Mãe e filha morreram à porta de casa vítimas de violência doméstica
Vítimas pediram socorro aos vizinhos através da porta trancada. GNR arrombou-a, mas já não foi possível salvá-las. Outra filha está livre de perigo. Pai, suspeito, estava deitado na cama do quarto de casal.
As vítimas tinham vários golpes no peito e abdómen. Tinham também diversos golpes nos braços, um tipo de ferimento que indicia que se tentaram defender dos golpes, apontou fonte policial ao PÚBLICO. Na primeira revista à casa, a polícia não conseguiu encontrar as chaves da porta da habitação.
Foram, aliás, os insistentes pedidos de socorro que as duas fizeram através da porta que alertaram os restantes moradores do prédio de três andares na Urbanização Encosta do Sol no centro de Soure, próximo da escola básica e secundária desta vila.
De acordo com a GNR, o agressor não tem antecedentes criminais e as autoridades nunca tinham sido chamadas àquele apartamento por qualquer desacato. Aliás, a situação é descrita pela própria polícia como “surpreendente”. Também os vizinhos se mostraram admirados com o sucedido. Não são para já conhecidas as razões que terão levado o suspeito a agir desta forma.
A situação acordou boa parte dos moradores do prédio. Cerca de 20, segundo relatos de fontes policiais, saíram de suas casas e desceram para a rua.
Uma vizinha do segundo andar, o mesmo das vítimas, ouviu os gritos, telefonou para o posto da GNR de Soure pelas 1h30 e pediu ajuda. “Já fomos chamados para vários episódios de agressões no âmbito de violência doméstica, mas nunca tinha visto um cenário deste tipo, assim tão violento”, referiu o comandante dos Bombeiros Voluntários de Soure, João Paulo Contente.
Os bombeiros seguiram depois para outras divisões, sempre protegidos por militares da GNR que, armados, varreram a casa em busca do agressor. Encontraram na sala uma menor de 13 anos também gravemente ferida com golpes no peito que resultaram na perfuração de um pulmão. Foi de imediato assistida por elementos da viatura médica do INEM que entretanto chegaram. Face ao estado grave em que foi encontrada, não terá conseguido falar sobre o que aconteceu, apesar de questionada pela polícia. Só lhe restavam forças para pedir “socorro”, repetidamente.
O pai, vendedor de equipamento informático, estava no quarto do casal deitado na cama. A GNR teve de forçar também a entrada. O homem foi encontrado com diversos ferimentos no peito. Terá desferido vários golpes a ele próprio. A polícia não tem dúvidas de que pretendia pôr também termo à sua vida. “Disse várias vezes que se queria matar”, disse ao PÚBLICO um polícia.
Apesar do cenário violento, a polícia sublinha que o homem estava muito calmo. Tão calmo que esse pormenor deixou os agentes intrigados. O suspeito apenas brandia a faca de cozinha no ar em direcção aos militares da GNR que tiveram de o manietar para que fosse assistido pelo INEM. Foi transportado pelos bombeiros, acompanhados pela polícia, para o Centro Hospitalar de Coimbra onde continua internado e vigiado por inspectores da Polícia Judiciária. A filha que sobreviveu foi levada para o Hospital Pediátrico de Coimbra. Fonte da GNR adiantou que a menor está em estado grave mas não corre risco de vida.
Pelas 4h30, estavam no local ainda dez elementos da GNR e quatro da Polícia Judiciária de Coimbra que investiga agora os contornos do caso. Os bombeiros de Soure enviaram para o local um dispositivo com dez elementos, três ambulâncias e um carro de comando.
Este ano já foram mortas 26 mulheres em Portugal
Com este dois homicídios em Soure sobe para pelo menos 26 o número de vítimas mortais registadas num contexto de violência doméstica. Em Julho, o Observatório de Mulheres Assassinadas (OMA) indicava serem então 24 as mulheres mortas este ano e 27 as que foram vítimas de tentativa de homicídio, tendo a maioria sido morta pelos maridos, companheiros ou namorados.
Em média, foram verificados quatro homicídios por mês, sendo que 29% das vítimas tinham mais de 65 anos e 25% entre 36 e 50 anos.
O crime que neste âmbito mais se destacou ocorreu em Abril, em Valongo dos Azeites. O suspeito, Manuel Baltazar, andou fugido durante 34 dias até que foi detido quando regressava a casa. Também conhecido como Manuel “Palito”, o agricultor terá alegadamente disparado sobre quatro mulheres. A tia e a sogra morreram enquanto a ex-mulher e a filha ficaram feridas.
Baltazar já tinha sido condenado a uma pena de quatro anos de prisão, suspensa na sua execução, por violência doméstica, ofensa à integridade física qualificada e ameaça agravada. Passou a perseguir a ex-mulher quase todos os dias nos últimos cinco anos, após esta ter decidido separar-se dele.