sua actividade estão a crescer um pouco por todo o lado.

Foto
A Uber está disponível em mais de 250 cidades de 51 países PÚBLICO

Esta segunda-feira, a Uber voltou a ser notícia mas não pelos resultados empresariais. Em Sydney, enquanto surgiam as primeiras informações de que um homem armado fazia reféns num café situado no centro administrativo da cidade australiana, viaturas ao serviço da Uber chamadas à zona cobravam tarifas acima do habitual. A empresa justificou a inflação dos preços com a necessidade de “encorajar mais motoristas a estarem disponíveis e a irem buscar clientes àquela área”. Após denúncias ao serviço, a Uber voltou atrás e anunciou que as viagens a partir do centro administrativo seriam gratuitas e que os utilizadores que já tinham pago iriam ser ressarcidos.

No mesmo dia, em Paris, e à semelhança do que já se tinha passado no Verão, a Uber foi alvo de protestos com marchas lentas de taxistas entre os aeroportos de Orly, Roissy e Paris, depois de um tribunal francês ter recusado interditar a Uber, embora tenha admitido que esta opera com ilegalidades.

Os taxistas franceses, que estiveram no último fim-de-semana reunidos com responsáveis do Governo para debater a Uber, souberam já nas ruas que a aplicação, que liga o cliente ao motorista através da Internet, com um smartphone ou tablet, ficará interdita a partir de 1 de Janeiro, com a entrada em vigor de uma lei que enquadra legalmente a actividade dos veículos de turismo com motorista e dos táxis. A lei impede os motoristas não profissionais de exercerem a actividade e isso afecta a Uber. A proibição em França surge após os tribunais de Espanha e a Holanda terem respondido favoravelmente a providências cautelares apresentadas por associações de táxis a pedir a suspensão da Uber.

Taxistas portugueses contra
Em Portugal, onde a Uber começou a operar em Lisboa, em Agosto, com um serviço de luxo, e a partir desta terça-feira numa versão low-cost, que também é lançada no Porto, não houve iniciativas semelhantes. Mas com o anúncio, esta segunda-feira, de uma parceria entre a TAP e a Uber para “facilitar os trajectos entre o aeroporto de Lisboa e a cidade” para os clientes da transportadora aérea, a situação pode vir a alterar-se. A ANTRAL considera que a parceria vai ter “uma reacção muito negativa por parte dos taxistas”, que sofrem, assim, mais um “ataque”. 

Ainda na Europa, na Dinamarca e Noruega foram apresentadas queixas contra a app. Em Bruxelas, a Uber arrisca-se a perder o direito de actividade. O ministro dos Transportes Regionais confirmou ao Le Soir que pode vir a ser ordenada uma investigação bancária à empresa e aos seus motoristas para averiguar o cumprimento de leis fiscais e de segurança social belgas, dado que os condutores não estão a pagar impostos sobre os seus rendimentos. Pascal Smet disse ainda que vai solicitar à Apple e ao Google que retirem a app das suas lojas online.

Outro dos países onde a Uber tem enfrentado entraves é a Alemanha. As batalhas na justiça levaram a Uber a reduzir o valor das tarifas em 0,35 cêntimos o quilómetro em Berlim e Hamburgo, após as suas cidades terem banido o serviço por falta de licença de viaturas. Ao reduzir a tarifa, a Uber conseguiu que os motoristas sem licença pudessem trabalhar, mas perdeu condutores. As dificuldades levaram mesmo a Uber a apelar ao apoio público, através de uma petição onde acusa as leis locais de serem uma “ameaça aos funcionários da Uber”.

Segurança em causa na Índia
No continente asiático, a empresa viu as suas garantias de segurança aos clientes serem abaladas com a violação de uma mulher por um motorista em Nova Deli, caso que levou as autoridades a proibirem o uso da aplicação na Índia. A Uber suspendeu a actividade e pediu desculpas à vítima. O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, anunciou, por sua vez, que quer evitar casos semelhantes e promoveu o She Taxis, onde mulheres conduzem táxis para garantir a segurança do sexo feminino.

