António-Pedro Vasconcelos rejeita críticas à escolha dos júris do cinema

A associação de realizadores que o cineasta integra, a ARCA, reagiu esta quarta-feira à demissão de vários representantes do sector da Secção Especializada do Cinema e do Audiovisual com um comunicado em que afirma que o processo de escolha dos jurados foi correcto e transparente.

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“É impossível que os resultados sejam postos em causa, porque eles próprios reconhecem que foi tudo legal”, diz o cineasta, que votou ao lado dos representantes do sector audiovisual. Os que agora protestam contra a concertação de votos “deviam era ter vergonha e estar calados”, afirma Vasconcelos, já que parte deles, acusa, “foi cúmplice, ano passado, de uma votação, essa sim, viciada desde o princípio”.

Saudando a presidente do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA), Filomena Serras Pereira, pela “forma transparente como tudo foi feito” desta vez, e afirmando não querer “criar polémicas” nem “insistir no que se passou na eleição anterior”, António-Pedro Vasconcelos recorda apenas que, juntamente com o realizador José Carlos Oliveira, apresentou então uma queixa ao Provedor de Justiça, acusando o ICA de vários “procedimentos ilegais na nomeação dos jurados”. E acrescenta ter já recebido resposta a dizer que fora organizado um processo e que as "autoridades visadas" iriam ser "questionadas".

“Não pedi à tutela para anular a escolha dos júris, limitei-me a perguntar ao Provedor se o processo fora legal “, observa o cineasta, sugerindo aos que contestam os resultados deste ano para lhe seguirem o exemplo e pedirem que seja verificada a legalidade dos procedimentos.

Na votação de 2013, relembra o cineasta, “o ICA apresentou listas fechadas, sem indicar o método que usou para chegar àqueles nomes, e não foram indicados muitos dos curricula, nem quem tinha indicado quem, ou porque é que alguns nomes tinham sido excluídos, ou alguns jurados apareciam em seis concursos ao mesmo tempo”. Vasconcelos diz que só após um pedido por escrito é que o ICA facultou a documentação relativa à escolha da lista de nomes proposta, e que esta “demonstrou que um pequeno número de membros da SECA dominara a escolha dos jurados”.

Na queixa ao Provedor de Justiça, a que o PÚBLICO teve acesso, os signatários adiantam o exemplo de Luís Urbano, da produtora O Som e a Fúria, que “conseguiu que, entre os 23 jurados efectivos dos cinco principais concursos de apoio à produção cinematográfica, 17 fossem escolhidos por ele, sendo que, num desses concursos, precisamente aquele em que, enquanto produtor, poderá concorrer – Produção de Longas-Metragens I –, todos os 5 membros efectivos são nomes por ele propostos”.

Vasconcelos e José Carlos Oliveira, ambos da Associação de Realizadores de Cinema e Audiovisuais (ARCA), elaboraram então uma lista alternativa, que foi aceite, e que, diz o cineasta, teria ganho por um voto se a presidente do ICA não tivesse votado ela própria na lista que propôs e se não tivesse usado o voto de qualidade que a lei lhe atribui para desempatar o resultado. Desta vez, elogia o cineasta, “ todos os organismos do Estado representados na SECA se abstiveram”.

Comentando as anunciadas demissões, designadamente a de Margarida Gil, representante da Associação Portuguesa de Realizadores, o cineasta de O Lugar do Morto (1984) ou do recente Os Gatos Não Têm Vertigens diz que espera ainda para confirmar se esta e outras associações “saem mesmo da SECA”, já que essa não é necessariamente uma consequência da demissão dos seus representantes. E menoriza as consequências da já anunciada indisponibilidade de 18 jurados para integrar os júris para os quais forem eleitos, já que “a maioria deles eram suplentes”, e talvez por isso tenham encarado com alguma susceptibilidade o resultado da votação.

Segundo o comunicado da ARCA, co-assinado por Vasconcelos e José Carlos Oliveira, ambos membros da SECA, os jurados que se demitiram representariam apenas 12 por cento do total, pelo que não estaria em causa “o funcionamento de nenhum dos júris legitimamente eleitos”.

Desactivar a SECA

Os cineastas, produtores e programadores que promoveram na última sexta-feira uma conferência de imprensa no DocLisboa para desafiar o secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, a suspender o actual sistema, que acusam de “legalizar o tráfico de influências”, querem ver desactivada a SECA e devolvida ao ICA a competência para nomear directamente os júris para os concursos do cinema.

