“A partir de 2015 Portugal tem um pleno de vantagens”

Lino Fernandes, economista, defende que o país tem uma conjugação de oportunidades para aproveitar a curto prazo.

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Lino Fernandes argumenta que as características do país ajudam a atrair empresas Rui Gaudêncio

Lino Fernandes começou em 1972 a estudar a indústria portuguesa, quando integrou o Grupo de Estudos Básicos de Economia Industrial. Na década de 1980 fez parte da Junta Nacional para a Investigação Científica e Tecnológica, que veio a dar origem à Fundação para a Ciência e a Tecnologia. De 1996 a 2012, com um interregno de três anos, presidiu à Agência de Inovação, uma entidade estatal que fomenta a articulação entre a investigação e o meio empresarial. Na “situação de crise em que estamos encalhados” (expressão retirada das páginas de “Portugal 2015”), o livro é uma visão “optimista sobre o potencial do país”.

No seu livro, escreve que Portugal tem muitas características que o tornam atractivo para empresas estrangeiras: a formação de recursos humanos, uma boa rede de comunicações, a hospitalidade, o clima. Parece um país ideal. O que é que falta?
Algumas destas características têm vindo a ser acumuladas. O clima sempre existiu, mas a formação de recursos humanos é muito recente. Há uma vantagem que não existia e que vai existir para o ano: o Porto de Sines e o alargamento do Canal do Panamá .Estas vantagens são cumulativas. A partir de 2015, Portugal tem um pleno de vantagens. 
Agora, por que é que temos estas características e não estamos mais desenvolvidos? Uma das razões é que durante muito tempo não as tivemos todas. É uma das razões de termos ficado periféricos em relação à Europa. A Europa foi crescendo para Leste e nós não tínhamos vantagem nenhuma em estar no Atlântico.
 
Diz que na década de 1980 não nos conseguimos voltar para a Europa, em parte por causa da concorrência de Espanha…
E do Leste. Aderimos à União Europeia e os sectores exportadores, especialmente o vestuário e o têxtil, cresceram logo a seguir. Mas essa fase criou alguma ilusão. A queda do Muro de Berlim desencadou o alargamento para o Leste. De repente, Portugal passou a ter uma concorrência dentro da Europa muito mais forte. A Alemanha, que estava a investir cá, passou a investir mais nos países emergentes. Era onde os mercados, como o do automóvel, iam começar a crescer mais. Ficámos sem investimento estrangeiro. E levámos uma talhada nos sectores que estavam mais fechados [no mercado interno].
Fomos tendo vários desafios ao longo de 30 anos. E, a cada um, as empresas portuguesas tiveram muitas dificuldades em responder. Aconteceu, por exemplo, na formação da mão-de-obra. Em Portugal, a média da formação da população cresceu devagar, só acelerou na ponta final. E, dentro da formação escolar, houve uma opção de só formar crianças e não adultos.
 
Isso fez sentido?
Teve um efeito que foi o dualismo. Muitas pessoas que se licenciaram tinham pais com a quarta classe. Mas a geração dos pais manteve-se anos no mercado de trabalho com a formação que tinha antes do 25 de Abril. O dualismo é uma característica da sociedade portuguesa: entre zonas rurais e urbanas, entre interior e litoral. Passou a ser também demográfico. Inicialmente, as empresas tinham poucas pessoas qualificadas. Essa situação só começou a mudar significativamente quando aquela geração mais velha começou a sair do mercado de trabalho.
 
As empresas estão a conseguir aproveitar as gerações mais qualificadas?
Estavam a começar a aproveitar. A capacidade para aproveitar também tem a ver com a própria formação dos empresários. Um empresário com a quarta classe dificilmente vai contratar um licenciado, até por uma questão de poder. O que aconteceu foi que as empresas novas, que tinham gente mais bem formada, começaram a contratar pessoas mais qualificadas. As outras mantinham-se no perfil anterior. Não é por acaso que muitas PME estão a mudar: a nova geração está a tomar conta da empresa. Acho que a questão da classe empresarial é a nossa questão fundamental.
 
