Não privatizem a TAP por convicção
Costuma-se dizer que à terceira é de vez. No princípio do século, a TAP esteve para ser privatizada e vendida à Swissair, que entretanto faliu. Doze anos mais tarde, já com Passos Coelho e com a troika, o Governo tentou privatizar a companhia e vendê-la ao colombiano Gérman Efromovich, que, não tendo falido, pelos vistos não tinha na altura 25 milhões de euros para dar de sinal pelo negócio. E agora, dois anos volvidos, o mesmo Governo volta a insistir na venda da companhia de bandeira nacional. Porquê? “Por convicção”, justifica Pires de Lima.
Aceito que haja várias razões que possam levar o Governo a privatizar uma empresa. A convicção não é uma delas. E a TAP não é uma empresa qualquer que possa ser privatizada só porque meia dúzia de ministros que se acham muito liberais tem convicções. Os portugueses têm uma relação afectiva, emocional e até de orgulho na TAP, quer durante a ditadura, quer na democracia. Quer no tempo dos Super-Constellation, quer agora com os A340. E têm uma imagem de empresa competente e das mais seguras do mundo. Talvez este seja o maior capital da empresa. Longe de ser perfeita, e ainda com alguns tiques de monopolista, a TAP é um património do país que não deve ser entregue ao primeiro Frank Lorenzo que nos passar um cheque.
Claro que toda esta lamechice e toda esta relação emocional não pagam salários ao final do mês e, por maiores que sejam os afectos, não chegam para comprar aviões. Como tal, vamos a contas e a argumentos mais sólidos.
Para saber se concordamos ou não com a venda da TAP, temos primeiro de perguntar qual a razão pela qual o Governo quer privatizar a companhia. Descarto, logo à partida, aquele argumento de que "os privados sabem gerir melhor". Se um governo gere um Estado, que somos todos nós, também há-de saber gerir uma companhia aérea. E, por convicção, também descarto aquele argumento da convicção.
O Governo vai privatizar a TAP porque precisa de encaixe para reduzir a dúvida pública? Não. As contas e os capitais próprios negativos da TAP infelizmente não permitem ambicionar a um grande encaixe. Basta pensar que em 2012 Gérman Efromovich, depois de assumir a dívida da companhia, iria dar ao Estado um encaixe líquido irrisório de 35 milhões de euros. Até o BPN deu mais dinheiro aos cofres públicos.
Então e o argumento de que a TAP deve ser privatizada porque com as contas desequilibradas não consegue crescer? No último relatório e contas da TAP, Fernando Pinto aparece a dizer: a perspectiva para 2014 é “a do lançamento de 11 novas rotas, duas para o Brasil, uma para a Colômbia, outra para o Panamá e as restantes na Europa. Vamos adicionar seis aviões à nossa frota e esse é um enorme crescimento”. Bom, se isto não é crescer, o que é? A TAP tem a dimensão ideal para a dimensão do mercado onde opera e, nos últimos anos, graças ao incremento do turismo em Portugal, tem batido sucessivos recordes de transporte de passageiros.
Aqui chegados, perguntar-se-ão: então se a TAP é assim tão boa, porque é que todos os anos dá prejuízos? Há cinco anos consecutivos que a TAP, S.A., o negócio da aviação, tem dado lucros, graças à boa gestão de Fernando Pinto. Mas a TAP SGPS (a holding que interessa e que será privatizada) dá prejuízos todos os anos, também graças a Fernando Pinto. A decisão do presidente da TAP de comprar uma empresa de manutenção no Brasil em 2005 rebentou com a TAP e é a única razão pela qual a empresa ainda hoje acumula capitais próprios negativos. Não vem ao caso, mas a Procuradoria-Geral da República ainda hoje está a investigar este negócio obscuro, incompreensível e ruinoso para a TAP. Ainda hoje, a brasileira M&E é responsável por metade dos mil milhões de euros de dívida da TAP SGPS.
Então o argumento de que a TAP deve ser vendida porque uma privatização permitiria injectar dinheiro fresco na companhia e equilibrar as contas? É um bom argumento. Mas a questão aqui é saber quem deve injectar dinheiro: os privados ou o Estado? O problema dos privados é que a privatização tem de (ou deve) excluir, à partida, as operadoras de bandeira europeias. Se uma Lufthansa comprar a TAP, isso irá implicar a transferência do hub (placa giratória) de Lisboa, que é algo estratégico para o país. Ainda nos arriscaríamos a ter de fazer uma escala em Frankfurt para ir de avião a Madrid. Sobram alguns candidatos, sobretudo do continente americano, sendo que alguns deles têm um currículo na aviação bastante duvidoso.
O Governo argumenta ainda que, uma vez nas mãos de privados, a TAP poderá libertar-se das amarras da administração pública e da austeridade que lhe tem sido imposta, seja ao nível dos salários ou das contratações. Mas foi o actual Governo que não teve coragem de a libertar mais cedo dessas amarras criadas ainda por José Sócrates. Se a companhia precisava de maior flexibilidade, por que não a teve mais cedo?
E por que é que o Estado não injecta ele próprio dinheiro para capitalizar a TAP, que em termos operacionais vai de vento em popa? O Governo argumenta que Bruxelas não permite ajudas estatais para não distorcer a concorrência. Ontem, a Comissão Europeia veio tirar o tapete ao Governo, dizendo que a matéria é delicada, mas possível. Bruxelas rege-se pelo princípio do “one time, last time”, ou seja, as empresas de aviação públicas só podem ser ajudadas uma única vez e a TAP já foi ajudada em 1994, num plano de reestruturação que deveria culminar com a sua venda à Swissair em 2000. O que o Governo esquece (ou não sabe) é que a regra do “one time, last time” tem um prazo de validade de dez anos, ou seja, se calhar até a TAP poder voltar a receber uma injecção de capitais públicos. E não deixa de ser insólito que o Governo parta para uma privatização, usando Bruxelas como principal argumento, sem sequer se dar ao trabalho de consultar previamente Bruxelas para esclarecer esta questão. É o que dá fazer as coisas com convicção e não com competência.