A praça dos brasões e a valsa das sanções

Enquanto Portugal discute um jardim ao abandono, a UE tempera a guerra ucraniana com sanções.

O caso do Jardim do Império, em Belém (vizinho próximo dos Jerónimos e do CCB e a curta distância da Presidência da República), começa a parece-se, salvaguardando as devidas distância, com o caso Miró. Quando os quadros repousavam no BPN, quase ninguém quis saber deles, nem que fosse para solicitar a sua pública exposição (afinal, estavam em Portugal e faria sentido que os cidadãos pudessem vê-los). Mas quando se falou na sua venda em leilão, a notícia gerou um vendaval de indignações. O resto é do domínio público e, malgrado as tentativas em contrário, deverão mesmo ser vendidos. Pois o Jardim do Império, que exibe restos de brasões (32, ao todo) moldados em buxo e outrora ornados de flores, esteve durante mais de duas décadas ao abandono sem que se ouvisse, a tal respeito, um pio. Quem por ali passa, só com enorme esforço reconhecerá, nas formas que sobram os velhos brasões que celebravam as capitais do Império (aliás a praça ostenta esse nome, sem que ninguém tenha proposto alterá-lo), as do continente e das antigas colónias, então chamadas províncias ultramarinas. Mas é um reconhecimento triste, como triste é um jardim assim tratado. Só que em Portugal o desvelo não se critica, critica-se é a acção. Assim, devido a um passo dado na Câmara de Lisboa, abriu-se a “guerra” do buxo. Iam recuperar-se os brasões, mas só alguns, então porque não todos, a decisão tem que ser ponderada, a história pode esquecer-se mas não se apaga, mesmo que assuma a forma tristíssima de arbustos desfeados pelo abandono. Mas eis que – milagre! – haverá “concurso de ideias”, e público, como não podia deixar de ser. É Portugal, de forma fiel, retratado numa praça, a do império que já não tem. Desleixado e silencioso quando ninguém olha ou reclama, inflamado e ameaçador quando algo enfim se mexe.

A Europa, numa matéria mais séria, a do conflito Ucrânia-Rússia, não anda melhor. Ao fim de um prazo concedido com alguma folga e torpor, carregou no botão “sanções” olhando de soslaio a Rússia. Putin carregou noutro botão mais óbvio: pela voz do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, acusou a Europa de apoiar o “Partido da Guerra” em Kiev. Como se os separatistas pró-russos do leste ucraniano fossem, fortemente armados pela Rússia, o “partido da paz”. Com um ténue cessar-fogo pelo meio, e mais vidas ameaçadas pelo regresso aos confrontos armados no terreno, a troca de acusações e sanções entre a União Europeia e a Rússia, com Putin ainda a tentar marcar pontos, assemelha-se a uma valsa silenciosa sem prazo para terminar. Bens congelados, apertos em várias áreas da economia, limitações financeiras, são um processo demorado para parar em definitivo uma guerra que no terreno só vai conhecendo breves intervalos. O braço-de-ferro entre a Europa e a Rússia, que envolve também os Estados Unidos e tem por epicentro a difícil e instável situação na Ucrânia, ameaça durar mais do que devia. E os custos dessa duração podem vir a ser mais pesados do que se imagina.

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