O Nobel cada vez mais francês
A vitória de Patrick Modiano cimenta a hegemonia francesa no principal prémio literário do mundo.
Modiano é o 14.º francês laureado com o Nobel da Literatura. Não há outro país com tantos representantes na lista de vencedores, que se iniciou em 1901 com Sully Prudhomme – um francês. A Alemanha – entre ela própria, com as fronteiras actuais, o Império Alemão, a República de Weimar e a RFA – contabiliza 10 prémios Nobel e é o segundo país mais representado.
É uma rivalidade velha até nas Letras. Mistral contra Eucken, Rolland contra von Heyse, France contra Hauptmann. Depois de Theodor Mommsen suceder a Prudhomme, em 1902, a hegemonia do eixo literário franco-alemão foi sendo construída ao longo de todo o século XX, resistiu à afirmação do inglês como língua franca (apesar de os laureados que escrevem em língua inglesa estarem em maioria – são 27) e chegou florescente aos nossos dias.
A prevalência francesa fez-se ainda com Henri Bergson, Roger Martin du Gard, André Gide, François Mauriac, Albert Camus, Saint-John Perse, Jean-Paul Sartre (que recusou o prémio em 1964) e Claude Simon. O chinês Gao Xingjian e o russo Ivan Bunin, que viviam em França quando foram distinguidos, também contribuíram para a aura vencedora do país.
Antes de Modiano, o último francês premiado pela Academia Sueca tinha sido Jean-Marie Gustave Le Clézio, em 2008. Imediatamente a seguir, venceu a alemã (de origem romena) Herta Müller. Perante a tendência, é curioso que não existisse qualquer escritor francês ou alemão entre os autores preferidos pelos apostadores da britânica Ladbrokes.
Estados Unidos (nove prémios), Reino Unido (oito), Suécia (sete), Itália (seis), Espanha (cinco), Rússia (cinco), Polónia (quatro) e Irlanda (quatro) são outros dos países mais representados numa lista de vencedores que revela a dificuldade do comité em desenvencilhar-se do seu eurocentrismo com visitas regulares à América do Norte. Países como o Brasil de Machado de Assis e Drummond ou a Argentina de Borges e Cortázar, por exemplo, não constam.
São muitos e famosos os casos de escritores influentes que falharam o Nobel: Tolstoi, Proust, Kafka, Joyce, Brecht, Ibsen, Conrad, Twain. O que contribui para alimentar a expectativa dos fãs de Philip Roth, que sabem que o autor de Pastoral Americana não tem garantido o prémio, apesar da sua influência na literatura norte-americana. Roth tem estado, tal como o japonês Haruki Murakami, entre os favoritos dos apostadores nos últimos anos (António Lobo Antunes, também). Mas o que diz isso quanto à probabilidade de ganhar o prémio de oito milhões de coroas suecas? Muito pouco ou mesmo nada.
Uma aposta ousada seria investir num palpite que apontasse como vencedora uma mulher latino-americana, africana ou asiática. Ou simplesmente numa mulher, já que entre os 111 laureados, só 13 são mulheres. Uma sub-representação que se tem tentado colmatar recentemente (Alice Munro, Herta Müller, Doris Lessing), mas que continua gritante e que dificilmente se justifica com questões de proximidade como se faz com a escassez de autores de continentes mais afastados. Justificação que se torna ainda mais difícil sabendo que a primeira mulher a receber o prémio, a sueca Selma Lagerlöf, foi distinguida logo em 1909.
Mas as tendências não se ficam por aqui. No que diz respeito à idade, o historial do Nobel diz-nos que a probabilidade de o laureado ter entre 55 e 74 anos é muito elevada. Nas últimas cinco décadas a média de idades dos vencedores tem-se aproximado dos 70 anos – segundo o site dos prémios, entre 2001 e 2010 a média foi de 68 anos, tal como entre 1981 e 1990, e de 66 entre 1991 e 2000; o período com a média mais baixa, 57-59, aconteceu entre 1911 e 1940. Rudyard Kipling foi o mais jovem vencedor do Nobel, com 42 anos, o que parece improvável de se repetir nos dias de hoje. Doris Lessing foi a mais velha (89). José Saramago, o único laureado de língua portuguesa, tinha 76 anos quando ganhou.