E, de repente, tudo era psicadélico. As roupas, os muros dos jardins, as paredes das casas, a carroçaria dos carros e as capas de revista. As próprias pessoas: dali passou a ser classificado enquanto tal e mesmo no Portugal da RTP a preto e branco, Almada Negreiros, entrevistado no Zip Zip nos idos de 1960, ficava a conhecer o moderno adjectivo adequado à sua pintura. Lá dizia a gente nova ao observar alguns dos seus quadros: "Psicadélico". Aquilo que era pertença da cultura pop transbordara e já não era exclusivo de neo-beatnicks como Kim Fowley, provocando desde Los Angeles, ano 1965, "summer time is here kiddies, and it's time to take the trip", ou de sonhadores e inventores como os Soft Machine, embarcando em viagens delirantes de criatividade numa qualquer mansão de Canterbury. Depois do "Sgt. Pepper" dos Beatles e enquanto decorria o "Summer of Love" californiano regado a LSD (ano 1967), até os inofensivos Bee Gees, todos eles coloridos de fantasia na capa de "1st", se transformaram em gente dada ao psicadelismo.
O dicionário define: "Psicadelismo: Estado de sonho ou vigília provocado por vários alucinogénios, nomeadamente L.S.D." Musicalmente, reteve-se o "estado de sonho ou vigília" e os vários alucinogénios tornaram-se acessórios. Pete Townshend, que desejou espetar as suas Doc Martens na cabeça do tipo que, em Woodstock, lhe borrifou o chá de LSD, compôs "I can see for miles", hino psicadélico incontestável. E os Troggs, mestres do rock'n'roll minimal que desembocaria no punk, bem que tentaram disfarçar-se de "tripados" experientes mas a sua "Purple shades" não enganou ninguém: "Band of butterflies / Twice their normal size / Flying around my mind"? Convenhamos que uma dose de ácido estimulando as sinapses conseguiria algo mais impressionante que pequenas borboletas (mesmo com o dobro do seu tamanho normal, não deixariam de ser pequenas).
Hoje, o psicadelismo continua a ser sinónimo de escapismo, um refúgio de sonho perante o mundo real. O dub jamaicano é iminentemente psicadélico, tal como muita da música electrónica, absorvente e futurista, tal como o hip hop de Madlib ou do irmão Oh No, quando decidem chafurdar em pérolas de Bollywood ou em obscuras bandas turcas ou etíopes de décadas passadas. Perante toda essa música, poderíamos até extremar posições e afirmar que "Sgt. Pepper" ou "I can see for miles" são hoje experiência convencional. Erro grave, naturalmente, porque continuam a concentrar em si uma hipótese de fuga, uma procura romântica e fervorosa por algo que corte, que permita aceder ao outro lado do espelho. Os MGMT estão apaixonados por essa possibilidade. É esse o espírito que anima "Congratulations", onde são amalgamadas, diversas vezes na mesma canção, personagens que protagonizaram ou foram marcadas pela erupção do psicadelismo na música popular urbana. Com um centro específico: Inglaterra. "Há qualquer coisa que nos seduz na música britânica: os grupos são frequentemente mais finos que os seus equivalentes americanos", afirmou Andrew VanWyngarden. Agrada-lhes o humor, agrada-lhes a forma como o artifício não sobressai enquanto tal. Exemplo: "Os Kinks tinham muitos elementos barrocos na sua música, mas isso sentia-se natural, continuavam a ser os Kinks".
Uma nova cartografia
Em "Congratulations", os sinais estão por todo o lado. O elegância dandy dos Zombies de "Odessey & Oracle". O Syd Barrett dos primeiros singles com os Pink Floyd, "Arnold Layne" e "See Emily play", pedaços de delicioso (sur)realismo britânico em forma de canção pop, é enxertado nos cenários opulentos de, por exemplo, "Siberian breaks", tal como os Pink Floyd que sobreviveram ao colapso do seu primeiro líder, os das deambulações pelo cosmos e pelos mistérios do cosmos - até "Dark side of the moon", portanto. "Sobretudo neste álbum, Syd Barrett e os Pink Floyd são duas grandes influências para nós", admitiu VanWyngarden. "Adoramos as suas duas expressões, o lado mais festivo e o lado mais sombrio".
Contudo, o mais interessante é a forma como os MGMT conjugam esse aventureirismo mais visceral, mais intuitivo, com uma ideia de pose, um verdadeiro sentido dramático - damos por nós a pensar nas operetas pop dos Sparks da década de 1970, americanos fascinados pela mesma excentricidade que os MGMT reconhecem nas bandas britânicas. Digamos que, aqui, os autores de "Time to pretend" não se aventuram sem rumo definido. Ouvimos "I found a whistle" e reconhecemos o império de fantasia de Marc Bolan, capaz de nos convencer que o glamour de uma canção dos T. Rex era a vida ela mesma. Na cuidadosa orquestração de flautas, oboés, sintetizadores ou theremins, por sua vez, há algo dos Roxy Music dos primeiros tempos, quando eram aristocratas literatos a experimentar com matéria rock - e o álbum até tem uma canção intitulada "Brian Eno". No fundo, aqui o psicadelismo não é apenas fuga, é também um teatro alienígena e, nesse sentido, herdeiro desalinhado do supremo dramaturgo da pop, David Bowie enquanto Ziggy Stardust.
Curiosamente, Ben Goldwasser apontou que os MGMT, apesar de recolherem inspiração na pop psicadélica da década de 1960, são "ainda mais" influenciados pela reinterpretação que dela foi feita nos anos 1980, citando os Television Personalities ou os Monochrome Set como exemplos - acrescentaríamos à lista os psicadélicos mais extravagantes e deliciosamente pop do período, os XTC, que chegaram a reinventar-se enquanto Dukes Of Stratosphere, banda imaginária para uns anos 1960 reais.
Talvez que Goldwasser quisesse apontar algo que é evidente ao longo de "Congratulations". Os MGMT não estão a recriar uma música específica. Embrenharam-se num universo e traçaram-lhe livremente uma nova cartografia.