Amnistia Internacional denuncia repressão de manifestantes em Angola

Relatório da organização de defesa dos direitos humanos documenta casos de intimidação e agressão de manifestantes e critica os expedientes usados pelas autoridades angolanas para impedir a realização de protestos contra o Governo.

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Manifestantes anti-Governo num protesto da Unita em Agosto de 2012 AFP/ESTELLE MAUSSION

Num relatório intitulado Punishing Dissent: Suppression of Freedom of Association And Assembly in Angola [Pressionando a Dissenção: A supressão da liberdade de associação e assembleia em Angola], divulgado esta quinta-feira, a Amnistia Internacional (AI) documenta inúmeros casos que comprometem o respeito pelos direitos humanos ou os tratados internacionais subscritos pelo Estado angolano – e põem em causa “a participação dos cidadãos” na vida pública e na democracia do país.

O ponto de partida para a investigação foi o dia 7 de Março de 2011, a data para que foi marcada uma manifestação de protesto contra o Governo do Presidente José Eduardo dos Santos, num gesto inspirado pelos movimentos de revolta popular da chamada Primavera Árabe. As 16 pessoas que acorreram ao Largo da Independência de Luanda, apesar da promessa de “medidas duras” contra os manifestantes veiculada pelo secretário do MPLA, o partido que está no poder desde 1975, acabaram por ser presas ao fim de 25 minutos.

Desde esse dia, e de acordo com a contabilidade da Amnistia, foram convocadas mais 30 manifestações ou acções de protesto – contra o Presidente, a violação dos direitos humanos, o elevado custo do ensino ou a falta de água e electricidade. E, segundo constatou a organização, em todos esses casos, “a resposta das autoridades angolanas violou os direitos de livre associação e assembleia e ainda a liberdade de expressão”, lê-se logo na introdução do relatório.

“A realização de manifestações pacíficas foi impedida mesmo quando foram cumpridos todos os preceitos legais para a sua realização e quando elas chegaram à rua foram suprimidas. A polícia levou a cabo detenções arbitrárias e usou força desmedida e desnecessária contra os manifestantes, incluindo com armas de fogo. Também se recusou a garantir a protecção dos manifestantes quando estes foram atacados por outros grupos que procuravam interferir com o seu direito ao protesto. Para finalizar, as autoridades sujeitaram os manifestantes a acusações com motivações políticas e julgamentos injustos”, escreve a AI.

Autoridades inviabilizam manifestações
Segundo salienta o documento, a ordem jurídica angolana estabelece o direito às reuniões e manifestações tanto no artigo 47 da Constituição como numa lei de Maio de 1991. Alguns aspectos dessa lei merecem reparos à Amnistia, que os considera “incompatíveis” com as obrigações internacionais do país em matéria de respeito pelos direitos humanos – por exemplo, as restrições que impedem a realização de manifestações até às 19h nos dias de semana, ou a possibilidade de a polícia rejeitar a realização desses actos a menos de 100 metros de distância de determinados edifícios.

O relatório apresenta em detalhe três casos de manifestações que foram inviabilizadas pela polícia com base no incumprimento de requisitos legais, de possível ameaça à ordem e segurança pública ou por causa da ocorrência de um outro evento no mesmo dia e à mesma hora – em todos esses casos a AI constatou que as autoridades não facultaram a informação necessária para justificar a recusa do acto ou para que os organizadores pudessem alterar a data ou o local das suas concentrações.

Um dos casos remonta a 25 de Maio de 2011, quando o Movimento Revolucionário de Intervenção Social quis organizar um protesto contra a pobreza extrema. Os cerca de 300 manifestantes foram recebidos no local marcado por um largo contingente policial, que incluía helicópteros, e uma ordem de dispersão por motivos de segurança, que foi posta em prática pelos agentes à força de bastões e de tasers.