O caso na Índia levantou questões sobre se o passado dos motoristas é de facto verificado. A Uber Portugal sublinhou ao PÚBLICO que a “segurança é a principal prioridade” para a empresa, a nível local e mundial. “Todos os motoristas que operam na plataforma Uber em Lisboa são rigorosamente escrutinados, o que inclui uma investigação de antecedentes criminais” e os “carros que operam na plataforma devem corresponder aos elevados requisitos de qualidade e segurança”, afirma a representação.

Apesar das garantias, estas parecem não convencer algumas das mais de 250 cidades, em 51 países, onde a app funciona, que a acusam ainda de ser desleal com a concorrência e de oferecer um serviço sem regras, licenças e inspecções. No seu país Natal, as dificuldades legais têm vindo a multiplicar-se nos últimos meses. A Uber está interdita no estado do Nevada e foi processada em São Francisco e Los Angeles por não garantir a análise do currículo e passado dos motoristas.  “A empresa repete essa declaração enganosa, dando aos consumidores um falso sentimento de segurança quando este entra no carro”, afirmou ao LA Times George Gascon, procurador de São Francisco. Portland, no estado de Oregon, também anunciou que vai processar a Uber, acusada de operar de forma ilegal.

Em Washington, o governo local não avançou com um pedido de interdição mas com uma proposta da comissão de táxis da cidade para ser criada uma aplicação que concorra directamente com a Uber. A versão beta da aplicação vai arrancar em Março, com 7000 taxistas licenciados disponíveis.

Concorrência desleal?
A Uber entrou no mercado sem travões e isso parece ter-se reflectido na forma como lida com a concorrência. Em Agosto, o site The Verge avançou que a Uber tentou angariar motoristas entre os que trabalhavam para a concorrente Lyft e outras empresas, sem que os seus métodos fossem detectados. A CNN noticiou, por sua vez, que funcionários da Uber pediram e cancelaram mais de 5500 táxis à Lyft. A Uber negou as alegações de sabotagem e afirmou que não utiliza esse tipo de “tácticas de marketing”.

A Uber lamenta todos estes casos mas, acima de tudo, que as leis de algumas das cidades onde opera tenham “50 a 60 anos e não funcionem actualmente”. “Em grande parte das cidades em que operamos, as leis que governam o transporte de passageiros são de facto antigas, tendo em muitos casos sido criadas antes da existência de smartphones, Internet Móvel ou mesmo computadores pessoais”, sublinha a Uber Portugal. A representação garante que a empresa está “fortemente empenhada em manter um diálogo contínuo em aberto com os reguladores e legisladores em todos os mercados”.

No caso dos EUA, a Uber está a angariar apoio entre a classe política para alterar leis que limitam o seu funcionamento. O Washington Post revelou que a empresa contratou lobistas privados e terá gasto perto de meio milhão de dólares, em cinco meses, para conseguir apoio junto de legisladores na Califórnia, por exemplo. Este trabalho de bastidores parece estar a surtir efeito junto de democratas e de republicanos, já que a empresa tem angariado nomes sonantes para a sua equipa, entre membros da elite política e antigos conselheiros da administração norte-americana, como é o caso de David Plouffe, antigo gestor de campanha do Presidente Barack Obama, e agora vice-presidente para a política e estratégia da Uber.

As questões legais não parecem abalar a credibilidade da empresa junto dos investidores. A norte-americana está a tentar que sua aplicação se imponha e afaste a concorrência chinesa. Para isso, e segundo a Business Week, vai contar com um investimento de cerca de 600 milhões de dólares do motor de busca Baidu. Muito antes deste investimento, a Uber já tinha contado com um apoio de 258 milhões de dólares do Google, além da tecnologia que suporta o motor de busca e dos seus milhões de utilizadores. Também o Goldman Sachs apostou na app, que nos últimos anos recebeu mais de 2,5 mil milhões de dólares em investimentos.

Apesar do forte apoio financeiro e expansão, os analistas consideram que a empresa não deverá conseguir evitar um abrandamento no mercado, dadas as questões na justiça. Numa reacção pública às polémicas que envolvem a Uber, o seu presidente-executivo, Travis Kalanick, admitiu que a empresa precisa de “investir no seu crescimento interno e mudar”. “Reconhecer os erros e aprender com eles são os primeiros passos”, escreveu.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários