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Frelimo vai saber se ainda é dona e senhora do poder em Moçambique

Filipe Nyusi, Afonso Dhlakama e Daviz Simango concorrem à sucessão de Guebuza. Resultados e a forma como forem recebidos vão permitir perceber se a paz acordada no início de Setembro veio mesmo para ficar.

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Como noutras eleições, o país foi pintado do vermelho da Frelimo GIANLUIGI GUERCIA/AFP

As eleições acontecem menos de mês e meio depois de a Frelimo e a Renamo (Resistência Nacional de Moçambique, principal partido da oposição e antiga guerrilha) terem concordado pôr fim a 17 meses de guerra não declarada, que fez dezenas de mortos e trouxe de volta a ameaça do conflito generalizado que devastou o país entre 1976 e 1992. A forma como decorrer o acto eleitoral e forem recebidos os resultados é determinante para a estabilidade do país, porque a desconfiança não desapareceu.

Com Guebuza impedido constitucionalmente de concorrer a um terceiro mandato, mas que continua a ser o presidente do partido governamental, a “máquina” eleitoral da Frelimo empenhou-se a fundo na promoção da imagem do seu candidato, Filipe Nyusi, ex-ministro da Defesa. É por isso ele o favorito, apesar de até há alguns meses ser um desconhecido para a maioria dos moçambicanos. Como adversários, tem o “profissional” de eleições que é Afonso Dhlakama, chefe da Renamo; e Daviz Simango, líder do emergente Movimento Democrático de Moçambique (MDM), que criou em 2009.

Caso seja eleito, Filipe Nyusi, 55 anos, será o primeiro Presidente que não participou na luta armada contra a colonização portuguesa, embora seja filho de veteranos da guerra pela independência. Será também o primeiro não oriundo do Sul – nasceu na província de Cabo Delgado. Numa alusão ao seu nome, que significa abelha, Nyusi disse, em diversos momentos da campanha, que quer “fazer mel para todos”. Assumiu-se como continuador da “boa governação” e prometeu mudar o que precisar de ser corrigido.

Mas para manter a Presidência nas mãos de um partido que se confunde com o Estado tem de levar de vencida o experiente Afonso Dhlakama, 61 anos, que saiu do mato onde esteve escondido durante quase um ano, fugido às forças governamentais, para selar a paz e concorrer à presidência, pela quinta vez consecutiva. E Daviz Simango, 50 anos, desde 2008 presidente do município da Beira, segunda cidade do país. Ainda que se apresentem aos eleitores 30 formações políticas, a discussão nas eleições – em que são também eleitas as assembleias provinciais – resume-se aos três candidatos presidenciais e aos partidos que representam.

“Fala-se de segunda volta”
A campanha foi marcada por alguns episódios de violência, os últimos no domingo, na província de Nampula, entre apoiantes da Frelimo e da Renamo. Tal como em eleições anteriores, o país foi pintado do vermelho do partido governamental. Mas, ao contrário de eleições anteriores, falou-se pela primeira vez de modo claro da possibilidade de uma segunda volta nas presidenciais e de quebra do domínio absoluto da Frelimo no Parlamento. O que não deixaria de ser surpreendente se se olhasse apenas para os resultados das eleições gerais de há cinco anos – quando Guebuza  e o seu partido ultrapassaram os 75% de votos expressos.

“Fala-se de segunda volta com muita naturalidade. É a primeira vez que se fala numa hipótese de segunda volta. Os líderes de opinião moçambicanos falam abertamente nessa hipótese”, disse ao PÚBLICO Elisabete Azevedo-Harman, analista da Chatham House, instituto de estudos internacionais, com sede em Londres, que já acompanhou diversas eleições em Moçambique.

Fernando Lima, jornalista e administrador do semanário independente Savana, é dos que não ficariam surpreendidos com um cenário eleitoral inédito – a “soma dos votos dos candidatos da oposição forçar a uma segunda volta” nas presidenciais e “a soma de votos da oposição ser maior do que os votos na Frelimo” nas legislativas. O jornal que dirige considerava na sua última edição “cada vez mais provável uma segunda volta” entre Nyusi e Dhlakama, ficando Simango com a “chave do poder” numa eventual segunda volta, o cenário mais temido pela Frelimo.

Críticas à governação de Armando Guebuza e o “cartão amarelo” mostrado em manifestações de rua e nas autárquicas de há um ano sinalizaram um descontentamento que contribuiu para a discussão sobre a possibilidade de perdas eleitorais da Frelimo. O partido anti-colonial que se converteu ao capitalismo é acusado por críticos e adversários de excluir vozes discordantes e de adoptar uma política económica promotora de um crescimento da ordem dos 7% ao ano, que, contudo, mantém na pobreza a esmagadora maioria da população, favorecendo essencialmente um elite dirigente e empresarial. “Há muitos apoiantes da Frelimo que querem que a Frelimo ganhe mas ganhe por pouco para ser mais humilde”, diz Fernando Lima.

