Escrever ou morrer, a pressão depois do sucesso

O escritor britânico David Nicholls esteve na Feira do Livro de Frankfurt a lançar o seu novo romance, Nós. Depois do sucesso mundial de Um Dia , bloqueou.

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O escritor britânico David Nicholls Corbis
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David Nicholls Bernd Hartung Frankfurt Book Fair / David Nicholls
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David Nicholls Bernd Hartung Frankfurt Book Fair / David Nicholls

O seu novo romance, Us, no original, foi publicado este mês no Reino Unido. Esteve na lista do prémio Man Booker 2014 mas não ficou entre os seis finalistas e a tradução alemã está a ser lançada na Feira do Livro de Frankfurt. Nós vai para as livrarias portuguesas em Novembro, editado pela Jacarandá, e o escritor irá a Portugal em Dezembro.

O narrador é Douglas Petersen, 54 anos, cientista especialista na mosca da fruta, casado há mais de 20 anos com Connie, que tem 52 anos, é pintora e trabalha no departamento educativo de um famoso museu londrino. Têm um filho, Albie, que vai deixar a casa dos pais para ir para a universidade. Uma noite, Connie diz ao marido que se quer divorciar quando o filho partir. Mas antes disso há o Verão e a grande tournée cultural europeia que tinham programado fazer com o filho (uma Grand Tour à maneira do século XVIII para o preparar para o mundo adulto).

É este o início de um romance que nasceu de três coisas: da experiência que o autor teve ao promover o seu último livro; da pena que tem de não ter viajado em jovem e da vontade que tinha de escrever sobre um ritual de passagem mas que acontecesse na vida adulta, a uma personagem mais velha.

Foi isto que David Nicholls explicou na Feira do Livro de Frankfurt durante uma sessão que decorreu no Business Club e em que também participaram alguns dos seus editores. “A minha Grand Tour – que era feita pelos jovens da classe alta britânica no séc. XVIII – aconteceu quando publiquei o romance Um Dia e andei a promovê-lo pela Europa. Quando estava numa cidade onde nunca tinha estado e tinha algum tempo livre pegava num mapa na recepção do hotel, ia para a rua e tentava ver tudo, de Milão ou de Paris ou de Zurique, em 45 minutos. E enquanto essa minha tournée cultural europeia acontecia comecei a ter esta ideia do que seria ter a experiência da Grand Tour na meia idade. O que seria viajar em comboios e acordar em praias e ter todas as experiências confusas e por vezes desagradáveis que acontecem aos jovens tarde na vida? Pareceu-me uma ideia engraçada”, contou o escritor, explicando que não era a sua intenção mas também lhe agrada a ideia deste seu novo livro poder funcionar como um itinerário.

“Podemos acompanhar a viagem de Douglas e da sua família, dia-a-dia. As horas dos comboios estão correctas, andei à procura de todas as ruas no Google Maps, tudo é muito exacto. E podemos divertirmo-nos se o seguirmos, mais do que se divertiu a personagem, espero…”, disse a rir-se. “Apaixonei-me realmente por estas cidades. Por outro lado, grande parte deste romance é sobre a arte e sobre as nossas experiências com ela. Douglas vai mudando de atitude em relação à arte, a museus e monumentos. Eu queria escrever sobre as cidades e a arte de uma maneira que não fosse pitoresca, onde também se falasse de como pode ser extenuante, angustiante e stressante viajar. Há um exotismo em viajar mas para certas pessoas viajar é enervante. A viagem rapidamente envia a personagem para o caos.”

O primeiro livro de David Nicholls era sobre um rapaz de 18 anos; o segundo sobre a ansiedade que se sente quando se tem 20 e ainda não se sabe o que se quer ser e Um dia era uma viagem entre os 20 e os 40 anos. “Quando comecei a escrever Nós dei-me conta de que tinha quarenta e tal anos e era ridículo continuar a escrever sobre adolescentes, eu era um pai e queria escrever sobre a família.”

O bloqueio criativo

Passaram 5 anos desde o lançamento de Um Dia. Logo a seguir, Nicholls esteve envolvido na adaptação do livro ao cinema - ele também trabalha como argumentista - e depois começaram a sair as traduções e foi preciso fazer as viagens de promoção. Passou três anos nisso. Estava a tentar escrever um novo romance mas durante dois anos sentou-se à secretária todos os dias e no final tinha escrito muito pouco, perto de 35 mil palavras. Tentou escrever o romance à mão, com caneta e depois com lápis. Tentou usar um processador de texto, escrever em cafés, escrever em escritórios ou em bibliotecas. No final deu esse manuscrito a ler ao seu agente que lhe disse: “Página a página está bem, mas provavelmente deves deitar isto fora.”

Aquela era a única ficção que David Nicholls tinha escrito em quatro anos, como é que ia deitar aquilo fora? Passou duas semanas a reflectir no que estava mal naquela história, mudou o ponto de vista e decidiu escrever na primeira pessoa, pela voz de Douglas. “Passou a ser um prazer escrever sobre aquela personagem”, contou em Frankfurt.

Mais tarde deu o novo manuscrito a ler ao agente e ele não lhe recomendou que o deitasse fora. Foram anos de tentativas falhadas de romances e de distracções e um ano de escrita. “Claro que há pressão para um autor trazer algo novo. Por outro lado eu também estava a ser constantemente surpreendido pelo sucesso de Um Dia por esse mundo fora, do Brasil à China. Eu achava que aquele romance só ia interessar a quem vivia em Londres.”

Nicholls sempre planeou os seus romances com antecedência, sempre teve uma estrutura prévia à escrita, mas, desta vez, achou que devia improvisar mais. Durante a fase de desespero – quando não conseguia avançar – falaram-lhe de um programa de software chamado Write or Die (http://writeordie.com), escrever ou morrer, que tem como objectivo obrigar a pessoa a escrever constantemente: se se fizer uma pausa demasiado longa na escrita o programa começa a apagar o que já está escrito e não há maneira de o recuperar. “O que esse software faz é impedir que se atenda o telefone, que se perca tempo a ir ao Facebook. Na realidade serve para acabar com distracções, se tivermos alguma ideia somos obrigados a colocá-la no papel porque sentimos que temos uma arma apontada à cabeça”, explicou. Mas o que David Nicholls percebeu durante o processo é que não se pode construir uma história se não se tiver boas personagens. “Esse improviso, para mim, não foi útil. Apercebi-me que não podemos escrever uma ideia que não temos, não podemos escrever uma história que não temos. Mas também não quero estar aqui a exagerar na minha agonia, porque tive muita sorte.”

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