Vasconcelos não poderia estar menos de acordo. “Sempre defendi que não deve ser o Estado a decidir quem filma ou quem escreve ou quem faz música". Acha, por isso, que "o sistema está todo errado desde o princípio”, mas defende que o método agora encontrado “sempre é mais democrático". Uma ideia retomada no comunicado da ARCA, que vê vantagens em se "ter remetido para um conselho colegial, representativo do sector, a decisão que, desde o 25 de Abril, estava na mão do Estado".

O cineasta crê também que “hostilizar as televisões, os distribuidores e todos aqueles que pagam taxas para financiar o cinema português é uma táctica um bocado suicida”.

Admitindo que o país não tem uma massa crítica de espectadores que possa sustentar uma indústria de cinema sem quaisquer apoios públicos, acha que terá de haver sempre um complemento do Estado, e que a este caberá, em qualquer caso, “assegurar apoios a primeiras obras” e satisfazer outras necessidades a que o mercado nunca responderá. Mas argumenta que se devem criar condições para se desenvolver uma rede de produtores independentes, que possa angariar parte do dinheiro para os seus filmes, cabendo ao Estado um papel supletivo.

E que a escolha dos filmes a apoiar tome em consideração o financiamento que os respectivos produtores já conseguiram no mercado, bem como os resultados de bilheteira de obras anteriores do realizador em causa e outros dados que considera  mais objectivos do que “o critério da potencialidade artística e cultural do projecto, que é uma coisa que dá para tudo”.

Se reconhece que um filme com 50 espectadores pode ser melhor do que outro que teve 300 mil, mas que o contrário é igualmente plausível, acha que “não se pode sistematicamente privilegiar filmes com poucos espectadores e considerar comercial qualquer filme que tenha muitos”. Uma lógica que, argumenta, sacrificaria realizadores tão populares no seu tempo como Capra, Chaplin, Ford ou Hitchcock. E lembra que “cinema de autor foi uma expressão criada por Truffaut nos anos 50 justamente para defender que Hitchcock era um grande autor”.

Polémica chega a França

A alternativa que propõe passa por garantir que televisões, operadores por cabo, editores de vídeo, programadores de conteúdos audiovisuais, empresas de telecomunicações e todas as outras entidades do sector financiem o cinema português, mas permitindo-lhes escolher os projectos em que querem investir, desde que cumprindo algumas regras destinadas a garantir a isenção do processo.

Vasconcelos reconhece a possibilidade de esta alternativa vir a favorecer um determinado tipo de cinema, do mesmo modo que acha que o sistema que foi vigorando em Portugal nas últimas décadas privilegia um outro género de filmes, mas acha que “é tempo de equilibrar um bocadinho as coisas”. E diz que, “com todos os seus defeitos”, prefere o mercado. “Os meus colegas realizadores estão sempre a queixar-se de que não há mercado para o cinema português, mas fazem tudo para que ainda haja menos: é como o menino que mata os pais e depois vai a tribunal pedir a complacência do juiz porque é órfãozinho”.

A crise provocada pela escolha dos júris que irão decidir os próximos apoios ao cinema português já chegou à imprensa francesa, com extensos artigos publicados na revista Les Inrockuptibles, que titula “Em Lisboa, o cinema de autor une-se contra as derivas liberais”, ou no diário Le Monde, que escolhe como título “O cinema independente português trava um braço-de-ferro com o Governo”.

Segundo o Le Monde, o que está em causa é “levar o Governo a retomar nas suas mãos uma política cultural a que teria renunciado em 2012, quando foi promulgada a nova lei do cinema”. O diário francês cita Cíntia Gil, do DocLisboa, a explicar que “as televisões ficaram descontentes no ano passado” e este ano “fizeram pressão para que a votação se passasse de outra forma”. O resultado, prossegue Gil, foi que o ICA se absteve de votar e “o júri é uma catástrofe”, que inclui “uma maioria de gente que não tem nada a ver com o cinema de criação, realizadores muito comerciais e actrizes de telenovelas”.

O Le Monde ouviu também o produtor Paulo Branco, que concorda com Cíntia Gil na crítica a um sistema “que o poder concebeu para poder lavar as mãos” do assunto, mas para quem o resultado da votação deste ano configura “uma alternância normal”. Para Paulo Branco, “estas demissões são reacções de maus perdedores, que aceitaram participar no sistema quando ainda pensavam que o podiam dominar”.

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