Serviços Sociais retiram bebé de cinco meses a mãe portuguesa em Inglaterra
A história do casal Pedro a quem foram retirados os cinco filhos em 2013 não é única entre os portugueses a viver no Reino Unido. Agora, entre outros casos, está uma mãe portuguesa suspeita de agressão, mas que nunca foi formalmente acusada.
No mesmo dia em que a criança foi observada no hospital, os Serviços Sociais e a polícia desta cidade (60 quilómetros a leste de Londres) foram imediatamente alertados, como é habitual no Reino Unido quando existem dúvidas sobre as razões que levam a criança a ser observada. Um processo foi aberto contra a mãe, por suspeita de agressão. Esta continua sob investigação. A criança foi-lhe retirada, ficando a custódia repartida: 50% para os Serviços Sociais e 25% para cada um dos pais (separados). A criança tem dupla nacionalidade – inglesa e portuguesa.
Os exames realizados no hospital apontaram para uma fractura que, segundo os médicos, não podia ser acidental. Foram esses exames – nunca consultados pela mãe e nunca apresentados nas audiências em tribunal – a sustentar a tese dos serviços sociais de que a mãe constituía um perigo para a bebé. A criança, que estava a ser amamentada no momento da retirada no início de Maio, foi entregue a uma família de acolhimento inglesa.
Outros casos envolvendo crianças portuguesas retiradas a famílias em Inglaterra por suspeitas de negligência ou maus tratos estão a ser acompanhados pelos consulados gerais de Portugal em Londres e Manchester, segundo um responsável da embaixada em Londres. Serão pelo menos cinco. O PÚBLICO tentou saber o número exacto de portugueses nesta situação, junto do gabinete do secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Cesário, e aguarda uma resposta desde a passada segunda-feira.
Segundo explicou o responsável da embaixada, o caso da bebé de Southend está a ser acompanhado pelo consulado geral de Londres, que “não pode interferir no processo”, por exemplo, para consultar os relatórios dos Serviços Sociais que consideram a mãe incapaz de proporcionar segurança para o desenvolvimento harmonioso da criança. A mesma fonte acrescentou: “O consulado procurará intervir até onde for possível, se as suspeitas não forem fundamentadas.”
Num contacto para os Serviços Sociais de Southend, o PÚBLICO tentou esclarecer os fundamentos da acusação contra a mãe. “Por razões de confidencialidade, não podemos discutir qualquer caso individual”, respondeu por escrito Diane Keens, responsável do Departamento de Colocações e Recursos das autoridades locais de Southend-on-Sea. “Podemos dizer com muita clareza, porém, que as decisões que envolvem o cuidado de crianças são tomadas depois de investigações muito detalhadas sobre cada caso individual. Damos sempre prioridade, no processo, ao melhor interesse da criança”, acrescentava na nota enviada por email.
"Descida ao inferno"
O pai, inglês, está separado da mãe com quem mantém uma boa relação e mantinha um contacto regular com a filha. Foi internado numa clínica psiquiátrica poucos dias depois da retirada da filha, perdendo os 25% de poder parental que ainda lhe era atribuído (e que poderá passar para os Serviços Sociais).
“Quando as crianças são retiradas, os pais enlouquecem. É uma descida ao inferno”, diz por telefone a jornalista Florence Bellone, da Rádio e Televisão Belga Francófona (RTBF), que desde 2010 dedicou ao tema várias reportagens, tendo sido uma delas (Grã-Bretanha: As Crianças Roubadas) premiada com o Prémio de Jornalismo Lorenzo Natali 2011 para Rádio. Esse “estado de loucura” que pode tomar a forma da confrontação com o sistema – os Serviços Sociais ou os juízes – “é imediatamente utilizado contra eles nos tribunais”, acrescenta ao PÚBLICO.
A mãe da bebé de Southend mantém 50% do poder parental que perderá, se for presa. E poderá sê-lo, se tiver qualquer contacto com a comunicação social ou divulgar o caso nas redes sociais. Estes casos ficam por isso e muitas vezes na sombra. “Em teoria, impõe-se o segredo para proteger as crianças, mas, na realidade, o objectivo é proteger o sistema. Se [os pais] publicarem referências aos casos nas redes sociais como o Facebook, são, por vezes, presos”, disse ao PÚBLICO John Hemmings, deputado dos Liberais-Democratas, pelo círculo de Birmingham, que preside ao Justice for Families, um grupo que faz campanha para alterações às leis da família.
John Hemmings tem conhecimento de muitas outras situações – incluindo a da família Pedro, que está actualmente à espera de ver aprovadas em Inglaterra a transferência do processo para a Segurança Social portuguesa e a vinda dos cinco filhos para uma instituição de acolhimento em Portugal, hipótese apresentada em Março pela embaixada de Portugal em Londres e acolhida, embora não imediatamente aceite, pelos Serviços Sociais de Grantham, onde vive o casal Carla e José Pedro.
Culpados até prova em contrário
Como nos cerca de 30 mil casos que, segundo a jornalista Florence Bellone, envolvem, todos os anos, pais britânicos ou estrangeiros a quem são retirados os filhos, a mãe da bebé de Southend tem de provar a sua inocência. Nos tribunais criminais, os pais são inocentes até prova em contrário. Nos tribunais de família, é o inverso. “São culpados até conseguirem provar a sua inocência”, corrobora em entrevista o activista britânico Ian Josephs.
Ian Josephs lançou várias campanhas a exigir o fim do segredo imposto às famílias a quem são retiradas as crianças, por não estar em risco a segurança do Estado. Mas também enfatizou a urgência de pôr fim a este ponto: o de os tribunais de família punirem os pais sem que estes sejam condenados ou sequer acusados. E de estes perderem os filhos quando existe suspeita, e não prova absoluta, de negligência, mau trato, ou “risco futuro de dano emocional”. Para que a criança seja devidamente protegida no Reino Unido, defende, "estes casos deveriam ser tratados em tribunais criminais", nos quais é possível apresentar testemunhas em defesa própria – o que é negado aos pais, na maioria destes casos, nos tribunais de família – e é exigida prova para além dos relatórios dos Serviços Sociais ou testemunhos não presenciais.