José Sócrates: uma carreira cheia de suspeitas
Sócrates aderiu ao PS em 1981. Dois anos depois ganhou a presidência da federação de Castelo Branco contra os soaristas, cargo em que manteve até 1995. Nos dois governos de António Guterres, foi secretário de estado-adjunto do Ministério do Ambiente e ministro do Ambiente e Ordenamento do Território, até à demissão do primeiro-ministro, em Dezembro de 2002. Na oposição, Sócrates venceu as eleições para cargo de secretário-geral do PS, em Setembro de 2004, sucedendo a Ferro Rodrigues.
2003 – Aterro da Cova da Beira
O ex-ministro e então deputado do PS é referido nas suspeitas sobre a construção do aterro sanitário da Cova da Beira, que deu origem a um processo judicial, investigado durante mais de uma década, mas nunca chegou a ser visado directamente. O principal arguido foi o seu ex-professor na Universidade Independente, António Morais que, tal como os restantes, acabou absolvido.
2004 – Caso Freeport
Iniciado em 2004, com uma denúncia anónima à Polícia Judiciária de Setúbal sobre um alegado pagamento de “luvas”, o caso Freeport arrastou-se até 2012 sem resultados, apesar dos muitos nomes envolvidos no processo. José Sócrates, que nunca chegou a ser arguido, foi uma das figuras centrais do caso sobre o licenciamento do centro comercial Freeport, em Alcochete.
Em 2002, era ministro do Ambiente no Governo de António Guterres quando se dá a aprovação, em tempo recorde, do estudo de impacto ambiental ao projecto, ao mesmo tempo que o Governo fez uma alteração dos limites da área da Zona de Protecção Especial (ZPE) do Estuário do Tejo para a preservação das aves selvagens. A área ocupada por uma antiga fábrica de pneus, onde o centro comercial foi depois construído, passou a ficar fora dos limites da ZPE.
Três dias depois da aprovação, há eleições legislativas antecipadas e o PS sai derrotado. José Sócrates nunca responderá em tribunal a 27 perguntas que dois procuradores quiseram fazer sobre o caso, mas que não foram incluídas no processo em 2010 – na altura, Sócrates era primeiro-ministro.
12 Março de 2005 – A maioria absoluta
Respaldado numa confortável maioria absoluta, assume funções como primeiro-ministro com 45 anos de idade. No seu discurso de tomada de posse como chefe do Executivo deixa claro que o Governo tem “uma agenda, um projecto e um rumo” para Portugal e acrescenta que o seu projecto comporta um desafio: “O de estar à altura da maioria absoluta que os portugueses nos quiseram conferir”.
Março de 2007 – O caso da licenciatura
O seu primeiro sobressalto como primeiro-ministro acontece em 2007 e está relacionado com a sua licenciatura em Engenharia Civil pela Universidade Independente, a qual levantava sérias dúvidas. Na base da suspeita está o facto de existirem diversos documentos por assinar e carimbar, contradições nas notas e o facto de as classificações das quatro de cinco cadeiras que tinha para concluir na instituição terem sido lançadas a um domingo de Agosto.
O processo de aluno da UI levantou muitas questões na altura. A própria universidade foi fechada no mesmo ano por ordem de José Mariano Gago, ministro da Educação de Sócrates, depois de uma inspecção arrasar a qualidade pedagógica da instituição. Mas o assunto do processo acompanhou José Sócrates mesmo depois de perder as eleições para a coligação PSD/CDS-PP, no Verão de 2011. No ano seguinte, a Procuradoria-Geral da República rejeitou reabrir o inquérito que arquivara anteriormente sobre a licenciatura.
Mas esta não é a única incongruência no currículo do ex-primeiro-ministro socialista. Na biografia publicada pela Presidência do Conselho de ministros, é referido que Sócrates possui uma pós-graduação em Engenharia Sanitária pela Escola Nacional de Saúde Pública. A verdade é que apenas participou num curso de Engenharia Sanitária para engenheiros municipais.
2007-2009 – Conflitos com a comunicação social
Autoritário e com pouco tolerância para com quem discordava dele, o ex-primeiro-ministro teve conflitos com a comunicação social, sobretudo a partir do caso da licenciatura, noticiado pelo PÚBLICO. Entre 2007 e 2009, durante o primeiro mandato, foi acusado de tentar controlar os meios de comunicação social através de actos de censura e perseguição. As denúncias chegaram à Comissão Parlamentar de Ética. O ex-chefe do Governo socialista processou onze jornalistas e todos acabaram absolvidos.
Janeiro de 2008 – As casas da Guarda
O PÚBLICO noticiou que José Sócrates assinou numerosos projectos de edifícios na Guarda, ao longo da década de 80, cuja autoria os donos das obras garantiam não ser dele. Em 2010, acrescenta-se que Sócrates foi projectista e responsável por 26 obras na Guarda entre 1987 e o final de 1990, numa altura em que era deputado em exclusividade pelo PS. Na altura, o então primeiro-ministro explicou que realizou os projectos "a pedido de amigos" e que não recebeu qualquer remuneração. Em 1990 e 1991, a Câmara da Guarda afastou José Sócrates da direcção técnica de obras particulares, depois de ter sido advertido por causa da falta de qualidade dos seus projectos.
Fevereiro de 2009 – A casa da Rua Brancaamp
O PÚBLICO noticia que a compra do apartamento de José Sócrates no edifício Heron Castilho, na Rua Brancaamp, em Lisboa, levanta suspeitas de fraude fiscal. Segundo consta da escritura notarial, foi adquirido pelo preço de 47 mil contos (235 mil euros). Dois anos antes desta venda, um apartamento idêntico no mesmo prédio foi comprado por um emigrante português que estava isento do imposto de sisa por 70.200 contos (351 mil euros), ou seja, mais 50% do que o valor declarado por Sócrates.
