Passos promete cláusula de salvaguarda para impedir que famílias sem filhos sejam prejudicadas no IRS

Fiscalistas ouvidos pelo PÚBLICO dizem que a solução é tecnicamente construível, mas complexa.

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Pedro Passos Coelho na segunda-feira durante uma visita a Esposende Adriano Miranda
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Paulo Núncio, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Enric Vives-Rubio

Há apenas a garantia política de que tal não vai acontecer. A solução ficou por esclarecer. Mas Passos não se coibiu de criticar as contas feitas por “umas auditoras”. O Governo apresentou a reforma do IRS na última quinta-feira, mas ainda não revelou o diploma.

As declarações surgiram depois de, também esta manhã, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, ter reafirmado que a reforma “não determinará, em circunstância alguma”, um agravamento do imposto para estas famílias. Numa visita a Arcos de Valdevez, Pedro Passos Coelho explicou que “ao nível da discussão na especialidade” será dada essa salvaguarda. A reforma do IRS “não quer prejudicar os que têm menos filhos”, mas sim “dar um incentivo aos que têm mais filhos”, afirmou.

No Parlamento, onde a ministra das Finanças foi ouvida com a sua equipa de secretários de Estado sobre o Orçamento do Estado (OE) para 2015, Paulo Núncio contrariou simulações publicadas em vários jornais (incluindo no PÚBLICO), feitas com base nas informações conhecidas até ao momento sobre a reforma.

O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais afirmou que as simulações podem estar baseadas em pressupostos errados e recomendou que se espere até que seja conhecido o diploma da reforma do IRS para então se iniciar uma “discussão séria” sobre o tema. No entanto, o próprio Ministério das Finanças distribuiu simulações aos jornalistas no momento exacto em que o governante apresentava a reforma, na última quinta-feira. Nenhum dos cenários apontava para um agravamento do imposto.

Segundo simulações da consultora PwC, há casos em que contribuintes solteiros sem filhos beneficiam de uma descida do IRS, mas há também situações em que o imposto a pagar pode aumentar no próximo ano. Tudo depende de variáveis como o rendimento em causa e as despesas realizadas (e o próprio tipo de despesa em causa). É preciso ter em conta estas particularidades do agregado familiar para se perceber se cada um vai pagar mais ou menos.

O PÚBLICO questionou nesta terça-feira o Ministério das Finanças se da proposta de lei constará já a “cláusula de salvaguarda” que Passos quer ver discutida na especialidade, mas não obteve resposta até ao momento. Na versão do diploma a que o PÚBLICO teve acesso (discutida no Conselho de Ministros onde a reforma viria a ser aprovada) não há essa medida “travão”.

Solução “tecnicamente construível”
Para António Carlos dos Santos, ex-Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e professor de direito fiscal na Universidade de Lisboa, definir uma cláusula de salvaguarda “é a prova de que não era inteiramente exacto que não havia pessoas prejudicadas, nomeadamente as famílias monoparentais”.

Samuel Fernandes de Almeida, fiscalista da Miranda Correia Amendoeira & Associados, diz que as soluções técnicas para este efeito são várias, “embora de difícil configuração, pois toda a reforma está desenhada para beneficiar os agregados mais numerosos por via do quociente familiar e das deduções gerais familiares”.

“Desconheço como se garante a inexistência de aumento da carga fiscal para todos os sujeitos passivos, a não ser que se opte por uma verdadeira cláusula de salvaguarda para 2015 – uma norma transitória – nos termos da qual se preveja que da introdução das novas regras não possa resultar um aumento da colecta para a generalidade dos sujeitos passivos”, vinca Fernandes de Almeida.

Ao ouvir falar em “cláusula de salvaguarda”, António Carlos dos Santos questiona-se: “E isso vale para sempre? Normalmente, as cláusulas de salvaguarda aplicam-se nas transições de reforma”. Miguel C. Reis, advogado da PMLJ na área de direito fiscal, acrescenta: “A solução é tecnicamente construível. Impossível não é, mas é bastante difícil de concretizar”.

Samuel Fernandes de Almeida vinca que a complexidade técnica da solução “é tanto maior face à mudança de paradigma nas deduções e à introdução da tributação separada, o que origina uma miríade de hipóteses em função da situação concreta de cada contribuinte (a que se soma por exemplo a eliminação progressiva da dedução de encargos com juros de habitação própria)”.

Pergunta sem resposta
Depois de o Governo apresentar a reforma, o PÚBLICO questionou o Ministério das Finanças na última sexta-feira sobre o facto de haver casos em que os contribuintes se arriscam a pagar mais IRS. Ficou sem resposta a seguinte pergunta: “O Ministério das Finanças garantiu que a introdução de medidas de protecção das famílias com filhos não determinará uma penalização das famílias sem filhos. No entanto, tendo em conta outras alterações para além da introdução do quociente familiar, há situações em que se verifica em 2015 um agravamento do IRS face a 2014. Como explica o Ministério das Finanças esta contradição?”.

Ao receber esta questão por email, o ministério solicitou, através do seu gabinete de imprensa, que fossem referenciadas as situações em causa para que o ministério as analisasse e fosse dada “a resposta correcta”. Num novo email, o PÚBLICO reafirmou a pergunta, citando um exemplo (referindo o perfil do agregado familiar em causa, o rendimento e as despesas assumidas nessa simulação, aqui explicitada). Não voltou a obter resposta.

Aumento da receita
No Parlamento, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu-se ainda ao crédito fiscal da sobretaxa de IRS, que prevê o reembolso (total ou parcial) dos contribuintes em 2016, em função do aumento da receita fiscal do IVA e do IRS que ficar acima das previsões inscritas no OE.

Em 2015 nada muda: a sobretaxa de 3,5% continuará a ser paga. A receita fiscal daqueles dois impostos que ficar acima de um determinado patamar é dividida pelos contribuintes, promete o Governo. Paulo Núncio afirmou que a superação da receita  de IRS e do IVA no próximo ano “é um cenário perfeitamente plausível”, referindo o crescimento verificado em 2013 e à evolução dos impostos este ano.

O Governo está a contar com a entrada de 27.658,8 milhões de euros nos cofres do Estado por via do IRS e do IVA, um crescimento de 3,5%. Tudo o que ficar acima desse montante fica garantido para o reembolso. Assim, para se verificar um reembolso equivalente a um ponto percentual da sobretaxa, é preciso que as receitas cresçam a um ritmo de 4,4%. São mais 1164 milhões do que o encaixe previsto para este ano. Só com um aumento de 6,4% face às receitas projectadas para este ano é que haverá um reembolso total da sobretaxa.

Durante a audição da equipa das Finanças, João Galamba, deputado do PS, acusou o Governo de ter vários “apagões no OE”, entre eles a reforma do IRS. “Não se entende como se discute o IRS fora do orçamento. O modo como o IRS é cobrado tem enormes consequências orçamentais”, referiu. Galamba considerou ainda que a reforma em cima da mesa “não é para todas as famílias” e “beneficia mais as famílias ricas com filhos do que as famílias pobres”.

Mais tarde veio a resposta dos centristas. Atender às famílias com filhos sem prejudicar quem não os tem “é um avanço, não é um recuo”, defendeu a deputada do CDS-PP Cecília Meireles, lançando farpas às críticas dos socialistas.

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