Estado vende o pouco que resta sem ganhar dinheiro

Em pouco mais de três anos, foram-se praticamente todos os anéis. O que sobra para vender dará pouco ou nenhum encaixe. A par da TAP, o calcanhar de Aquiles do Governo, restam apenas a EMEF, CP Carga e Carristur.

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É a necessidade de injectar dinheiro fresco que motiva a venda da TAP PATRÍCIA DE MELO MOREIRA/AFP

As previsões de receitas com privatizações em 2015, inscritas no Orçamento do Estado (OE) entregue em Outubro, não deixam margem para dúvidas. O Governo estima um encaixe nulo com a venda de empresas no próximo ano. Mesmo que consiga arrecadar umas escassas dezenas de milhões de euros com a alienação da TAP, relançada na passada quinta-feira, é muito provável que nenhum dinheiro venha da alienação da EMEF, CP Carga e Carristur, já que as duas primeiras dão prejuízo e a última não vai além de lucros de 500 mil euros. Além disso, o passivo que carregam reduzirá a pó qualquer expectativa de ganhos. O benefício, para o Estado, é livrar-se deste fardo.

O segundo round da privatização da transportadora aérea, após o fracasso da primeira tentativa no final de 2012 com a rejeição da oferta de Gérman Efromovich, deverá garantir um encaixe muito residual. Além de a TAP continuar a apresentar prejuízos e de acumular uma dívida, a assumir pelos privados, na ordem dos 1000 milhões de euros, o processo incluirá todo o grupo (nomeadamente, a deficitária unidade de manutenção no Brasil). E, numa primeira fase, será alienado 66% do capital. Há dois anos, perante a privatização de 100%, Efromovich ofereceu apenas 35 milhões ao Governo, embora a situação financeira da empresa fosse pior.

Ainda na quinta-feira, o secretário de Estado dos Transportes assumiu que o objectivo não é fazer dinheiro, mas justificou a decisão com a necessidade de capitalizar a TAP e permitir que continue a crescer. A proibição de auxílios estatais no sector, a que todos os Estados-membros estão sujeitos, impede a entrada de capital público, o que tem obrigado a empresa a muito jogo de cintura para não perder o comboio numa indústria altamente competitiva.

Já em relação às restantes três empresas que surgem na lista de privatizações do OE para 2015, foi a própria ministra das Finanças que admitiu, no dia da apresentação do documento, que as expectativas de receita são baixas. Questionado pelo PÚBLICO, o Ministério da Economia preferiu não divulgar estimativas. “O Governo não tem por prática revelar a receita esperada com as privatizações para não dar qualquer indicação de preço mínimo ao mercado, salvaguardando assim o interesse público”, respondeu a tutela.

Já no que às motivações diz respeito, o ministério de António Pires de Lima deixou claro que estas empresas podem perfeitamente ser geridas por privados. “Já operam no mercado liberalizado e o serviço que prestam não configura um serviço público cuja detenção accionista necessite estar na esfera púbica”, afirmou fonte oficial da tutela, acrescentando que “não subsiste qualquer razão para o Estado deter empresas de transporte turístico [Carristur] ou concorrer no mercado de manutenção [EMEF] ou carga ferroviária [CP Carga]”.

Apenas a privatização desta última empresa estava, como a tutela lembra, “no memorando de entendimento assinado pelo anterior Governo” com a troika. A sua venda, que estava prevista logo para 2012, foi sendo sucessivamente adiada. O ministério justifica o atraso com o facto de ter aguardado “pela definição do investimento público nas infra-estruturas ferroviárias, entretanto aprovada pelo PETI3+”, um plano estratégico apresentado este ano.

A Comissão Europeia referiu recentemente que, na sequência da transferência dos terminais ferroviários da CP Carga para a Refer, está em curso uma reavaliação financeira da empresa, que a tutela diz estar ainda a ser feita “sob responsabilidade da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças”. Tendo em conta que a operadora de manutenção já não tem terminais e praticamente também não dispõe de frota, nem de recursos humanos próprios, o Governo respondeu que “serão privatizados os activos afectos à operação que não estejam relacionados com a infra-estrutura”. Uma “separação típica entre a operação e a infra-estrutura, à semelhança de outros activos como a rede ferroviária ou as infra-estruturas aeportuárias”, exemplificou.

Mas, das três subsidiárias dos transportes, a CP Carga poderá ser a última a ver a privatização concretizada, já que o Ministério da Economia acredita que “as primeiras operações a estar no mercado deverão ser a Carristur e a EMEF” por serem “de execução mais simples”. Os processos de alienação “estão em preparação pelas empresas em articulação com o Governo”, acrescentou. A tutela garantiu que os processos de concessão dos transportes públicos a privados, que envolvem as empresas-mãe destas subsidiárias (a Carris e a CP), entre outras, não vão afectar estas operações, nem em termos de modelo, nem de calendário. “Os mercados são distintos e não há interferência”, assegurou.

A CP Carga, a EMEF e a Carristur também são empresas muito diferentes. A primeira viu os prejuízos aumentar em 2013, para 23 milhões de euros e a segunda passou de lucros a perdas no espaço de um ano. Já a operadora do universo da Carris tem conseguido manter-se em terreno positivo, embora os ganhos não cheguem a um milhão de euros. Todas têm tentando sobreviver, nos últimos anos, às profundas reestruturações que o sector enfrentou, nomeadamente às imposições para cortar no pessoal.

No OE para 2015, o executivo não vai além destas empresas no programa de privatizações para o próximo ano, mas há outro caso, também do sector dos transportes, que ainda levanta dúvidas. Apesar de não constar na lista, a Refer Telecom já foi anunciada como vendável por António Ramalho, que preside ao grupo de trabalho que está fundir a Refer com as Estradas de Portugal. No entanto, o Ministério da Economia disse ao PÚBLICO que a empresa “é um activo a valorizar” no quadro desta fusão, acrescentando que “a própria Estradas de Portugal aproveitará o know how desta subsidiária para potenciar o canal técnico rodoviário”.

A Refer Telecom é a única empresa do sector ferroviário que dá lucro. Em média, os seus resultados líquidos rondaram os 2,6 milhões de euros nos últimos três anos. A empresa foi criada em 2000 quando a Refer decidiu autonomizar a componente de telecomunicações que está na base da segurança ferroviária. Aproveitando as redes de fibra óptica existentes, a Refer Telecom começou a vender serviços para o exterior que representam hoje 50% da sua facturação. A outra metade, porém, é o contrato com a empresa-mãe destinado a permitir que os comboios circulem em segurança.

A tutela veio garantir que “a componente de segurança ferroviária estará sempre salvaguardada, seja no cenário de privatização futura, seja se a empresa se mantiver na esfera pública”. Uma eventual venda servirá, de acordo com a mesma fonte, para “reduzir o enorme passivo financeiro da empresa, o que, de forma directa, contribuirá para a diminuição da dívida pública”, já que a empresa está integrada nas contas do Estado. Com Carlos Cipriano

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