Constitucional volta a fechar a porta a cortes remuneratórios definitivos
Tribunal volta a admitir uma reforma estrutural da Segurança Social. Juízes acenam com o défice público para justificar que não são precisos cortes salariais em 2016. "Se tudo correr como previsto..."
O Constitucional decidiu, por oito votos contra cinco, que a reintrodução dos cortes salariais em vigor em 2011 só se pode aplicar nos meses que restam de 2014 e no ano que vem. Apesar de já não vigorar o programa da troika, sublinhou o juiz presidente Joaquim de Sousa Ribeiro, “ainda se fazem sentir níveis de constrangimentos orçamentais”. Curioso é que a questão política do défice, invocada várias vezes pelos governantes, tenha sido usada pelo conselheiro presidente justamente para justificar a decisão de que os cortes não podem vigorar de 2016 a 2018.
O juiz referiu que, "se tudo correr como previsto", em 2016 não haverá já uma situação de “défice excessivo”, mas nivelado com os valores da União Europeia. Em suma, o Tribunal considerou que “não é constitucionalmente admissível que a estratégia de reequilíbrio das finanças públicas” prolongue o “sacrifício” dos funcionários públicos, um prolongamento que fere o "princípio de igualdade”. Além disso, o diploma do Governo não contemplava totalmente a reversão dos cortes. O Executivo comprometia-se com a devolução num prazo máximo de quatro anos, 20% no primeiro ano, mas era vago sobre os anos posteriores.
Neste acórdão cujo relator é o conselheiro João Pedro Caupers, não votaram esta decisão cinco dos treze juízes. À excepção do juiz Pedro Machete, cooptado pelos seus pares, e do juiz Cura Mariano, indicado pelos sociais-democratas, os restantes juízes indicados pelo PSD e pelo CDS votaram contra a decisão de inconstitucionalidade: Lúcia Amaral, José da Cunha Barbosa, Fátima Mata-Mouros, Maria José Mesquita.
Contribuição de Sustentabilidade chumba por ser definitiva
Já a Contribuição de Sustentabilidade, que tem um impacto nos cofres públicos na ordem dos 370 milhões, levanta outros problemas, mas não dividiu tanto os juízes. Apesar de o Tribunal assinalar que há espaço constitucional para reduzir pensões e que essa reforma é importante para a sustentabilidade das pensões, admite que as “exigências são apertadas no quadro do princípio da confiança".
“A sustentabilidade da Segurança Social é de tal ordem de interesse que pode justificar a redução de pensões”, disse Sousa Ribeiro, ao mesmo tempo que deixou, mais uma vez, os ingredientes de que o Governo não pode prescindir se pretender luz verde do palácio Ratton. “Esta medida não está, como devia, coerentemente inserida numa reforma estrutural e equitativa", argumentou. Já anteriormente, Sousa Ribeiro falara de uma “medida avulsa”, agora acenou também com a necessidade de assegurar uma “equidade intrageracional”.
A decisão de chumbar esta contribuição, que vinha substituir a CES a partir de 2015, tem outro culpado: o seu próprio carácter. Enquanto a CES é transitória (o Constitucional validou-a há 15 dias), a Contribuição de Sustentabilidade teria um carácter permanente. “Isso faz toda a diferença”, vaticinou Sousa Ribeiro. Com a agravante de a medida poder também configurar “um tratamento injusto” dos próprios pensionistas, já que os beneficiários a partir de 2008 já estão sujeitos a regras mais penalizadoras, o que não sucede com quem se reformou antes desse ano.
Assim, “uma mera redução dos valores das pensões sem qualquer ponderação de outros factores” valeu dez votos contra três. O acórdão, cujo relator foi o juiz Carlos Fernandes Cadilha, foi também votado pelos conselheiros Lino Ribeiro, Catarina Sarmento e Castro, João Cura Mariano, Maria José Mesquita, Pedro Machete, Ana Guerra Martins, João Pedro Caupers, Fernando Ventura e Sousa Ribeiro. Ficaram de fora três magistrados. Maria Lúcia Amaral e José da Cunha Barbosa, indicados pelo PSD, e Fátima Mata-Mouros, indicada pelo CDS.
A par destas decisões, o Tribunal rejeitou o pedido para analisar a fórmula de actualização anual das pensões, por considerar que existe falta de elementos no diploma.
Se, em termos políticos, a decisão permite alguma folga orçamental no ano de 2015, que coincide com o término do mandato deste Governo, não deixa de constituir também mais uma pesada derrota do Executivo. E desta vez o Governo reagiu quase no imediato. Duas horas depois, Paulo Portas prometia análise do acordão, mas recorria à possibilidade de encontrar “soluções viáveis” em cima destas decisões. Ou seja, prolongar cortes salariais e insistir na redução das pensões.
Do lado dos partidos da oposição, o deputado António Gameiro sublinhou que os juízes deram razão aos socialistas quanto à Contribuição de Sustentabilidade, ao chumbar “uma lei injusta e imoral”, e repetiu que há alternativas aos cortes salariais. O PCP, através de Jorge Cordeiro, apontou o dedo a “um Governo fora da lei, a agir e a governar contra a Constituição”, enquanto os bloquistas preferiram lamentar a manutenção dos cortes salariais em 2014 e 2015. No entanto, o deputado Luís Fazenda referiu que as decisões dão um “alento” a todos que têm defendido a Constituição, com o Governo, mas também Cavaco Silva, a “ficarem mal neste filme”.
No plano sindical, a CGTP reagiu com “surpresa” em relação à decisão do TC, com Armando Farias a apontar “incoerência” ao Tribunal por deixar passar os cortes nos salários. A UGT referiu uma decisão “salomónica” que vai ao encontro dos pensionistas, mas que, por outro lado, dá uma “almofada financeira” ao Governo ao permitir cortes salariais até ao final de 2015. “Como há eleições, quem vier a seguir que feche a porta”, disse o líder Carlos Silva.