De vez em quando, vêm os jornais e despejam nas nossas redes sociais imagens da perturbante saga dos emigrantes africanos na sua impossível missão de alcançar a Europa. Todos nós, ainda que sem o desejarmos, voltamos a pôr os olhos nessa tragédia. Ainda tenho presente, ainda me lembro da última vez em que visitei as instalações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. E, de quando em quando, sonho com o "Comprovativo da situação fiscal regularizada" e "Comprovativo de inscrição na segurança social regularizada", papéis que me eram obrigatórios ter para renovar o meu cartão de residência.
Graças a uma fotografia de um tal José Palazón, volto a sentir um nó no estômago, o mesmo que sentia, eu e mais todos os estrangeiros em situação irregular, sempre que nos aproximávamos do número 20 da Av. António Augusto de Aguiar. Na imagem em questão – dois golfistas vestindo um branco Tide, aperfeiçoando o seu swing num campo imaculadamente aparado, uma vastidão de verde ondulando por pequenos montes, salpicado por algumas tamareiras e cercado por um muro de arame de seis metros de altura. No topo da cerca que separa Espanha de Marrocos, Europa de África, conto 12 africanos. Um número bíblico, uma mancha negra na paisagem idilicamente serena de um campo de golfe. Atrás daquele grupo de homens, o campo para imigrantes ilegais de Melilla, lugar para onde ninguém quer regressar, pois todos eles têm um sonho em comum, um desejo maior que os empurra para a frente – alcançar a Europa.
A imagem parece ficção, parece uma produção de Hollywood. Parece tão distante ou talvez seja o contrário, tornou-se tão comum que ficamos anestesiados, já não reagimos, já não nos exaltamos, nem sequer inundamos as nossas redes sociais com a desgraça alheia, que estranhamente é também a nossa desgraça. Mas não, ninguém quer abrir espaço para indignação no seu mural. Ninguém quer hipotecar a sua felicidade digital com imagens de imigrantes desesperados. Estas imagens não combinam com as selfies, as fotografias das férias e vídeos parvos que nos confortam e alimentam o ego. Não temos espaço para lamentar desgraças dos outros, uma desgraça que nos é tão familiar. Nós na diáspora, e até nós que nunca saímos de África mas que faz não muito tempo nos vimos obrigados a abandonar a nossa casa, fugindo a conflitos armados, fugindo à fome.
“Eran en torno a las 11 de la mañana. Los chavales han saltado por un sitio pegado al campo de golf y me ha parecido que era un buen momento para no sacar la típica foto de ellos, sino algo más simbólico, que me parecía que reflejaba muy bien la situación, las diferencias que existen aquí, todo lo feo que está pasando.” Declarações do senhor José Palazón, um veterano activista defensor dos direitos dos imigrantes da associação Pro.De.In que opera naquela zona. Não é novidade para ninguém, todos os anos centenas de africanos tentam chegar à Europa procurando furar caminho através das redes que separam Marrocos dos enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla. Segundo o ministro do Interior espanhol, desta vez, cerca de 200 tentaram a travessia e 20 tiveram sucesso: 20 homens, filhos, irmãos e até pais de alguém se encontram a monte, ilegais numa Europa que não os quer mais e beneficia da instabilidade vivida nos seus países de origem.
Mas esqueçamos a Europa por instantes. E olhemos para nós africanos que continuamos à mercê da caridade ocidental e dos organismos de solidariedade criados por estes em nome da defesa dos direitos humanos. Quanto tempo teremos de esperar até vermos germinar das cabeças que lideram o destino do continente berço da humanidade soluções para o estancar deste êxodo africano para as terras do Norte?