Há filmes que se constroem pelos rastos deixados pelas suas personagens, procurando-se nesse movimento - Cassavetes atrás de Gena Rowlands em Uma Mulher sob Influência, Barbara Loden atrás da sua Wanda... Às vezes dilata-se no interior da cabeça da personagem, como o filme da argentina Lucrecia Martel dentro de uma Mulher sem Cabeça. A forma, nesses casos, é um eco poderoso e informe. Mas muitas vezes o filme fica apenas a ver a personagem evoluir. Assim é Gloria, de Sebastián Lelio. Não é caso para menosprezá-lo. Há delicadeza nisto de observar uma actriz, Paulina García, em movimento. Mas não arrisca dar um passo este filme - não arrisca o informe. Pelo contrário, coloca Gloria, uma divorciada em desordem, a evoluir num recinto de segurança bem delimitado. Contendo-a dentro de um género, o do filme sobre personagem sob influência mas também (já) o género de um certo cinema sul-americano com personagens, que absorvem o mal estar social, em vias de se tornarem psicopatas - Gloria é parente do, esse sim psicopata, Tony Manero, personagem do filme de Pablo Larraín que é produtor de Gloria. Ficamos também a vê-la, Gloria. A bater à porta de um filme de Lucrecia Martel.
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