Agosto e Setembro de 2009 – Caso das escutas
A notícia do PÚBLICO sobre as suspeitas, por parte da Presidência da República, de vigilância por parte do gabinete do primeiro-ministro, em plena campanha para as legislativas – que acaba por ganhar, mas já sem maioria absoluta , abrem uma enorme uma brecha nas relações entre a Presidência da República e S. Bento.
Novembro de 2009 - Caso Face Oculta, TVI e Taguspark
Menos de dois meses após as legislativas, rebenta o caso Face Oculta, no âmbito da qual foram interceptadas cinco conversas telefónicas e 26 mensagens de telemóvel entre Armando Vara e o então primeiro-ministro (registos que só foram destruídos em Setembro último). No processo, que investigou corrupção e favorecimento ao empresário das sucatas Manuel Godinho, Armando Vara acabou condenado a cinco anos por tráfico de influência. Foram também condenados mais dez arguidos.
Deste processo chegaram a ser extraídas certidões para outros inquéritos, um dos quais por suspeita de atentado ao Estado de Direito, por alegada tentativa de compra da TVI pela PT, com José Sócrates a ser envolvido num suposto plano de controlo da comunicação social. Rui Pedro Soares e Paulo Penedos, ambos do PS, estavam então no centro das atenções.
Outro caso que derivou dessas escutas foi o do Tagusparque, no âmbito do qual teria sido feito um contrato com Luís Figo para que este surgisse ao lado de Sócrates nas vésperas das legislativas. O processo acabou com a absolvição de todos os arguidos.
2009-2011 – Ruptura com o Presidente da República
Definindo-se como um social-democrata de centro-esquerda e um político “sanguíneo”, Sócrates teve uma relação difícil com o Presidente da República, particularmente no último Governo, porque segundo Cavaco, nunca soube lidar com a perda da maioria absoluta e ignorou de “forma deliberada” os avisos vindo de Belém.
Acusado de esconder a realidade da crise económica atrás de debates sobre “temas fracturantes”, Cavaco partilhou no livro “Roteiros VI” os bastidores da crise política de 2011 que se abre com o pedido de demissão do então primeiro-ministro. No livro, que veio a público em Março de 2012 – um ano depois da crise –, o chefe de Estado não poupa Sócrates e acusa-o como o principal responsável pelo desenrolar dos acontecimentos”, afirmando que não mostrou “genuíno interesse” em conseguir uma base política estável para cumprir o segundo mandato no governo.
Em Outubro de 2009, depois das legislativas, Cavaco revela ainda que a sua acção foi comedida – não foi “além do razoável” – na procura de um acordo político que ultrapassasse as dificuldades de um governo minoritário. Mas o ex-primeiro-ministro era um grande entrave a qualquer entendimento. Apesar disso, os avisos de Belém sucederam-se em 2010, com “múltiplas chamadas de atenção” em privado (nas reuniões semanais) ao primeiro-ministro para travar uma “forma obstinada de acção política”. O Presidente da República nunca perdoou a Sócrates a “falta de lealdade institucional, que ficará registada na história da democracia” que não notificou o chefe de Estado sobre as alterações ao programa.
Março de 2011 – Demissão do Governo
Com o país a atravessar uma grave crise financeira e económica, na sequência da crise mundial, Sócrates passa 2010 e 2011 a apresentar à oposição (já liderada por Passos Coelho) e aos parceiros europeus pacotes de medidas com vista ao combate da crise e à criação de soluções para fazer face ao défice e tentar controlar a dívida do Estado.
Apesar do consenso da Europa, o último – o chamado PEC IV - não teve o apoio dos partidos da oposição e foi chumbado pela Assembleia da República. Com a reprovação do PEC IV, Sócrates apresenta a demissão e é empurrado para o pedido de ajuda financeira, que leva à entrada da troika em Portugal.
Junho de 2011 – Derrota nas legislativas
Na sequência da derrota das legislativas de 2011, a vida Sócrates mudou e o ex-primeiro-ministro rumou a França para tirar o mestrado em Filosofia Política.
Janeiro de 2013 – Ligação à Octapharma
Em Janeiro de 2013 é contratado para presidente do Conselho Consultivo do grupo farmacêutico Octapharma para a América Latina, uma actividade que exerce “a par” dos seus estudos em Paris.
Abril de 2013 – O regresso à vida mediática
Um convite inesperado da direcção da RTP, em 2013, faz regressar José Sócrates, o “animal político”, como o próprio se descreveu numa entrevista em 2004, como comentador político e aproveita esse espaço semanal para fazer a defesa da sua governação.
Em Março, quando é conhecido o convite da RTP, começa a circular uma petição online contra o regresso de José Sócrates ao cometário politico. Mais de 100 mil pessoas assinaram a petição. Mas houve também uma petição a favor. Pouco mais de 3000 cidadãos deram o seu nome a favor do ex-secretário-geral do PS. Na altura em que começa a comentar na RTP, Sócrates dá uma entrevista em que acusou Cavaco Silva de ter sido a “Mão escondida por detrás dos arbustos” que levou à crise política que fez cair o seu último Governo.
A detenção agora o ex-primeiro-ministro do PS mancha a imagem de um político e que alguns viam como possível candidato a Presidente da República nas eleições de 2016.