A falta de qualificações dessa classe?
Pensando nos anos 60, Portugal cresce fundamentalmente com a exportação, mas com empresários que já tinham a procura feita. Havia uns suecos que vinham comprar roupa e já traziam o design. Nós só tínhamos de fazer de capatazes dos operários. Por outro lado, havia os grupos económicos que viviam num mercado relativamente protegido, aqui ou em África. Em termos de classe empresarial, temos problemas
 
No livro, fala de algumas inovações tecnológicas portuguesas na década de 1980 que acabaram por não chegar ao mercado. O que falhou?
Esse foi o início da revolução tecnológica. Falhámos porque não tínhamos gente com formação empresarial naquelas áreas. O computador de Coimbra, por exemplo [o Ener 1000, um computador desenvolvido na Universidade de Coimbra a partir de 1978]. Eles arranjaram um empresário da região interessado em produzir aquilo. Só que a cultura industrial dele… A dificuldade que existia era a falta de qualidade da produção industrial.
Outro caso é o da Messa, uma máquina de escrever electrónica [numa altura em que a generalidade das máquinas era mecânica]. A empresa tinha representação em sessenta e tal países. Se tivessem lançado aquela máquina de escrever… Mas a empresa estava falida, intervencionada pelo Estado, e os decisores não conheciam as novas tecnologias. A indecisão acabou por levar a que a empresa acabasse por fechar.
Digo que falhámos essas oportunidades, mas se calhar não podíamos ter deixado de falhar. Naquela altura, a Coreia do Sul tinha um perfil um pouco parecido com o nosso. E transformou-se numa grande potência da electrónica.
 
Estamos em condições de aproveitar esta nova vaga tecnológica, das aplicações, dos smartphones, da Internet ubíqua?
Temos alguns trunfos. O primeiro é que nas gerações novas recuperámos o atraso na formação. Ao mesmo tempo, há uma nova camada empresarial que conhece mundo. Por outro lado, há muitos projectos de investigação e desenvolvimento que estão a chegar ao mercado agora. O QREN [Quadro de Referência Estratégica Nacional, que aplica fundos comunitários] começou em 2007. Os projectos demoram três, quatro anos, mas ir do resultado do projecto até ao mercado demora sempre algum tempo. A maioria dos projectos poderá chegar agora ao mercado.
 
Quais os obstáculos a que esses projectos cheguem ao mercado?
Falta de capacidade financeira das empresas e falta de disponibilidade da banca. Receio que, com a crise e o desemprego, o Governo ceda à pressão e ande a esbanjar dinheiro em estágios, o que resolve o problema no imediato, mas não cria emprego sustentável.
O crowdfunding [um modelo em que várias pessoas podem contribuir para um projecto, recebendo recompensas, como uma primeira versão do produto] é uma grande oportunidade para financiamento. Por um lado, as pessoas que apoiam a empresa para receber o produto funcionam como um teste ao mercado. E, num site como o Kickstarter, o produto pode ficar conhecido internacionalmente.
 
Mas os casos de financiamento nesses sites são tipicamente muito pequenos.
Não em todos os casos. Mas é um mecanismo muito interessante, porque se consegue financiamento sem dar capital em troca e dá-se visibilidade ao produto, porque pode haver umas centenas de pessoas que metem dinheiro no projecto, mas há uns milhares que o viram. É um instrumento de marketing poderosíssimo.
 
Não acha que temos o capital de risco necessário para esses projectos?
Acho que não, mas acho que é difícil ter, porque só agora é que começamos a ter aqueles empresários que têm a sua própria experiência e se transformam em business angels [investidores de fase inicial]. E também não temos aquele mecanismo, que há nos EUA, de as empresas entrarem em bolsa e dispararem. Em Portugal justificam-se os mecanismos públicos de financiamento em fases iniciais.
 
