Inovação e formação: uma área para investimentos prioritários

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Para que as empresas portuguesas tenham sucesso ao concorrer com as suas rivais estrangeiras têm de melhorar a sua produtividade, medida pelo quociente “valor acrescentado” / “factor produtivo utilizado”. Essa melhoria depende fundamentalmente do ingénio com que são introduzidas inovações capazes de aumentarem o numerador e diminuírem o denominador.

O valor acrescentado associado a cada produto ou serviço decorre da disposição que os potenciais clientes têm para pagar o seu preço em confronto com os produtos concorrentes – se os houver, porque um processo de inovação contínua permite frequentemente reduzir ou eliminar alternativas – e da capacidade para conseguir custos baixos em toda a cadeia de produção até ao consumidor final. Assim, a inovação que conta não se confina à introdução de produtos novos ou com características mais apetecíveis, sendo igualmente importante nas áreas dos processos de produção, de comercialização e de gestão das empresas.

Mas não basta disponibilizar inovação. Os resultados sobre o crescimento dependem da sua adopção e do modo como é aproveitada – tudo consequência da formação das pessoas envolvidas, desde os investigadores até quem está nos postos de trabalho que a utilizam.

Tornam-se assim prioritários investimentos públicos e privados na investigação, na formação profissional e na literacia geral e, pelo menos no imediato, de modo muito selectivo. São áreas onde existe grande margem de manobra para o Governo adoptar políticas discriminatórias, se bem que tenha de vencer interesses e grupos de pressão poderosos.

Investir na inovação

Apesar dos progressos dos últimos anos, continuamos muito atrasados em relação aos países com que temos de nos bater e os resultados das políticas públicas e da acção das empresas no domínio da inovação têm sido muito insuficientes. A despesa feita em investigação, além de ser escassa (Gráfico 1), não pode ser utilizada como medida de resultados.

Sem menosprezar o interesse da investigação fundamental – que, aliás, poucas vezes é aproveitada por entidades portuguesas – teremos de concentrar esforços na investigação aplicada e no desenvolvimento experimental, como acontece na Irlanda e Coreia do Sul (Gráfico 2), envolvendo quem investiga e quem pode aproveitar os resultados da investigação.

O número de patentes portuguesas é desolador, não obstante a quantidade de artigos portugueses aceites em publicações científicas de prestígio.

Os custos da inovação não estão sempre fora do alcance de empresas de média dimensão e a sua insuficiência em Portugal deve-se muito mais a uma questão cultural: os empresários não assumem a necessidade de afectarem em continuidade recursos à melhoria das funcionalidades dos produtos, à implantação de novos processos de comercialização promoção e organização. Mas reconhece-se também que com frequência se tornam necessários financiamentos vultosos para produzir inovação e que é grande o risco de não haver retorno.

As empresas que em Portugal têm produzido inovação são em pequeno número e o investimento empresarial total nessa área é irrisório (ver gráficos 3 e 4); sem subestimar a importância da inovação gerada por outras vias (retorno de emigrantes, transferência de técnicos e gestores de empresas estrangeiras para portuguesas e, principalmente, investimento directo estrangeiro), recai sobre o Estado grande responsabilidade.

Em muitos países tem havido importantes ajudas de Estado à inovação no sector empresarial, sem suscitar oposição de autoridades comunitárias ou de organizações de comércio internacional. Uma via são as encomendas feitas em domínios estratégicos, de que é paradigmático o caso dos Estados Unidos na área militar, com amplas repercussões na inovação noutros sectores; o Plano Hidroeléctrico constituiu talvez o mais importante caso de sucesso no nosso país pelo seu impacto em inovação na engenharia civil. Outra via é o financiamento de centros de investigação ligados ou não a Universidades, mas agindo em estreita cooperação com o mundo das empresas. Não havendo em Portugal oportunidades significativas pela primeira, há que agir na segunda, particularmente utilizando uma fatia mais substancial das verbas do Acordo de Parceria.

Mas não basta aumentar o financiamento.

Em primeiro lugar, há que introduzir responsabilização pelos resultados. Sendo a taxa de sucesso relativamente baixa, as métricas têm de ser referidas a grandes conjuntos de projectos de investigação, se necessário através da associação voluntária de centros que, para se candidatarem a financiamento, decidam compartilhar resultados. Esses resultados devem referir-se a projectos com retornos concretos, medidos em períodos móveis de, pelo menos, três anos, e o financiamento público para cada período seguinte deve ser contratualizado em função dos resultados obtidos no período anterior. Reconhece-se que uma política deste tipo, com consistência ao longo do tempo, obriga a compromissos políticos de médio prazo, talvez não difíceis de alcançar.

Em segundo lugar, os resultados devem ser recompensados. Por um lado, contratualizando a comparticipação nesses resultados pelos centros de investigação e pelas empresas, induzindo à cooperação entre ambos; por outro, através da conversão em créditos fiscais do esforço financeiro privado que for traduzido em resultados [1]. A participação de empresas nos órgãos decisórios dos centros de investigação, públicos ou privados, vai no mesmo sentido.

Em terceiro lugar, preconiza-se que os centros de investigação contratem pessoas com experiência de gestão e de investigação com provas dadas noutros países, permitindo a transferência de sistemas de organização, de métodos de trabalho e de processos de avaliação (o que terá, certamente, forte oposição interna).

Em coerência com o que se tem defendido, a influência dos resultados efectivos da investigação nos incentivos e no financiamento público dos centros deve ser graduada em função do valor acrescentado, do emprego gerado e da actividade, descriminando positivamente os bens e serviços transacionáveis.

Um sistema deste tipo, especialmente se for complementado por financiamento em capital de risco e apoio organizacional e administrativo, pode servir de estímulo à utilização dos resultados da investigação pelos próprios investigadores, induzindo-os a criar as suas próprias empresas.

