Hollande: a última oportunidade
Este é pior momento para a França entrar numa deriva política.
O Presidente apresentou, como o seu "pacto de responsabilidade", um conjunto de medidas para melhorar a competitividade da economia francesa, incluindo uma redução dos impostos sobre as empresas de 40 mil milhões em três anos e uma redução das despesas do Estado em cerca de 50 mil milhões de euros. Em Março, a escolha de Manuel Valls para chefiar um novo Governo foi um sinal de que não se tratava apenas de palavras. A popularidade de Hollande nessa altura já era a mais baixa de qualquer Presidente da V República. A escolha de alguém que representa a ala mais à direita do Partido Socialista, que é jovem e que tem a ambição de chegar ao Eliseu, provou também que o Presidente já tinha a sua margem de manobra suficientemente reduzida para ter de apostar em alguém capaz de mostrar aos franceses e à Europa que o seu programa de reformas era para cumprir. Até porque não tinha outro remédio. Os últimos dados indicam que a economia estagnou e o emprego não desce enquanto a dívida não pára de crescer e a balança com o exterior não melhora. Além disso, a chanceler alemã mantém-se intransigente quanto à obrigação francesa de trazer o défice orçamental para os 3%, o que Hollande prometeu mas não vai conseguir cumprir.
Quando, em Março, Hollande chamou Manuel Valls ainda condicionou as suas escolhas, de modo a não dividir demasiado o PSF. Como escreve o Guardian, o Governo ainda reflectia "as suas próprias contradições". A estranha escolha de Arnauld de Montebourg, o chefe da ala esquerda do PS, para a pasta da Economia só era justificável pelo intuito de o neutralizar. Quando Montebourg resolveu pôr abertamente em causa a política económica do Governo (porventura, com os olhos postos nas presidenciais de 2017), Valls teve o pretexto ideal para dizer ao Presidente o que se diz nestas circunstâncias: ou eu ou ele. Espera-se, desta vez, um Governo mais coeso para aplicar a "agenda reformista" que ele próprio prometeu.
Falta ainda fazer passar o novo Governo (que Valls deve apresentar terça-feira) pelo crivo da Assembleia Nacional, onde a maioria socialista não lhe fará a vida fácil. Mas, em França, o poder real está no Eliseu (incluindo a nomeação e a demissão dos seus governos) e não no Parlamento. Foi assim com todos os ocupantes do Eliseu desde o início da V República. Continuará provavelmente a ser assim. Num país que vive ainda do confronto ideológico entre esquerda e direita, a única alternativa costuma ser a rua. Valls disse recentemente que "estava fora de questão mudar de política económica", num país que "vive acima dos seus meios há muitos anos." Não são palavras habituais num primeiro-ministro francês. A entourage do Presidente também quis dar um sinal no mesmo sentido: "Há quem diga que, se tivéssemos um défice maior, a economia cresceria mais. Em 2011 tivemos um défice de 7% e a economia não cresceu." Basicamente, o que ambos querem dizer é que o mundo mudou e a França também vai ter que mudar. Mesmo que seja "à francesa".
O Presidente levou dois anos a perceber que a França não tinha interesse em ir contra a chanceler alemã, exigindo um caminho de recuperação mais amigo do crescimento e menos da austeridade. Aprendeu que, de uma maneira ou de outra, tem de manter uma boa relação com Merkel, que evite uma separação litigiosa que apenas traria desvantagens para a França. Nicolas Sarkozy percebeu o mesmo e também ele mudou de rumo: em vez de combater as políticas de austeridade da chanceler, resolveu abraçá-la, mantendo a ilusão de que ambos lideravam a Europa. Hollande tem agora uma boa oportunidade para influenciar a chanceler. Pela primeira vez, as políticas mais flexíveis em matéria de défice, que alguns países europeus reclamam, começam a encontrar algum eco. Jean-Claude Juncker, o novo presidente da Comissão, promete dar prioridade ao crescimento com mais investimento europeu. Mas a grande mudança parece vir do BCE através do discurso de Mario Draghi em Jackson Hole (onde se reúnem uma vez por ano os grandes banqueiros centrais), antecipando uma viragem na política monetária. A economia europeia não cresce, a inflação de médio prazo é muito inferiores aos 2% fixados no Tratado, alimentando o risco de deflação. As medidas que o BCE tomou foram boas para salvar o euro e resolver o problema dos mercados da dívida, mas não para a economia. Talvez também por isso, este é pior momento para a França entrar numa deriva política. Valls é a última chance de um Presidente que recolhe apenas 17% da aprovação dos franceses. O que sobra é, provavelmente, a rua.