“Dhlakama sai como herói”
Um dos factores que pode influenciar o sentido de voto é a recente guerra. A opinião de diversos observadores é de que, ao contrário do que se poderia esperar, a Renamo, pelo menos na campanha, não foi penalizada pelos ataques armados que desencadeou no centro do país e não teria sido condenada pelo regresso da guerra . “Dhlakama sai como o grande herói e o Governo como vilão. Aparece na campanha como fénix renascida graças à diabolização feita pela Frelimo e pelo governo”, avalia o jornalista moçambicano.

O líder da oposição, que se apresenta como o “porta-voz dos pobres”, surpreendeu analistas, arrastando multidões na campanha, desde o regresso triunfal a Maputo, no início de Setembro. “Foi o melhor candidato em campanha, o que atraiu mais pessoas, mas as campanhas não ganham eleições”, diz também Fernando Lima. Muita gente será movida pela curiosidade de ver com os olhos próprios alguém sobre cuja morte chegaram a circular rumores, depois de, há cerca de um ano, as Forças Armadas terem atacado a base da Renamo em Satungira, na Gorongosa, para onde se retirara em 2012.

A conjugação de sinais de descontentamento com a Frelimo, cruzada com a boa campanha da Renamo e os bons resultados do MDM nas autárquicas de 2013, alimentou a ideia de que estas eleições, que são também um referendo à governação Guebuza, podem ser as “mais disputadas” desde 1999, quando Dhlakama conseguiu o seu melhor resultado de sempre, 47,7%, fez denúncias de fraude e reclamou vitória. Há cinco anos, o líder da antiga guerrilha não foi além de 16,51%.

“Tomando em consideração os resultados das autárquicas, a vitória de Nyusi pode acontecer, com a Frelimo a perder entre 40 a 60 deputados”, dos 191 que tem no Parlamento de 250, disse, numa entrevista, em Setembro, com mais de um mês de campanha pela frente, João Pereira, professor de Ciências Políticas e Administração Pública da Universidade Eduardo Mondlane.

Num país sem tradição de sondagens, um estudo divulgado no final de Agosto pela Universidade Politécnica de Maputo admitia a hipótese de a Frelimo perder a maioria absoluta e de Filpe Nyusi ter de disputar uma segunda volta com Daviz Simango. Mas o estudo foi realizado em Julho, antes de o Governo da Frelimo e a Renamo terem assinado um acordo de paz. E de Dhlakama ter começado a arrastar multidões em todas as províncias, incluindo Maputo, tradicional bastião da Frelimo.

Elisabete Azevedo-Harman,que acompanhou parte da campanha eleitoral como analista, evita fazer projecções a partir da mobilização conseguida por Dhlakama. Para ilustrar a dificuldade dos prognósticos observa que apesar de as enchentes nos comícios da Renamo serem surpreendentes é também verdade que nas zonas de tradicional maior implantação do antigo movimento rebelde, o recenseamento foi feito com população deslocada, devido ao regresso ao conflito armado, durou menos tempo e que a Renamo não se empenhou no processo devido  à incerteza que nessa fase existia ainda sobre a sua participação nas eleições. “O partido estava obviamente consumido  pela gestão das negociações  e com o seu líder em combate em parte incerta”, acrescentou. 

Teste ao MDM
Para o MDM as eleições são também um desafio à sua afirmação, numa corrida a três, em que se apresenta aos eleitores sem as marcas do passado de guerra. É a primeira vez que concorre em todo o país, depois de, em 2009, na estreia eleitoral, ter conseguido oito deputados nos quatro círculos em que em as suas candidaturas foram aceites. Nas presidenciais desse ano, Daviz Simango, filho de fundadores da Frelimo executados pela acusação de alta traição após a independência, em circunstâncias mal esclarecidas, ele próprio um dissidente da Renamo, apresentou-se pela primeira vez na corrida ao Palácio da Ponta Vermelha e conseguiu 8,64% dos votos. 

A aposta do partido é agora procurar traduzir em mandatos parlamentares e votos presidenciais os promissores resultados das autárquicas de 2013, quando cativou boa parte do voto jovem e urbano e venceu em quatro municípios, três deles capitais provinciais – Beira, Quelimane e Nampula – e conseguiu importantes votações em Maputo e Matola, cidade-satélite da capital. Mas essas eleições, em clima de guerra, foram marcadas pela falta de comparência da Renamo.

Desta vez a Renamo vai a votos. E confiante. Numa entrevista à agência Lusa, Afonso Dhlakama garantiu que vai “limpar” as presidenciais à primeira volta e também as legislativas “com mais de 60% dos votos”. Assegurou mesmo que já está a formar o próximo governo. À AFP disse, numa implícita alusão às denúncias de fraudes que marcaram actos eleitorais anteriores, que estas “são as primeiras eleições credíveis e mesmo transparentes, se tudo correr de acordo com a lei”. “Se um partido ou um governo roubar os votos da maioria, é essa maioria que pedirá justiça, não eu, Afonso Dhlakama”, disse também.

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