Brasil: os perigos do novo ciclo económico
Ao longo da sua história, os recursos naturais não tornaram o Brasil num país desenvolvido. Terá agora de conseguir escapar a um novo ciclo económico.
A história do Brasil é, normalmente, vista como uma série de sucessivos ciclos económicos: pau-brasil – açúcar – ouro – café – borracha. Cada ciclo caracteriza-se pelo domínio virtualmente absoluto de um produto e de uma localização.
O primeiro ciclo económico (inícios de 1500) baseou-se no pau-brasil, que deu o nome ao país. Grande parte do território estava coberta por uma madeira para tinturaria que faria nascer – na expressão do geógrafo francês Jean Demangeot – o “Brasil português”.
A cana-de-açúcar foi a base do ciclo económico seguinte. Centrado no Nordeste, o cultivo do açúcar geraria enormes lucros entre os séculos XVI e XVIII. O Brasil tornou-se então o principal produtor açucareiro do mundo. Mas a expulsão dos holandeses levaria ao aparecimento de concorrentes na América Central e Caraíbas, com o consequente fim do ciclo brasileiro do açúcar.
Em finais do séc. XVII, a descoberta de um verdadeiro “Eldorado” – no que é hoje o Estado de Minas Gerais – deu origem a um novo ciclo que duraria menos de um século devido ao esgotamento das reservas de minérios.
O quarto ciclo foi o da borracha amazónica. Contudo, em finais do séc. XIX, sementes de seringueira foram contrabandeadas para fora do país: em poucos anos o Brasil perderia para sempre qualquer importância no mercado mundial deste produto.
O quinto ciclo inicia-se na segunda metade do séc. XIX com a introdução de cafezeiros (oriundos da Etiópia) nas férteis terras do Rio de Janeiro e São Paulo. O Brasil sozinho exportaria mais café do que todos os restantes países do mundo juntos. No momento da crise mundial de 1929-1932 a produção brasileira atingia a cifra colossal de 1,8 milhões de toneladas anuais que, de repente, passou a não ter compradores.
Esta sequência de ciclos económicos está na origem de profundos desequilíbrios sociais e territoriais. As metáforas multiplicam-se: o Brasil seria o “Ingana” (com os impostos da Inglaterra mas os serviços sociais do Gana) ou a “Belíndia” (Bélgica + Índia).
Hoje, com um deficit em 2013 – apenas em bens manufacturados – de 83 biliões de dólares o país está vez mais dependente das exportações de matérias-primas: cereais, carne, energia.
As sucessivas descobertas de novas reservas de petróleo e gás natural (em particular no chamado “pré-sal”) trouxeram o Brasil para o grupo dos países produtores líquidos de energia. As exportações de soja para a China (juntamente com as de açúcar, café, carne bovina) justificam a designação de “fazenda do mundo”.
No entanto, enquanto até 2010 o PIB brasileiro crescia a 7% ao ano, hoje o aumento do PIB potencial está abaixo dos 2%, com o investimento a descer mais de 10 pontos (percentuais). Cerca de 70% dos recém-chegados ao mercado de trabalho arranjam emprego nos serviços, com níveis de produtividade muito baixos.
Mesmo o agrobusiness é alvo de críticas por parte dos ambientalistas mais radicais, de que a ex-candidata presidencial Marina Silva – actual apoiante de Aécio Neves – é uma das principais porta-vozes. Caso este venha a ser eleito, será interessante ver como irá equilibrar os interesses dos “Verdes” com o dos grandes empresários agrícolas (que votam Aécio).
A tentação de resolver os graves problemas sociais e a falta de infra-estruturas com recurso às “fáceis” receitas da exportação do petróleo é compreensível. Mas a grande lição da ciência económica no último quartel do séc. XX foi a de que o simples jogo das vantagens comparativas não assegura o crescimento. Se nada fosse feito em contrário, a Coreia do Sul limitar-se-ia hoje a exportar arroz. O que interessa são as vantagens dinâmicas, de longo prazo.
Ao longo da sua história, os recursos naturais não tornaram o Brasil num país desenvolvido. Terá agora de conseguir escapar a um novo ciclo económico, semelhante aos anteriores, com as já conhecidas consequências.
Docente da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa (FCSH/NOVA)