Investir na formação orientada à profissão

Sem profissionais competentes e versáteis, a inovação não se converte em aumentos de produtividade nem, consequentemente, em crescimento económico.

Para isso, a formação profissional deve responder a necessidades efectivas expressas pelas empresas, pelo sector público e por organizações não-governamentais e ser concebida e executada com significativa participação dessas entidades. Deve atender-se também às que decorrem de políticas públicas de aproveitamento de oportunidades, como poderão ser os casos da agricultura e da silvicultura.

As empresas grandes, principalmente as inseridas em grupos internacionais, não só sabem das suas necessidades como têm recursos para, isoladamente ou em associações que elas mesmas promovem, fazerem formação profissional específica. Constituem, assim, um parceiro precioso, fonte de informação e de recursos dificilmente obteníveis de outro modo. Em contrapartida de cofinanciamento, oriundo das próprias empresas, do orçamento geral do Estado, das autarquias e da União Europeia, essas empresas devem ser desafiadas para implantarem novas estruturas de ensino profissional ou desenvolverem aquelas em que já participam, alargando substancialmente a oferta de ensino ao exterior. Conhecem melhor as necessidades do mercado do que eventuais organismos públicos a isso dedicados, podem disponibilizar pessoal para fornecerem formação inacessível de outro modo, remunerando-o de modo adequado, conhecem os equipamentos em cada momento mais adaptados, conseguem obtê-los em condições favoráveis, têm condições para proporcionar estágios, evitam a estagnação com a injecção contínua de novos programas e de novos formadores.

Em sectores sem grandes empresas mas onde exista dinâmica associativa e processos tecnicamente avançados, será também possível implantar ou desenvolver centros de formação eficazes. Certo é que, sem envolvimento interessado dos empregadores, os resultados não serão bons. Tanto no que respeita à formação profissional como à investigação aplicada é, assim, indispensável acção pública na promoção de associações entre empresas, universidades e escolas profissionais.

Para acelerar resultados, há que recorrer a profissionais estrangeiros, mesmo que com custos aparentemente elevados, em áreas que vão muito para além da produção; mesmo com bons produtos e boas técnicas de produção, métodos avançados de comercialização e de gestão são essenciais ao sucesso, particularmente nos mercados externos.

Também aqui se insiste numa continuada responsabilização pelos resultados. A avaliação da formação deve ser feita através de indicadores de empregabilidade e de qualidade da prestação profissional dos formados, com preponderante participação dos empregadores, evitando que o sistema fique prisioneiro das concepções e interesses das entidades formadoras.

A insistência em cursos profissionais de curta duração consumiu recursos financeiros sem resultados visíveis, quer pela impossibilidade de se transmitirem, em prazos curtos, conhecimentos operacionalizáveis, quer por insuficiências de conhecimento dos participantes. Assim, o acesso a cursos profissionais deve ser antecedido da avaliação das capacidades dos candidatos e, se necessário, de formação geral prévia.

Investir em formação técnico-profissional de base

Vir a ter bons profissionais em quantidade depende muito da detecção precoce das aptidões e motivações particulares dos jovens e de se lhes oferecer formação diferenciada. Não é só na música que começar cedo confere uma vantagem profissional importante. Reduzir desigualdades de oportunidades não é submeter todos os jovens a uma educação indiferenciada, mas sim aproveitar devidamente o que cada um tem de melhor; ao contrário do que se tem querido fazer supor, o ensino técnico profissional, que foi destruído em nome de preconceitos e utopias, permitiu que muitos filhos de classes pobres se tornassem profissionais de grande qualidade e prestígio nas mais diversas áreas.

A diferenciação preconizada, que deve incluir muitas áreas profissionais, tem dois pressupostos essenciais: o da oferta de uma capacidade de progressão contínua dentro de cada área e o de manter em aberto a possibilidade de cada jovem mudar de rumo em sucessivos patamares de formação

Esta aproximação exige uma formação contínua de professores, particularmente das disciplinas em que a evolução é muito rápida, a sua inserção periódica em organismos públicos ou privados onde as matérias que ensinam sejam instrumentais e a avaliação contínua dos seus conhecimentos, práticas pedagógicas e resultados.

A Alemanha e outros países europeus têm sistemas com resultados notáveis que devem ser estudados e adaptados a Portugal.

Investir na formação geral

Não se aborda nestes textos a questão do ensino em geral, aliás por todo o lado insistentemente tratada. Apenas duas notas.

A primeira para vincar que sem melhorar a qualidade dos professores não é possível melhorar a qualidade do ensino, realçando-se a pertinência do referido no título anterior.

A segunda, alertando para iliteracia adulta, onde os indicadores revelam grande desigualdade com muitos países europeus, que há já muitas décadas atingiram patamares superiores à nossa situação actual. Em consequência, muitas pessoas são insusceptíveis de formação nas tecnologias exigíveis por produções de alto valor acrescentado, as únicas que podem proporcionar emprego com remunerações decentes e crescimento económico significativo.

Sem capacidade de escrita, leitura e interpretação e sem domínio de métodos matemáticos elementares, não é possível compreender manuais, entender, transmitir ou executar corrctcamente instruções, encontrar soluções para os mais triviais problemas correntes em contextos profissionais.

A esta área devem ser afectados recursos significativos, particularmente fundos comunitários, mesmo que em detrimento de projectos de obras públicas. Complementarmente, há que melhorar o subsídio de desemprego para aqueles que adiram e tenham bons resultados nos correspondentes programas de formação.
 

[1] A transparência aconselha a utilização de júris de avaliação e a divulgação pública das decisões e fundamentações; devem, evidentemente, ser prevenidas acumulações de apoios.

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