As Perfomance Series de Neil Young não seguem qualquer lógica cronológica discernível. Desde que começaram a ser editadas, saltámos de concertos com os Crazy Horse do início da década de 1970 para concertos dos anos 1990, período Harvest Moon, recuámos até ao momento em que era ainda um Buffalo Springfield e começava a iniciar o percurso a solo, e assim prosseguimos, acima e abaixo na escala do tempo.
Chegámos agora a Live At The Cellar Door. É a sétima edição das séries e recebeu a posição 2,5 — ou seja, está entre Live At Fillmore East, gravação de um concerto de 1970 com os Crazy Horse, e Live At Massey Hall 1971. É retrato de um período fundamental de Young, o da edição de After the Gold Rush, álbum em que a sua linguagem musical e o seu temperamento, o de homem que atravessou a era de optimismo e idealismo da contracultura da década de 1960 com um olhar misterioso, consciente das sombras que se avolumavam no horizonte, se definiam com rigor.
Criado a partir da série de concertos que deu num pequeno clube de Washington, o Cellar Door, em Dezembro de 1970, é companhia perfeita para Live At Massey Hall— nesse, prenunciava o futuro de Harvest, aqui equilibra as investidas pelo passado, aos tempos dos Springfield, com a reconstrução de canções do seu presente de então, despindo-as a guitarra ou piano. O efeito, de um intimismo desarmante, é particularmente poderoso: como se Young tocasse aquilo que as suas canções têm de essencial. O cliché de que uma boa canção só o é se continuar a brilhar quando tocada numa simples guitarra acústica é particularmente certeiro: confirmamo-lo na tocante I am a child ou nessa Old man, canção nova de um homem bem mais velho do que a data de nascimento indicava (“Old man, look at my life/ I’m a lot like you were”.
O melhor são, porém, os momentos em que Young troca a guitarra pelo piano. Há nessas interpretações uma fragilidade que as torna especiais: ouça-se After the gold rush, melodia perfeita alimentada por um coração muito humano. Há breves momentos em que Young, que dirá mais tarde no concerto, com humor, que já anda a dedicar-se seriamente ao piano “há quase um ano”, sente as mãos falharem e as notas parecem fugir-lhe (mas nunca fogem porque a voz, aquela voz que é, à uma, quente melancolia e lamento espectral, cobre quaisquer passos em falso).
Aqui, Expecting to fly, requiem pelos sonhos da década de 1960 que os Buffalo Springfield gravaram enquanto épico sob a influência de Phil Spector, torna-se valsa fúnebre perturbada pelas notas dissonantes acentuadas no final de cada refrão. Aqui, ouvimos Cinnamon girl, uma das canções que melhor definem o rock’n’roll inimitável dos Crazy Horse, simples e sólido como rocha, transformada surpreendentemente em boogie para piano. E, despida, Down by the river torna-se de forma mais perturbadora uma murder ballad que Nick Cave poderia ter aproveitado quando dedicou um álbum a canções de sangue e crime.
No final, Flying in the ground is wrong, outra dos Buffalo Springfield, canção muito juvenil no seu propósito — o mundo a dividir-se entre aqueles que tinham ganho nova “consciência” (leia-se, que tinham fumado uns charros) e os que se mantinham ignorantes desse novo mundo —, é apresentada entre piadas trocadas com o público e gargalhadas tão sinistras quanto os sons, qual sonoplastia tétrica, que Young vai arrancando às cordas do piano. Quando começa finalmente a cantá-la, fá-lo com uma candura, uma doçura, que não mais seria possível — não tardaria muito a morte por overdose de Danny Whitten, guitarrista nos Crazy Horse, não tardariaThe needle and the damage done (“Every junkie is like a setting sun”).
É adequado que esta seja a edição 2,5 das Performance Series. O mundo estava a mudar para Neil Young (mas ainda não mudara totalmente).
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