Duas decisões, dois exemplos
Doente diz que nunca conseguiu falar com o advogado e mulher não conseguiu provar que não sofria de doença mental
O internado veio dizer em tribunal que foi a sua mulher, com quem mantinha mau relacionamento, que o encaminhou para uma consulta de psiquiatria, “na qual, a médica, sem o observar, elaborou um relatório, onde referia a necessidade do seu internamento compulsivo”. Contou depois ao tribunal que agentes da PSP o conduziram ao Hospital de Santa Maria, onde, “sem qualquer exame, foi determinado o seu internamento”.
O homem defendeu ainda que a secretaria judicial do tribunal que confirmou o seu internamento compulsivo, no ofício de notificação, o identificou mal e, por causa desse erro, nunca teve direito a defesa. “Estando fortemente medicado e sedado, impedido de sair do hospital e com limitados contactos com o exterior, não teve conhecimento da nomeação do defensor, nem tão pouco teve possibilidade de ter qualquer contacto com o processo, o qual só conheceu após a alta hospitalar". O internado diz ter vivido uma situação “vexatória e humilhante e, que tudo isso afectou a sua honra e bom-nome”, tendo pedido em primeira instância a condenação do Estado português no valor de 600 mil euros pelos danos que lhe causou.
O Tribunal de Relação de Lisboa condenou o Estado português a pagar “10 mil euros pelos danos não patrimoniais resultantes da privação das suas liberdades”. O Estado recorreu e o Supremo Tribunal de Justiça veio dar-lhe razão, dizendo que “apesar de se ter rebelado contra o tratamento, o aceitou inicialmente, o que implica o reconhecimento da sua doença”, acrescentando que “a proposta de internamento compulsivo subsequente teve a tramitação adequada. Estava perfeitamente ao alcance do internado fazer cessar, de imediato, o internamento. Apenas teria que se disponibilizar para o tratamento ambulatório.”
Mulher não conseguiu provar que não sofria de doença mental
Uma mulher, internada compulsivamente no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental de Braga, veio contestar a decisão médica, alegando que não sofre de doença mental. O Tribunal da Relação de Guimarães, numa decisão de 6 de Fevereiro de 2006, não lhe veio dar razão, confirmando o que tinha ficado provado em primeira instância: que a pessoa internada, que na altura da decisão tinha 72 anos, sofre “de anomalia psíquica, com carácter grave” e encontravam-se à data do internamento “em perigo bens jurídicos próprios e alheios”, um dos requisitos previstos na Lei de Saúde Mental para o internamento compulsivo.
O tribunal, numa decisão tomada por unanimidade, refere que foram seguidos todos os trâmites previstos na lei, nomeadamente o facto de ter sido avaliada por dois psiquiatras. Conclui-se que, apesar de a doente internada dizer “não padecer de qualquer doença mental”, não foi acrescentada “a mínima a fundamentação”, sem ser “uma declaração obtida pela recorrente junto de médica especialista psiquiatra, que diz que, à observação, a mesma não apresentava sintomatologia alucinatório-delirante”.
Os juizes da Relação dizem que “comprovadamente, a examinada não reconhece a sua doença e recusa por isso qualquer intervenção terapêutica", sendo que as suas alterações comportamentais “têm acarretado graves repercussões" na própria e nas pessoas que com ela convivem. Na sentença escreve-se que “o quadro clínico descrito autoriza, mesmo a um não perito, concluir pelo risco para a vida e a integridade física da internada, pelo que ficariam assim, claramente em risco, bens de relevante valor, caso se não enveredasse pela solução do internamento."