Comissão criada para receber reclamações de internados não existe há seis anos
Para o psiquiatra forense Fernando Almeida, a ausência deste órgão “fragiliza os internados e o próprio sistema, nomeadamente os médicos”.
O director do Programa Nacional para a Saúde Mental, Álvaro Carvalho, informa que foi esta terça-feira finalmente publicado o despacho conjunto dos ministros da Saúde e da Justiça que constitui a comissão para acompanhamento da execução do regime jurídico do internamento compulsivo, mas diz que este facto nada tem a ver com a divulgação pública do caso de Carlos Rodrigues. O responsável informa ainda que os serviços jurídicos da Direcção-Geral da Saúde deverão enviar este caso para a Procuradoria-Geral da República no sentido de se saber se houve alguma irregularidade na forma como foi conduzido.
Foi em 2007 que este órgão auto-suspendeu o seu mandato “por problemas relacionados com ajudas de custo”, lembra o director do Programa Nacional para a Saúde Mental. A ausência desta estrutura mereceu a Portugal duas chamadas por parte do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes do Conselho da Europa.
Para o psiquiatra forense e presidente do conselho científico do Instituto Universitário da Maia, Fernando Almeida, a ausência deste órgão “fragiliza os internados e o próprio sistema, nomeadamente os médicos”.
Álvaro Carvalho refere que a ausência desta comissão faz com que não existam dados sobre o número de internamentos compulsivos desde 2007, último ano em que foram recolhidos, quando representavam quase 10% das admissões de doentes em psiquiatria (1911 em 19.356). O internamento compulsivo tem enquadramento legal desde 1998, quando entrou em vigor a Lei de Saúde Mental. Nesse ano foram admitidos apenas 513 doentes (2,8% do total), número e proporção que foi aumentando de ano para ano.
À falta de dados nacionais existem dados das instituições. No Hospital Magalhães de Lemos, no Porto, por exemplo, o número estava acima da última média nacional: no ano passado os internamentos compulsivos representaram 15,7% do total de admissões (602 em 3829), no Júlio de Matos, em 2009, a proporção era muito semelhante, 15,3% (439 compulsivos para 2877 internamentos, referem os dados que Fernando Almeida recolheu).
Num estudo que levou a cabo no Magalhães de Lemos constatou que nos diagnósticos atribuídos durante a admissão há “um predomínio dos doentes que padecem de esquizofrenia, mas também uma atitude cautelosa dos psiquiatras, que por vezes subscrevem o diagnóstico à entrada ‘de doença não diagnosticada, não especificada’, ou seja, doença em estudo. Estes doentes em estudo são, predominantemente, doentes psicóticos”, lê-se no estudo publicado, em 2008, na revista Psiquiatria, Psicologia & Justiça, algo confirmado à data das altas hospitalares. A maior parte dos internamentos compulsivos acontecem sobretudo no internamento de urgência.
Fernando Almeida sublinha que, comparativamente com outras leis de saúde mental europeias, a lei portuguesa oferece mais garantias ao internado, uma vez que obriga a uma decisão judicial e “remete para os tribunais a defesa dos direitos de cidadãos”. Em países como Espanha, Suécia, Áustria, Finlândia ou Irlanda, é o psiquiatra quem, tal como em Portugal, decide a o internamento, mas, por exemplo, no Reino Unido pode ser a polícia ou o médico mais o assistente legal, em Itália é o Departamento de Saúde Pública, na Grécia é o Ministério Público, referem os dados que recolheu. Olhando para as taxas deste tipo de internamentos, Portugal surge, por comparação, a meio da tabela, com cerca de 7,4% de internamentos compulsivos no total de internamentos psiquiátricos (em 2005). A Finlândia tem, nestes dados recolhidos pelo médico, o valor mais alto: eram em 2000 21,6%, acima da Dinamarca, que tem os valores mais baixos, 4,6% em 2000.
O presidente da Associação de Apoio aos Doentes Depressivos e Bipolares, Delfim Oliveira, diz que entre os seus cerca de 4000 associados já houve queixas de pessoas internadas compulsivamente, às vezes uma ou duas vezes na vida, “que ficam revoltadas a posteriori”, mas que, se tiverem acompanhamento médico posterior, normalmente acabam “por compreender”. Do que conhece este instrumento só é accionado “como última instância, em situações extremas, quando as pessoas já não conseguem gerir a sua vida” e “em situações em que estava em causa a sua vida e bens ou da família”.