Pena pedida por MP para jovens do meet é “prejudicial” para futuro deles, diz advogada

Magistrada do Ministério Público diz que nem a polícia, nem a sociedade portuguesa são racistas. Leitura da sentença será a 2 de Setembro.

A injúria agravada pode ser punida com pena de prisão até seis meses ou pena de multa até 240 dias, o crime de coacção e resistência à autoridade pode ser punido com uma pena até cinco anos .

Fábio Barros, 20 anos, é acusado de injúria agravada, resistência e coacção à autoridade. Frequenta um curso vocacional de tratamento de metais, em Setúbal. E tem um part time nas férias, numa estufa. O MP considera que “injuriou e arremessou pedras aos agentes”, pede pena suspensa.

Guilherme Guimarães, lavador de carros de 23 anos que vai ser pai em Dezembro, é acusado de resistência e coacção. Na primeira sessão, contou que um agente deitou a namorada dele, grávida, ao chão e que disse estar-se a “borrifar” para a filha dele, que “era preta”.

Para a magistrada do MP, o jovem impediu a detenção da namorada e praticou “actos violentos”. Defende que “não é necessário que [a pena] seja muito elevada”, mas deve servir “para que a comunidade se aperceba que os tribunais estão atentos”.

Nas alegações, a magistrada do MP frisou que dos incidentes junto ao centro comercial não resultaram queixas contra a PSP e que, pelo contrário, quem recebeu tratamento hospitalar foram os agentes. Considerou “compreensível” que “as centenas de jovens” que acorreram ao local, na passada semana, tenham gerado “perturbações” na ordem pública, cabendo à PSP “prevenir actos violentos”. Assim, frisou, a acção da PSP está “perfeitamente justificada” e é “compreensível”.

A magistrada do MP fez questão sublinhar que “num país democrático”, as polícias “têm de ser respeitadas”. E lamentou que haja “uma franja da sociedade que acha bem agredir e desobedecer às ordens” dos agentes. Fez ainda questão de frisar que na actuação da polícia não houve racismo: “Não há racistas em Portugal, o nosso país não é um país de gente racista.” Considerou que Portugal é “uma sociedade que integra”, que “as pessoas chegam”, por vezes sem documentos, e têm “protecção policial”, Serviço Nacional de Saúde de graça. “Não somos um país de racistas, nem temos uma polícia racista. Nem a sociedade admitiria tal”, disse.

Pelo contrário, considerou que racismo seria se a PSP tratasse estes jovens de forma diferente, deixando-se injuriar. Para a magistrada do MP, a polícia não deve tratar estes rapazes como “coitadinhos”, mas da mesma forma que trata todos os cidadãos. “São cidadãos como os outros, a polícia tem de deter e identificar quem pratica os crimes e as injúrias.” E acrescentou: “Os arguidos não são africanos, não são negros, são cidadãos portugueses.”

Voluntário
A magistrada do MP frisou que “um agente foi lesionado”, está de baixa e pode vir a ser operado, porque Guilherme Guimarães “o agrediu”. Mesmo não se provando qualquer soco ou pontapé, para o MP o que conta é que “o agente estava são e depois da intervenção ficou com um dedo partido”. “Os agentes estão de forma tão isenta a dizer o que se passou que não sabem se foi um pontapé ou um soco”, afirmou a magistrada do MP. Além disso, acrescentou, o jovem “opôs-se à voz de detenção que lhe foi dada”.

Também no caso de Fábio Barros, o MP desvaloriza o facto de não se provar que a lesão numa das pernas do polícia resultou de socos ou pontapés, mas antes da queda do polícia quando estava a deter o jovem. Sublinha que o que deve ser considerado é que o arguido atirou pedras e injuriou os agentes. Fábio Barros nega as injúrias e só admite ter atirado uma pedra que não acertou em ninguém, acto pelo qual está “arrependido”.

Mesmo ressalvando não ser a favor de penas elevadas e admitindo que “os arguidos estão inseridos socialmente” e “trabalham”, a magistrada do MP considera que “praticaram um crime que tem de ser severamente punido”. Deve ser aplicada “uma pena que sirva de sinal a toda a gente”.

A advogada dos jovens, Sandra Araújo, considerou “excessiva” a forma como a magistrada do MP referiu que os jovens “devem ser penalizados”. “Devem ser, mas não excessivamente”, disse. Considera que estão inseridos socialmente e uma pena de prisão “só os irá prejudicar”. “A ser aplicada uma pena que seja pelos limites mínimos”, frisou a advogada que considera não se ter feito prova de que, no momento em que foi algemado, Fábio Barros tivesse desferido pontapés.

Em relação a Guilherme Guimarães, a advogada frisou que, ao contrário de Fábio Barros, o jovem não foi ao meet. Vinha do trabalho e ia jantar com a namorada quando se viu no meio da confusão. “O Guilherme quis defender a namorada grávida e que estava em apuros”, notou, considerando que não foi a conduta do jovem que impediu a polícia de deter a rapariga.

A advogada adiantou que os arguidos estão a ponderar pedir uma indemnização à PSP por agressões, mas no âmbito de outro processo. No final, aos jornalistas, mostrou-se “surpreendida” com o pedido do MP, até porque os arguidos não têm antecedentes criminais. “A pena de prisão será prejudicial para o futuro deles”, afirmou.

Na sessão desta terça-feira, foram ainda ouvidos o irmão e o primo de Fábio Barros. O irmão disse que o jovem é “bastante estudioso” e “presta auxílio à comunidade”, como voluntário. Referiu como exemplos serviço à Cruz Vermelha e recolha de alimentos. “O meu irmão quer fazer algo da sua vida”, disse Emanuel Barros. E garantiu: “É uma pessoa calma, mesmo na escola, raramente parte para violência, só em casos muito extremos.”

O primo, de 20 anos, diz que viu Fábio Barros atirar duas pedras, mas justificou: “Ele não é uma pessoa agressiva, foi uma atitude de defesa dele, o polícia também o agrediu. Ele foi agredido quando tentou ajudar uma rapariga.”

Estas duas testemunhas, ouvidas nesta terça-feira no âmbito deste julgamento sumário, garantiram que foram ao meet com intenções pacíficas, para conhecer pessoas.

A leitura da sentença está marcada para 2 de Setembro, no Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa.

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