A transferência de conhecimento das universidades para as empresas ainda é um problema?
Não é boa, mas já foi muito pior. Houve uma grande melhoria desde os anos 1990. Quando nas empresas não havia ninguém com formação universitária, era difícil. Podia-se pôr umas coisas pelo meio – agências de inovação, gabinetes –, mas era difícil. Quando começou a haver gente de um lado e do outro, tornou-se mais fácil. Depois, começou a haver apoios públicos, quer financeiros quer fiscais, o que diminuiu o risco das empresas. É fundamental, porque a inovação é risco. Pode haver um projecto muito bem feito, mas chega-se ao fim e descobre-se que há um coreano que tem algo igual ou melhor.
 
E no caso de novas empresas saídas das universidades, também houve melhorias?
O futuro depende muito dessas spin offs. A biotecnologia, por exemplo, é uma tecnologia nova, que não havia na indústria portuguesa. Tem de ser criada de raiz e naturalmente será criada por pessoas que vêm das universidades e que estão em formação nessas áreas.
 
Mas há nessas pessoas a motivação para criar empresas?
Dependerá de haver oportunidades. O nosso problema é mais um problema de mudança de especialização. É preciso desenvolver sectores de maior valor acrescentado, mais na ponta tecnológica, de produtos que paguem salários elevados. Não é um problema microeconómico, é um problema de estrutura da própria economia. Fazer bom calçado é positivo, dá dinheiro, mas uma indústria aeroespacial é outra conversa. Se tivermos uma indústria de biotecnologia, podemos abalançar-nos para outras coisas.
 
O software é um desses sectores?
É. A nossa inovação foi muito pelo software. Como tínhamos o problema do carácter periférico, dado o alargamento da Europa a Leste e a falta de portos competitivos, a nossa inovação reflectia-se muito na balança tecnológica, que é uma balança de serviços. Esta mudança no Porto de Sines é uma mudança muito grande, que nos vai permitir desenvolver indústrias inovadoras. Também temos uma indústria de moldes. Será que não conseguimos captar para cá pessoas, startups, que venham fazer uns protótipos e depois exportar para o mundo?
 
Há quem esteja a tentar tornar Lisboa numa cidade de startups e empreendedorismo. É viável?
Com as características do clima e de baixos custos, podemos atrair investimentos que sejam intensivos em recursos humanos. Atrair uma grande fábrica, só se for agora por causa do Porto de Sines. Mas as nossas vantagens são maiores quando é preciso mão-de-obra qualificada e o decisor do investimento tem de levar isso em conta. Pode ser uma startup, mas também pode ser uma empresa que empregue muitos engenheiros, que se sintam bem a morar em Lisboa. É uma cidade europeia, mas mais barata. Com as [companhias aéreas] low cost, esse fenómeno reforça-se.
 
Há empreendedores de qualidade para aproveitar as oportunidades de que fala? Escreve que temos um empreendedorismo fomentado pelo desemprego.
É uma necessidade… Já foi muito bom a sociedade portuguesa ter mudado de atitude em relação aos empresários, que, por razões históricas, não eram muito bem vistos em Portugal. Este empreendedorismo dos jovens ajudou a mudar muito a imagem do empresário. O empresário já não é só o tipo que é rico, que herdou, que é um privilegiado. Passou a haver empresários que foram capazes de fazer coisas novas. O empreendedorismo tem um valor ideológico na sociedade, que foi reabilitar a imagem do empresário. Foi uma mudança que tivemos de fazer depois do 25 de Abril e que ainda não está totalmente feita.
 
O seu argumento central é que estamos sentados em cima de uma série de oportunidades e que agora é simplesmente preciso aproveitá-las?
Não estou a dizer que não haja problemas. Mas será que não conseguimos resolver aqueles problemas da organização, da burocracia, do sistema financeiro? São problemas que podem ser resolvidos em movimento. Se estivermos parados na crise, não conseguimos fazer nada. O país precisa de ter um horizonte. Já resolvemos coisas mais complicadas. Veja o caso dos retornados. Foi um drama humano imenso. Há pessoas que dizem que o meu livro é optimista. É optimista sobre o potencial do país, não sobre o que vai acontecer.

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