O outro aconteceu em Setembro de 2013, depois do Movimento Revolucionário Angolano ter entregue um pedido para a realização de uma manifestação contra os despejos e detenções de vendedoras informais, conhecidas como "zungueiras". A solicitação nunca mereceu uma resposta oficial, mas, segundo o relatório da AI, os seus organizadores foram informados verbalmente de que o encontro não seria autorizado. Na data, um contingente de polícia montada e polícia militar procedeu à detenção de pelo menos 23 indivíduos suspeitos de querer participar na manifestação.

O terceiro caso envolve um pedido da Unita, o principal partido de oposição, para uma marcha de protesto pelo desaparecimento de Silva Alves Kamulingue e Isaías Sebastião Kassule, alegadamente mortos por agentes de segurança. A marcha foi recusada por coincidir com um comício do MPLA, mas centenas de angolanos desafiaram a proibição e acorreram ao Cemitério de Santa Ana, em Luanda, e a outros locais em vários pontos do país. O encontro foi reprimido por forças antimotim, com recurso a gás lacrimogéneo.

Manifestantes agredidos pela polícia
A Amnistia denuncia ainda inúmeros casos de assédio e intimidação de organizadores de protestos e manifestações – telefonemas, ameaças, raptos, detenções – “cujo intuito é impedir a realização desses actos”. O relatório identifica agressões a manifestantes por agentes do Estado conhecidos coloquialmente como “kaenches”: em protestos antigovernamentais de 2011 e 2012, vários indivíduos (homens e mulheres) foram atacados por estes agentes, que os espancaram com paus, pedras e objectos metálicos. Jornalistas e outras testemunhas deram conta da impunidade com que estes agentes agiram, perante o olhar cúmplice de outros polícias: “O falhanço das autoridades em garantir a segurança dos manifestantes constitui uma séria violação” dos direitos humanos e das convenções internacionais subscritas pelo Estado angolano, sublinha a organização.

Várias páginas do relatório relatam as experiências individuais de activistas e manifestantes que foram detidos, agredidos e nalguns casos até torturados pela polícia. Na maioria dos casos, os detidos nunca foram formalmente acusados, acabando por ser libertados – depois de um dia ou de um mês de encarceramento – sem serem presentes a um juiz. A Amnistia lamenta que o Governo não tenha conduzido “investigações credíveis” para averiguar o comportamento da polícia apesar das denúncias públicas – algumas completas com registo em vídeo de ataques da polícia a manifestantes.

À violência polícial e detenções arbitrárias e ilegais, a Amnistia ainda acrescenta outras violações dos direitos humanos dentro do aparelho judicial, apontando exemplos de recusa de representação ou de julgamentos injustos. Identifica também instâncias de supressão da liberdade de imprensa, com as autoridades a deter jornalistas que cobriam manifestações ou a impedir a sua entrada em julgamentos, ou sujeitos a processos por difamação ou ultraje ao Presidente, ou acusados de crimes contra a segurança do Estado.

O relatório foi produzido com base em informação recolhida em visitas a Angola realizadas entre Abril de 2012 e Março de 2014. Os representantes da AI reuniram-se com responsáveis governamentais e membros de organizações da sociedade civil, advogados e manifestantes. Todos os dados recolhidos foram sujeitos a verificação, garante a organização.

Em jeito de conclusão, a AI recorda que todos os cidadãos têm “o direito de se reunir e manifestar publicamente, incluindo para exprimir a sua insatisfação com o Governo”, e que as autoridades não podem “abusar dos seus poderes para arbitrariamente impedir manifestações”, agredir, deter e submeter manifestantes a acusações politicamente motivadas e processos judiciais injustos.

A organização deixa um apelo ao Presidente de Angola para “instruir as forças de segurança a parar imediatamente com a violência contra manifestantes e a respeitar as normas internacionais para o uso da força”. Pede também que o chefe de Estado assuma a responsabilidade de garantir a liberdade de expressão no país.

A Amnistia divulgou a sua investigação antes de Angola tomar posse como membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas (para o biénio 2015/16), o que acontecerá em Janeiro. Na mesma data, Portugal assumirá um assento no Conselho dos Direitos Humanos da ONU.

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