O padrão de segurança para lidar com o ébola é o dos Médicos Sem Fronteiras

Enquanto os EUA estão a ser criticados por não cuidarem da segurança de médicos e enfermeiras, começam a ser adoptados os métodos usados pela organização que sempre esteve na linha da frente contra a doença em África.

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Membros dos Médicos Sem Fronteiras na Libéria DOMINIQUE FAGET/AFP

“Vamos trabalhar com estes países num plano. Mas os planos têm de ser passados à acção”, disse Nuttall, numa conferência de imprensa em Genebra. E é aí que tudo tem falhado: o vírus tem sido deixado em grande parte livre para se espalhar, pois nem as autoridades locais nem as organizações globais ou os líderes mundiais têm conseguido coordenar-se para tratar esta febre hemorrágica como uma verdadeira emergência sanitária.

Na linha da frente contra esta doença, desde o início, esteve uma organização não humanitária que tem duas décadas de experiência contínua de luta contra o ébola – embora na África central, onde o vírus foi identificado e sempre se manteve, até este ano.

Os Médicos Sem Fronteiras (MSF) foram criados na década de 1960, para responder à emergência humanitária criada pela guerra do Biafra, aprenderam a lidar com o ébola na República Democrática do Congo, onde a doença surgiu pela primeira vez, em 1976. Neste momento, têm a funcionar seis centros de saúde na Guiné-Conacri, Serra Leoa e Libéria, com 600 camas. O pessoal que tinham no terreno em África aumentou de 650, em Agosto, para 3000, neste momento. “Aumentámos imenso a nossa capacidade – mas agora chegámos ao nosso limite”, afirmou Brice de Le Vingne, director de operações da MSF.

É preciso que outros actores – governos, organizações internacionais – venham ajudar. “Estão a começar a chegar, mas não estamos a ver resultados”, afirmou Le Vingne, citado pela Reuters. “A velocidade com que estão a vir para o terreno continua a ser muito menor do que a velocidade a que a epidemia progride, e isso é um problema.”

A forma de actuar desta organização francesa, que ganhou o Nobel da Paz em 1999, está a ser adoptada pelo Centro de Controlo e Prevenção das Doenças (CDC) norte-americano – uma instituição que é considerada a referência mundial para doenças infecciosas. Mas os CDC estão a ser muito criticados pelas falhas dos protocolos que tinha recomendado para utilizar nos hospitais americanos, depois de duas enfermeiras do hospital de Dallas onde foi tratado um doente de ébola ido da Libéria contraírem a doença

Como se trata de uma instituição de referência, muitos outros países seguiram as normas americanas, e estão agora a proceder a uma revisão – inspirada pelos protocolos criados pelos MSF. Ainda assim, não são garantia para evitar que o pessoal de saúde não seja contagiado: 16 colaboradores da MSF foram infectados com ébola e nove morreram. Mas a epidemia já matou 236 trabalhadores de saúde e infectou um total 427, segundo os últimos números da OMS.

Tudo coberto
Para começar, nenhuma parte do tronco, da cabeça, dos braços ou das pernas e pés pode ficar a descoberto quando se tratam doentes de ébola – tudo tem de ficar coberto com um tecido impermeável, que resista a sangue ou vomitado. Médicos, enfermeiros ou auxiliares de saúde têm também de usar aventais de borracha, óculos ou viseiras, os punhos dos fatos têm de ser selados e devem usar botas de borracha. Os médicos e as enfermeiras devem ter dois pares de luvas, e as que ficam por fora têm de ser compridas, e devem ser ligadas ou coladas às mangas, para que não entre nada por aí. Pessoal de limpeza deve usar três pares de luvas.

Isto é bem diferente dos relatos conhecidos do médico que tratou a auxiliar Teresa Romero em Espanha, que usava um fato com mangas demasiado curtas, ou das enfermeiras de Dallas que tinham de selar os fatos no pescoço com adesivos, improvisando com a sua própria segurança – com resultados que se vieram a revelar desastrosos.

Por outro lado, para conter a infecção do ébola, um vírus que não é transmitido pelo ar, mas sim através dos fluidos corporais, não é preciso ter quartos com pressão negativa, para impedir que o ar saia, com filtros especiais e outras estruturas complicadas – como seria necessário com uma gripe especialmente mortal, por exemplo. Lidar com o ébola, que faz com que os doentes tenham enormes hemorragias, vómitos e diarreias, assemelha-se um pouco ao tratamento de pacientes de cólera, diz o New York Times.

No Bangladesh, onde são treinados médicos de todo o mundo para o tratamento de cólera,  os doentes não são postos em colchões mas em lençóis de borracha esticados sobre camas com um buraco no meio, para que a diarreia possa correr para baldes, explica o jornal. Os MSF também põem baldes ou bacios debaixo dos pacientes.

O observador
Mas provavelmente o mais importante da estratégia desenvolvida pelos MSF é o sistema do observador, sempre presente quando o pessoal médico e auxiliar está a vestir os fatos especiais, a despi-los – ou até mesmo a trabalhar nas enfermarias. O objectivo é detectar erros, pequenos gestos que podem ter consequências fatais – como uma luva infectada roçar a cara, que poderá ter sido a origem da doença de Teresa Romero.

Os CDC vão passar a exigir a presença deste supervisor – uma figura que até agora não existia. Vestir-se e despir-se é como um ritual, uma coreografia: quem sai da zona altamente infecciosa vestido com os fatos que os fazem parecer bonecos extraterrestres levanta os braços e dá várias voltas sob o jacto de água com lixívia que os colegas lhe atiram.

Obedecem às instruções que outra pessoa lhe dá: tira a máscara, lava as mãos; lavam as mãos com água com lixívia oito vezes durante todo o processo, a primeira delas ainda com as luvas. Sempre com alguém a dar-lhe instruções e a observar, para reduzir as possibilidades de que se esqueça de algum passo, que tenha uma distracção fatal. Mesmo sob o calor asfixiante de um hospital de campanha em África, onde vê pessoas a morrer de uma forma horrível.

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