Por que tem êxito o Podemos?
Desapareceram também promessas como a reforma aos 60 anos ou “a renda para todos os cidadãos”, trabalhassem ou não. Iglesias passa a proclamar agora que o seu programa é “realista”, denunciando as promessas “irrealistas” que o Partido Popular (PP) e o PSOE fizeram nas últimas eleições. A versão “rupturista” coadunava-se com o percurso político dos seus fundadores, vindos da extrema-esquerda, dos movimentos de protesto antiglobalização e do populismo sul-americano — a Venezuela de Chávez ou a Bolívia de Morales.
“Eles são pragmáticos. Se precisam de mudar o discurso para alcançar os seus objectivos, mudá-lo-ão. Querem obter votos da direita e da esquerda, aquilo a que chamam transversalidade” — explicou ao El País Heriberto Cairo, decano da Faculdade de Ciências Políticas da Universidade Complutense de Madrid.
Cairo sabe do que fala. O Podemos nasceu na Complutense e é dirigido por cinco dos seus professores: Iglesias, Iñigo Errejón, Juan Carlos Monedero, Carolina Bescansa e Luis Alegre, todos de Ciências Políticas. Cairo foi o director de tese de Iglesias e de Errejón. Tem orgulho nos discípulos: “Se há alguma coisa a sublinhar no Podemos é o magnífico exercício com as tecnologias de informação e comunicação aplicadas à política. É uma absoluta novidade e marcará a forma de fazer política.”
2. O que mais interessa Iglesias não é o programa económico mas ocupar “a centralidade” no tabuleiro político. Para isso definiu um novo sujeito, “a gente”, e um inimigo, “a casta” política. “Gente” já não é o povo nem o proletariado. Não se trata de fazer a revolução mas de “empoderar la gente”. Considera que, desde a queda do Muro de Berlim, o eixo esquerda-direita deixou de ser operacional. Prefere, de acordo com o actual clima da opinião pública em Espanha, combater em torno de dois outros eixos: cidadãos/elite e novo/velho. Estabelece como meta a demolição do “regime” herdado da Transição de 1978.
O primeiro segredo de Iglesias foi ter deixado de falar para a esquerda e falar para a “gente”. O segundo foi ter conseguido entrar em sintonia com o estado de espírito dos espanhóis. Não é um propósito genérico nem uma acção empírica. Os politólogos trabalham, estudam os inquéritos, testam as propostas. O Podemos quer dizer “aquilo que as pessoas pensam”. Os grandes partidos só agora começam a perceber um fenómeno que menosprezaram.
O descontentamento com a economia e com o funcionamento das instituições e a insuportável multiplicação dos escândalos de corrupção são o caldo de cultura do seu sucesso. Os inquéritos indicam que, mais do que a frustração económica, capitaliza a degradação das instituições. Os cidadãos “zangados” que mais atrai “são os indivíduos de maior formação, os mais críticos perante a situação política, os que assinalam com mais intensidade a corrupção e a classe política [e não o desemprego] como o principal problema do país. Por outras palavras, trata-se de cidadãos ‘zangados’ mas não de quem mais directamente sofre os efeitos da crise”, explica a politóloga Sandra León.
O Podemos ocupou um vasto “nicho de eleitores” desiludidos com os partidos tradicionais. “Mas a principal chave do seu êxito é que consegue ser atractivo em sectores muito diferentes do eleitorado”, sublinha outro cientista político, José Fernández-Albertos. “O descontentamento (...) é em Espanha muito mais transversal do que qualquer das ideologias dos partidos tradicionais. E isto dá ao Podemos uma vantagem nas urnas em relação aos rivais.”
Tem um eleitorado “camaleónico”. Ou seja: “É percebido na esquerda como muito à esquerda e, entre os moderados, como substancialmente moderado. (...) Por quanto tempo conseguirá o Podemos manter esta transversalidade de apoios? Acabará este camaleonismo quando a opinião pública conhecer melhor as suas propostas concretas?”
Fernández-Albertos admite que o eleitorado de Iglesias esteja a atingir o seu tecto. A menos que se verifique uma derrocada do PSOE (até agora o partido mais afectado) ou que passe a atrair um muito maior número de eleitores do PP (hoje atrai 7%).
“[O Podemos] pôs um espelho à frente da sociedade. Dedica-se a reproduzir os sentimentos da gente, reafirmando o estado de desolação que atravessa o país”, escreve outro politólogo, Ignacio Urquizu. “Um dos paradoxos do Podemos é que, sendo um produto da crise política, a sua forma de fazer política contribui para a descrença. Ou seja, recuperar a confiança na política implicará algo mais do que dizer o que as pessoas querem ouvir, justamente a base do êxito do Podemos.”
Por outro lado, “referir a nossa democracia como um regime não é inocente”. O seu jogo de palavras sobre “o final de um regime” não só põe em causa tudo o que a democracia espanhola realizou como visa desmantelar o legado da Transição em nome de um vago “processo constituinte” cujo conteúdo e metas Iglesias não se dá ao trabalho de precisar.
3. Há outro tipo de críticas, como a do historiador Antonio Elorza. “A linguagem dúplice permite [a Iglesias] esconder o que está do outro lado do espelho. Aqui entra em jogo a autêntica revolução Podemos, materializada na comunicação política desde a utilização constante da videocracia ao desenvolvimento da técnica de acesso e controlo do poder através da Rede.”
No Podemos, há um simulacro de democracia directa. A extrema difusão do “ágora electrónico” coincide com o centralismo e com a personalização do poder. Este está concentrado no grupo dirigente e no secretário-geral. A capacidade de liderança de Iglesias não deve ser menosprezada. A construção do partido, desde a escolha do nome, foi minuciosa e competentemente preparada.
A título de curiosidade, transcrevo as palavras de homenagem que Iñijo Errejón lhe dedica no capítulo de agradecimentos da sua tese, em 2012. “Em Pablo Iglesias encontrei um companheiro de mente incisiva e vontade bolchevique, assim como um permanente estímulo intelectual. Ensinou-me que a arte da guerra se pratica com método e firmeza, fazendo mais do que dizendo, como eu gosto.”